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Spain Rocks!

A edição de dia 8 de Março da revista “Time” devia ser leitura obrigatória para muita gente em Portugal. Na capa está o actor espanhol Javier Barden ....

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A edição de dia 8 de Março da revista “Time” devia ser leitura obrigatória para muita gente em Portugal.

Na capa está o actor espanhol Javier Barden (apresentado como a mais recente e interessante exportação local...) com o título “Nas artes e arquitectura, nos negócios e política externa, na comida e desporto... A ESPANHA IMPÕE-SE!”.

Lá dentro um dos mais ambicionados produtos jornalísticos do nosso tempo, o “Time Special Report” dedica 23 páginas ao nosso vizinho.

Não vale a pena roermo-nos de inveja – há poucos meses também tivemos as honras de capa da mesma edição europeia da “Time”, só que por causa da invasão de brasileiras em casas de alterne do norte de Portugal.

Vai uma diferença, claro está – mas mais do que reflectir sobre isso, interessa pensar como a Espanha chegou aqui: é uma referência na Europa, e em primeiro lugar uma referência cultural e civilizacional.

Vamos por partes – tudo nasceu quando há duas décadas Madrid se começou a agitar de uma maneira invulgar. Foi o tempo em que uma revista marginal – mas marcante – intitulada “Madrid Me Mata!” deu o mote ao futuro: nas suas páginas nasceram Almodóvar e alguns dos seus actores e actrizes preferidos, com o seu apoio criaram-se bares, discotecas, grupos rock e artistas plásticos.

O então alcaide de Madrid permitiu que uma pacata cidade se transformasse, então, na noite mais animada e invejada da Europa.

Em torno de Madrid criou-se “La Movida”, essa estranha onda de optimismo e criatividade onde o apoio institucional era mais dado pelo não impedir e deixar fazer (muitas vezes ajudando com dinheiro e outros incentivos), do que por um conjunto estruturado de medidas.

No fundo deixou-se crescer uma geração, deu-se-lhe um palco do tamanho de uma cidade inteira e, depois, de um país. Barcelona primeiro, Vigo a seguir, Bilbao e depois Sevilha e Valência seguiram-se a Madrid. O espírito da Movida e do Madrid Me Mata! fez mais pela unificação de Espanha em termos culturais e de imagem do que qualquer outra coisa: apesar do terrorismo e das crises o resultado está à vista.

Mas a seguir vieram as medidas estruturantes: há cerca de 15 anos o Governo espanhol percebeu a importância do audiovisual e a necessidade da sua industrialização.

O apoio à criação de uma indústria foi impressionante – em termos de financiamentos, criação de infra-estruturas estratégicas e, sobretudo, da coerência do edifício legislativo.

A Espanha começou a criar um“star-system”, alavancou o seu idioma e apoiou-se em tudo o que podia: não hesitou em bater à porta de Hollywood para se produzir o filme “Colombo”, enquanto a lusitana Comissão dos Descobrimentos se entretinha a dizer que audiovisual não interessava para nada – o espólio da nossa Comissão nesta matéria é um testemunho para a História da falta de estratégia nacional nessa área.

Em contrapartida, por cá, os últimos 15 anos têm servido para afunilar a situação vigente de um cinema artesanal, de arte e ensaio, umbilical, pessimista e acabrunhante, que sobrevive graças à chantagem a que o poder aceita submeter-se por alguns nomes – até as reformas legislativas de há 15 anos atrás nesta matéria andaram praticamente todas para trás.

Na música passou-se outra coisa interessante: mais ou menos na mesma altura o Governo espanhol impôs quotas às rádios, obrigando à passagem de artistas nacionais e controlou o seu cumprimento. O resultado foi que a criatividade surgida no início dos anos 80 conseguiu ter um apoio sólido – o “airplay” de rádio – para se afirmar ao gosto dos ouvintes e dos compradores de discos.

O top de vendas de Espanha é dominado nos primeiros lugares, em todas as categorias, por produções locais, o inverso do que acontece em Portugal. Existe uma florescente indústria musical e de concertos que dá trabalho a milhares de pessoas, que exporta e que é apreciada no mercado interno e externo.

Do flamenco ao pop, passando pela clássica, a Espanha defendeu os seus artistas e não teve complexos com isso.

Estes dois exemplos, o do audiovisual e da música (por sinal as duas faces mais marcantes das indústrias culturais em todo o mundo por serem as que asseguram, hoje, a preservação da língua falada) servem para perceber a
importância para a imagem de um país que uma série de decisões políticas tiveram há 15 anos atrás.

Há década e meia atrás os espanhóis asseguraram a defesa da sua língua percebendo que o mundo da cultura pop – melhor, da indústria pop – ia ser determinante para garantir a imagem de um país.

Não descuraram as outras frentes – as artes plásticas, o turismo, a literatura, etc. Mas souberam perceber quais eram as alavancas.

O artigo da “Time” sublinha um instrumento decisivo para o sucesso da intervenção – o Instituto Cervantes, que teve ao longo dos anos um papel fundamental na aposta nos novos valores, nas novas artes, nas novas indústrias culturais, nas novas estrelas, e que não se deixou fechar apenas em cátedras.

O Instituto Cervantes não teria feito nada se não tivessem existido leis que fomentaram a indústria e não apenas a vaga noção de criatividade artística. Mas soube aproveitar o que de melhor a indústria deixou no mercado.

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