Opinião
Um Irão cada vez mais intratável
A contestação aos resultados das presidenciais no Irão não conseguiu produzir uma dinâmica política capaz de desalojar as alas mais conservadoras e populistas das posições conquistadas desde a eleição de Mouhamoud Ahmadinejad em 2005.
A contestação aos resultados das presidenciais no Irão não conseguiu produzir uma dinâmica política capaz de desalojar as alas mais conservadoras e populistas das posições conquistadas desde a eleição de Mouhamoud Ahmadinejad em 2005.
Uma das consequências mais relevantes do reforço da linha radical personificada por Ahmadinejad e patrocinada pelo Líder Supremo Ali Khamenei é a quase total impossibilidade de êxito das negociações para suspensão ou desmantelamento do programa nuclear militar iraniano.
Os interesses da Rússia, China e Índia, manifestos na reticência em criticar as autoridades de Teerão durante a presente crise, levantam sérias dúvidas sobre a eventualidade de adopção de sanções internacionais efectivas quando, provavelmente em meados do próximo ano, o Irão dispuser de urânio enriquecido em quantidade suficiente para produzir uma ou mais armas nucleares.
Negociação impossível
A escusa do Irão em aceitar o convite para participar esta semana na reunião dos ministros de negócios estrangeiros do G8 em Trieste, destinada a discutir medidas para a estabilização do Afeganistão e Paquistão, é um claro sinal de que Teerão rejeita terminantemente negociar compromissos regionais que possam pôr em causa as suas ambições a potência dominante no Golfo Pérsico.
A negociação global aventada por Barack Obama, na sequência de idênticas tentativas de abertura ao Irão promovidas em vão por George Bush Pai e Bill Clinton, passava pelo restabelecimento de relações diplomáticas, garantias de segurança a Teerão, manutenção de centrifugadores para pesquisa sob supervisão da Agência Internacional de Energia Atómica e fornecimentos internacionais de combustível para fins nucleares civis.
A radicalização que resultou da presente crise no Irão implica que o regime de Khamenei recusará concessões que possam ser vistas como sinal de fraqueza ou hesitação capazes de mobilizar opositores nas elites de Teerão e tenderá a isolar e reprimir dissidências como imperativo de segurança frente a ingerências e ameaças externas.
É certo que o conflito protagonizado por Khamenei e Ahmadinejad e os sectores representados por Ali Rafsanjani, Mohammad Khatami e o candidato Mir Musavi pôs em causa a legitimidade de instituições como a presidência e mesmo o parlamento - subordinadas a veto das instâncias religiosas, mas sufragadas por voto universal - e criou condições para a prazo se repetir uma crise capaz de destabilizar o regime.
A ascendência das alas mais conservadoras e de instituições como os Guardas Revolucionários ou as milícias Basij, a purga de quadros ligados aos círculos de negócios e rede de influências lideradas por Rafsanjani, poderá ganhar novo ímpeto se o Líder Supremo der "luz verde" ao presidente para desencadear uma campanha anti-corrupção contra figuras desafectas ao poder.
É uma linha de actuação crível para consolidar posições e um recurso necessário para permitir inclusivamente eventuais opções negociais capazes de gerar novos consensos nas eleições locais do próximo ano e nas legislativas de 2012 se, entretanto, não ocorrer um conflito militar que venha a alterar o calendário eleitoral.
Longe da revolução
A incapacidade do grupo congregado em torno de Rafsanjani mobilizar apoios entre o clero para contestar abertamente o Líder Supremo - a maioria da hierarquia xiita esquivou-se a compromissos políticos declarados - e o apoio das chefias militares e dos corpos para-militares a Khamenei, impossibilitaram que as manifestações, essencialmente de base burguesa em Teerão e outras cidades como Tabriz, no Arzebeijão iraniano, provocassem um efeito cascata contra o poder instituído.
Nesta conjuntura - ao contrário de 1979 quando todas as classes sociais, sob a liderança de radicais islamitas, marxistas, liberais e social-democratas, convergiram contra o Xá - não estava em causa o regime, mas apenas alegados abusos de uma facção que manipulara resultados eleitorais.
A fracção contestatária das elites iranianas (ligada a tentativas reformistas fracassadas no passado) não conseguiu definir uma linha política capaz de alargar a sua base de apoio que, à partida, seria relativamente significativa, dado que os três candidatos anti-Ahmadinejad somaram mais de 14 milhões de votos no escrutínio oficial.
Tirando o caso de Teerão, a ausência de manifestações com grande participação na maior parte das cidades com mais de meio milhão de habitantes - que no conjunto representam cerca de 20 milhões dos 70 milhões de habitantes do Irão -, o imobilismo do operariado da indústria petrolífera, cujas greves foram fundamentais para o derrube do Xá, e a cautela da chamada burguesia do bazaar, indicam que em nenhum momento se esteve perto de uma situação revolucionária.
