Opinião
Terrorismo estival
No universo dos serviços de informações, nas trevas do terrorismo e contraterrorismo, os fracassos de segurança com consequências mortíferas são o que mais pesa
O temor da administração Obama a nova vaga de críticas da direita republicana por alegada incúria ante ameaças terroristas aparenta ser a causa mais provável para a decisão sem precedentes de encerrar preventivamente cerca de duas dezenas de postos diplomáticos no Médio Oriente e em África.
O ataque terrorista ao consulado em Benghazi, em 11 de Setembro de 2011, custou a vida a quatro norte-americanos, entre os quais o embaixador na Líbia, Christopher Stevens, e deu origem a uma virulenta campanha conservadora contra a Casa Branca e o Departamento de Estado.
Acusações à administração democrata de tentar esconder a real dimensão terrorista do ataque estão ainda por provar, mas inquinaram a atmosfera política em Washington e colocaram a Casa Branca na defensiva.
Medidas extremas
Fontes oficiais em Washington puseram a circular a informação de que a intercepção de comunicações entre o líder da "Al Qaeda" e sucessor de Bin Laden, Ayman al Zawahiri, e o chefe do ramo iemenita da organização, Nasser al Wuhayshi, sobre ataques contra interesses norte-americanos e ocidentais, justificava medidas extremas de prevenção, além de séria advertência a viajantes.
Outros indícios terão sido, no entanto, necessários para fundamentar o fecho de missões diplomáticas, nomeadamente ante interlocutores estrangeiros numa altura em que muitos governos e organizações assumiram posições públicas críticas das extensas ramificações dos programas de vigilância electrónica dos Estados Unidos.
A nível interno as medidas extremas desarmaram à partida a oposição conservadora e contam com o apoio da maioria dos norte-americanos -- indiferente à polémica sobre riscos de sistemas de vigilância electrónica intrusivos, ao contrário do que sucede em bom número de estados europeus -- e tendente a crer que espionagem e contra-espionagem tecnológicas visam essencialmente ou exclusivamente o combate a ameaças terroristas.
O recorrente medo de atentados, neste caso de características diferentes do perpetrado em Boston, em Abril, pelos irmãos Tsarnaev de origem tchetechena e avar, no quadro de radicalização terrorista de crentes salafistas sem vínculos organizacionais ou logísticos com organizações extremistas, é também razão mais do que suficiente para obviar a qualquer contestação à quarentena diplomática.
Jogar pelo seguro
No universo dos serviços de informações, nas trevas do terrorismo e contraterrorismo, os fracassos de segurança com consequências mortíferas são o que mais pesa.
Acusações à
administração
democrata de tentar
esconder a real
dimensão terrorista
do ataque estão
ainda por provar,
mas inquinaram a
atmosfera política
em Washington.
A opção em Washington é de evitar custos políticos de ataques a alvos particularmente expostos (apesar de medidas excepcionais de protecção) como missões diplomáticas e consulares ou meios de transporte sistematicamente na mira da "Al Qaeda".
A prová-lo conta-se um rol de ataques que vai das explosões de Agosto de 1998 nas embaixadas norte-americanas no Quénia e na Tanzânia até aos três atentados frustrados contra voos comerciais por parte da "Al Qaeda na Península Arábica" desde 2009 sob a batuta do mestre bombista saudita Ibrahim al Asiri.
Para além do que tão cedo não se saberá, outras informações terão pesado na decisão de Obama, que encontrou eco junto das autoridades alemãs, norueguesas, francesas e britânicas.
No imediato são de referenciar recentes fugas em massa de detidos por terrorismo (eventos cuja eventual ligação entre si é incerta) no Paquistão, Líbia e Iraque e o simbolismo de datas como a criação formal da "Al Qaeda" em Peshawar a 20 de Agosto de 1988 no auge de uma luta triunfal contra as forças soviéticas do Afeganistão.
Dos fundadores só se encontram vivos e à solta o egípcio al Zawahiri e o saudita Wael Hamza Julaidan, a capacidade operacional do núcleo central da "Al Qaeda", disperso pelo Afeganistão e Paquistão, é reduzida, mas a ideologia safalista e exterminacionista e o impacto do recurso ao terrorismo de massas, sobretudo anti-xiita e anti-ocidental, fizeram caminho.
Na Síria e no Mali, em Caxemira e na Indonésia, operam organizações inspiradas pela "Al Qaeda", mas actuando de forma independente, com dinâmicas próprias, e mesmo os núcleos que prestam vassalagem formal à liderança de al Zawahiri têm condições para sobreviver a novas decapitações das chefias históricas.
Os sucessivos ataques com aviões não-tripulados no Iémen não impediram até agora que "Al Qaeda na Península Arábica" persista em tácticas terroristas no país, obrigando à medida de emergência de evacuação de pessoal diplomático norte-americano, com tentativas de ataques no estrangeiro.
Um novo fôlego
A repressão militar que se abateu sobre os "Irmãos Muçulmanos" e confrades salafistas no Egipto irá contribuir, por sua vez, para o recrudescimento da militância jihadista.
Nos contrafortes do Hindu Kush evoca-se como os soviéticos se retiraram do Afeganistão em 1989, caindo três anos depois o seu protegido Mohammad Najibullah, é assiste-se, agora, à vez de norte-americanos e aliados se prepararem para abandonar o regime de Cabul e Hamid Karzai à sua sorte num fracasso estratégico capaz de estimular novo fôlego ideológico e propagandístico ao jihadismo dos herdeiros de bin Laden.
O salafismo exterminacionista de que a "Al Qaeda" e seus avatares são um dos expoentes máximos é vivaz e persistirá no recurso a tácticas terroristas por maiores que sejam os seus malogros estratégicos político-ideológicos.
Os jihadistas sunitas estão longe de ser o único movimento a adoptar tácticas terroristas, mas o seu impacto desde Setembro de 2001 não se desvaneceu.
Obama, um adepto de meios securitários com vagas peias legais e de acções militares preventivas contra presumíveis ameaças, terá presente que adoptar medidas extremas ante o risco de atentados, ainda que possa levar ao adiamento ou cancelamento de ataques letais, não tem claras contrapartidas políticas internas e externas.
O eventual êxito na supressão de uma ameaça potencial dificilmente é passível de prova convincente na praça pública e a possibilidade de descredibilização de serviços de segurança e informações é, nesta situação, muito provável, mas, presentemente, nenhum risco é tolerável para a Casa Branca ante omnipresentes e recorrentes ameaças terroristas e o cerco republicano.
Jornalista
barradas.joaocarlos@gmail.com
http://maneatsemper.blogspot.pt/
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