A minoria activista não mobilizou apoios muito além da burguesia urbana entre persas, azeris, árabes ou baluchis, que esperaram para ver ou optaram efectivamente pelas vantagens da política económica de Ahmadinejad e os subsídios estatais.
As instâncias de poder acataram os ditames do Líder Supremo e as divergências entre dignitários do regime não chegaram a paralisar forças de segurança e militares, que manifestaram disponibilidade para as necessárias acções repressivas.
Junho ficou, ainda assim, marcado por um momento fundamental, o da primeira contestação à vertente fundamental da legitimidade da República Islâmica - a soberania popular -, que coincide com um fosso crescente entre os interesses de grupos da burguesia das grandes cidades e grande número de mulheres e jovens de vários extractos sociais, alienados do autoritarismo e conservadorismo imperantes, opostos à política económica populista e ao messianismo de Ahmadinejad, que isola internacionalmente o país.
O choque provocado pela manipulação do escrutínio - capaz de ter, pelo menos, obstado à realização de uma segunda volta das presidenciais - e as divergências entre as elites expostas abertamente obrigam, para própria sobrevivência do regime, a uma radicalização interna e à purga de elementos contrários ao Líder Supremo.
Na hora da verdade
A preservação da integridade do estado, unindo persas e as minorias étnicas e religiosas que representam praticamente metade da população, tenderá a concentrar-se na reivindicação de um estatuto de potência capaz de resistir a reais ou imaginárias ingerências externas.
O estatuto de potência nuclear é uma ambição que data dos tempos do Xá.
O isolamento da revolução khomeinista teve o seu auge durante a guerra com o Iraque de Saddam Hussein, apoiado pelos estados sunitas e países ocidentais, e reforçou a convicção entre as elites (um raro caso de consenso) de que o Irão só verá reconhecida a sua soberania plena e influência devida quando se dotar de meios de dissuasão ou ofensivos capazes de intimidar reais e potenciais inimigos.
As convulsões de Junho marcam também uma radicalização do regime que, independentemente das visões messiânicas de Ahmadinejad, terá, para sua própria sobrevivência e num esforço para conter ou purgar dissidências, de enveredar por uma linha de intransigência em relação ao fundamental: o estatuto de potência nuclear.
Com pouco menos de um ano pela frente só restam aos outros estados duas opções frente a Teerão: aceitar a nuclearização militar do Irão e conter a nova potência num quadro de equilíbrio do terror regional (com o perigo dos cálculos estratégicos de israelitas e iranianos sobre dissuasão, risco de ataque e retaliação puderem revelar-se antagónicos) ou optar por um confronto militar.
Uma das consequências mais relevantes do reforço da linha radical personificada por Ahmadinejad e patrocinada pelo Líder Supremo Ali Khamenei é a quase total impossibilidade de êxito das negociações para suspensão ou desmantelamento do programa nuclear militar iraniano.
Negociação impossível
A escusa do Irão em aceitar o convite para participar esta semana na reunião dos ministros de negócios estrangeiros do G8 em Trieste, destinada a discutir medidas para a estabilização do Afeganistão e Paquistão, é um claro sinal de que Teerão rejeita terminantemente negociar compromissos regionais que possam pôr em causa as suas ambições a potência dominante no Golfo Pérsico.
A negociação global aventada por Barack Obama, na sequência de idênticas tentativas de abertura ao Irão promovidas em vão por George Bush Pai e Bill Clinton, passava pelo restabelecimento de relações diplomáticas, garantias de segurança a Teerão, manutenção de centrifugadores para pesquisa sob supervisão da Agência Internacional de Energia Atómica e fornecimentos internacionais de combustível para fins nucleares civis.
A radicalização que resultou da presente crise no Irão implica que o regime de Khamenei recusará concessões que possam ser vistas como sinal de fraqueza ou hesitação capazes de mobilizar opositores nas elites de Teerão e tenderá a isolar e reprimir dissidências como imperativo de segurança frente a ingerências e ameaças externas.
É certo que o conflito protagonizado por Khamenei e Ahmadinejad e os sectores representados por Ali Rafsanjani, Mohammad Khatami e o candidato Mir Musavi pôs em causa a legitimidade de instituições como a presidência e mesmo o parlamento - subordinadas a veto das instâncias religiosas, mas sufragadas por voto universal - e criou condições para a prazo se repetir uma crise capaz de destabilizar o regime.
A ascendência das alas mais conservadoras e de instituições como os Guardas Revolucionários ou as milícias Basij, a purga de quadros ligados aos círculos de negócios e rede de influências lideradas por Rafsanjani, poderá ganhar novo ímpeto se o Líder Supremo der "luz verde" ao presidente para desencadear uma campanha anti-corrupção contra figuras desafectas ao poder.
É uma linha de actuação crível para consolidar posições e um recurso necessário para permitir inclusivamente eventuais opções negociais capazes de gerar novos consensos nas eleições locais do próximo ano e nas legislativas de 2012 se, entretanto, não ocorrer um conflito militar que venha a alterar o calendário eleitoral.
Longe da revolução
A incapacidade do grupo congregado em torno de Rafsanjani mobilizar apoios entre o clero para contestar abertamente o Líder Supremo - a maioria da hierarquia xiita esquivou-se a compromissos políticos declarados - e o apoio das chefias militares e dos corpos para-militares a Khamenei, impossibilitaram que as manifestações, essencialmente de base burguesa em Teerão e outras cidades como Tabriz, no Arzebeijão iraniano, provocassem um efeito cascata contra o poder instituído.
Nesta conjuntura - ao contrário de 1979 quando todas as classes sociais, sob a liderança de radicais islamitas, marxistas, liberais e social-democratas, convergiram contra o Xá - não estava em causa o regime, mas apenas alegados abusos de uma facção que manipulara resultados eleitorais.
A fracção contestatária das elites iranianas (ligada a tentativas reformistas fracassadas no passado) não conseguiu definir uma linha política capaz de alargar a sua base de apoio que, à partida, seria relativamente significativa, dado que os três candidatos anti-Ahmadinejad somaram mais de 14 milhões de votos no escrutínio oficial.
Tirando o caso de Teerão, a ausência de manifestações com grande participação na maior parte das cidades com mais de meio milhão de habitantes - que no conjunto representam cerca de 20 milhões dos 70 milhões de habitantes do Irão -, o imobilismo do operariado da indústria petrolífera, cujas greves foram fundamentais para o derrube do Xá, e a cautela da chamada burguesia do bazaar, indicam que em nenhum momento se esteve perto de uma situação revolucionária.
A minoria activista não mobilizou apoios muito além da burguesia urbana entre persas, azeris, árabes ou baluchis, que esperaram para ver ou optaram efectivamente pelas vantagens da política económica de Ahmadinejad e os subsídios estatais.
As instâncias de poder acataram os ditames do Líder Supremo e as divergências entre dignitários do regime não chegaram a paralisar forças de segurança e militares, que manifestaram disponibilidade para as necessárias acções repressivas.
Junho ficou, ainda assim, marcado por um momento fundamental, o da primeira contestação à vertente fundamental da legitimidade da República Islâmica - a soberania popular -, que coincide com um fosso crescente entre os interesses de grupos da burguesia das grandes cidades e grande número de mulheres e jovens de vários extractos sociais, alienados do autoritarismo e conservadorismo imperantes, opostos à política económica populista e ao messianismo de Ahmadinejad, que isola internacionalmente o país.
O choque provocado pela manipulação do escrutínio - capaz de ter, pelo menos, obstado à realização de uma segunda volta das presidenciais - e as divergências entre as elites expostas abertamente obrigam, para própria sobrevivência do regime, a uma radicalização interna e à purga de elementos contrários ao Líder Supremo.
Na hora da verdade
A preservação da integridade do estado, unindo persas e as minorias étnicas e religiosas que representam praticamente metade da população, tenderá a concentrar-se na reivindicação de um estatuto de potência capaz de resistir a reais ou imaginárias ingerências externas.
O estatuto de potência nuclear é uma ambição que data dos tempos do Xá.
O isolamento da revolução khomeinista teve o seu auge durante a guerra com o Iraque de Saddam Hussein, apoiado pelos estados sunitas e países ocidentais, e reforçou a convicção entre as elites (um raro caso de consenso) de que o Irão só verá reconhecida a sua soberania plena e influência devida quando se dotar de meios de dissuasão ou ofensivos capazes de intimidar reais e potenciais inimigos.
As convulsões de Junho marcam também uma radicalização do regime que, independentemente das visões messiânicas de Ahmadinejad, terá, para sua própria sobrevivência e num esforço para conter ou purgar dissidências, de enveredar por uma linha de intransigência em relação ao fundamental: o estatuto de potência nuclear.
Com pouco menos de um ano pela frente só restam aos outros estados duas opções frente a Teerão: aceitar a nuclearização militar do Irão e conter a nova potência num quadro de equilíbrio do terror regional (com o perigo dos cálculos estratégicos de israelitas e iranianos sobre dissuasão, risco de ataque e retaliação puderem revelar-se antagónicos) ou optar por um confronto militar.
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