Opinião
Regime-piloto DLT: um mercado de capitais “tokenizado”
Desde a sua conceção, a tecnologia de registo distribuído ("distributed ledger technology" ou DLT) tem sido utilizada em diversos âmbitos.
Desde a sua conceção, a tecnologia de registo distribuído ("distributed ledger technology" ou DLT) tem sido utilizada em diversos âmbitos. Esta tecnologia permite o registo de transações eletrónicas de forma descentralizada e distribuída por uma vasta rede de participantes, o que apresenta diversas oportunidades, incluindo no funcionamento dos mercados financeiros, desde logo pela capacidade de integrar a negociação, liquidação e custódia numa mesma entidade, o que poderá vir a permitir obter ganhos de eficiência nas transações de instrumentos financeiros, em termos de custo, tempo e segurança da execução.
Neste contexto, o Regulamento (UE) 2022/858 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2022, estabeleceu um regime-piloto, entenda-se, experimental e temporário, para a aplicação da tecnologia de registo distribuído às infraestruturas de mercado (Regime-piloto DLT).
Um dos objetivos deste Regulamento passa por ultrapassar as restrições que se têm vindo a verificar no funcionamento do mercado secundário com base em DLT. Se é verdade que se têm vindo a observar emissões de valores mobiliários "tokenizados" em mercado primário, é também certo que a sua transação em mercado secundário continua a apresentar alguns desafios relevantes.
Para o efeito o Regulamento vem isentar temporariamente determinadas infraestruturas de mercado de alguns requisitos específicos estabelecidos na legislação financeira da União Europeia, que poderiam impedir os operadores de desenvolver soluções utilizando esta tecnologia, sem, contudo, colocar em causa requisitos fundamentais aplicados às infraestruturas de mercado existentes e a proteção do investidor.
As isenções introduzidas pelo Regime Piloto DLT permitem, entre outros aspetos, que pessoas singulares acedam diretamente ao mercado sem recorrerem a intermediários e que apenas um operador fique responsável por uma única infraestrutura de mercado, que simultaneamente congrega uma plataforma de negociação, bem como um sistema de compensação e liquidação. Estão também previstas medidas para compensar os riscos que podem advir da introdução das isenções.
O Regime-piloto DLT entrou em vigor em 23 de março de 2023 e, no prazo de 6 anos, a Comissão Europeia deverá apresentar uma análise custo-benefício para equacionar se este regime-piloto deve ser prorrogado, alterado, transformado num regime permanente ou cessado.
Em Portugal, o Decreto-Lei n.º 66/2023, que procede à execução do Regime-piloto DLT, vem permitir que instrumentos financeiros "tokenizados", negociados numa infraestrutura de mercado no âmbito do Regime-piloto DLT, possam ser registados apenas junto do emitente ou de um único intermediário financeiro, não existindo a obrigação de serem integrados num sistema centralizado.
Alinha-se, assim, o regime nacional com um dos objetivos do Regime-piloto DLT de promover a eficiência dos mercados, aproveitando as potencialidades da tecnologia de registo distribuído para integrar as funções de negociação, liquidação e custódia numa mesma entidade. Vem também clarificar que o regime jurídico atual é neutro quanto aos modelos técnicos e informáticos em que os sistemas de registo são constituídos e que os instrumentos financeiros "tokenizados" correspondem a uma forma de representação escritural, em linha com o princípio de neutralidade tecnológica e com o espírito de abertura à inovação do legislador nacional.
A CMVM é a autoridade de supervisão responsável por este diploma em Portugal, sendo que as manifestações de interesse devem ser feitas através do formulário de contacto do CMVM Inov.
Se é certo que o regime adotado não está isento de desafios, tal como referido pela própria ESMA, designadamente no que respeita à escassez de soluções inovadoras para a liquidação e a dificuldades na interoperabilidade entre novos operadores e infraestruturas de mercado tradicionais, também é certo que o rumo será no sentido de aprofundar o desenvolvimento dos projetos DLT. Neste sentido, em resposta à ESMA, a Comissão Europeia expressou interesse e satisfação com o crescente envolvimento do setor financeiro com a tecnologia de registo distribuído, demonstrando o pleno empenho na promoção da inovação baseada em DLT nos mercados financeiros.
Estando a DLT numa das etapas iniciais do seu ciclo de vida no mercado de capitais, as oportunidades para o seu desenvolvimento poderão ser amplas para todas as partes envolvidas. Neste contexto, a CMVM está recetiva a todos os projetos que promovam uma inovação responsável, isto é, que utilizem tecnologias emergentes na procura de melhores soluções para os investidores, para a integridade do mercado e para salvaguardar a estabilidade financeira.
*Com a colaboração de Eugénio Costa e João Vieira dos Santos, Técnicos Juristas do Departamento Internacional e de Política Regulatória (DIPR)
Este artigo é da responsabilidade da CMVM
Neste contexto, o Regulamento (UE) 2022/858 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2022, estabeleceu um regime-piloto, entenda-se, experimental e temporário, para a aplicação da tecnologia de registo distribuído às infraestruturas de mercado (Regime-piloto DLT).
Para o efeito o Regulamento vem isentar temporariamente determinadas infraestruturas de mercado de alguns requisitos específicos estabelecidos na legislação financeira da União Europeia, que poderiam impedir os operadores de desenvolver soluções utilizando esta tecnologia, sem, contudo, colocar em causa requisitos fundamentais aplicados às infraestruturas de mercado existentes e a proteção do investidor.
As isenções introduzidas pelo Regime Piloto DLT permitem, entre outros aspetos, que pessoas singulares acedam diretamente ao mercado sem recorrerem a intermediários e que apenas um operador fique responsável por uma única infraestrutura de mercado, que simultaneamente congrega uma plataforma de negociação, bem como um sistema de compensação e liquidação. Estão também previstas medidas para compensar os riscos que podem advir da introdução das isenções.
O Regime-piloto DLT entrou em vigor em 23 de março de 2023 e, no prazo de 6 anos, a Comissão Europeia deverá apresentar uma análise custo-benefício para equacionar se este regime-piloto deve ser prorrogado, alterado, transformado num regime permanente ou cessado.
Em Portugal, o Decreto-Lei n.º 66/2023, que procede à execução do Regime-piloto DLT, vem permitir que instrumentos financeiros "tokenizados", negociados numa infraestrutura de mercado no âmbito do Regime-piloto DLT, possam ser registados apenas junto do emitente ou de um único intermediário financeiro, não existindo a obrigação de serem integrados num sistema centralizado.
Alinha-se, assim, o regime nacional com um dos objetivos do Regime-piloto DLT de promover a eficiência dos mercados, aproveitando as potencialidades da tecnologia de registo distribuído para integrar as funções de negociação, liquidação e custódia numa mesma entidade. Vem também clarificar que o regime jurídico atual é neutro quanto aos modelos técnicos e informáticos em que os sistemas de registo são constituídos e que os instrumentos financeiros "tokenizados" correspondem a uma forma de representação escritural, em linha com o princípio de neutralidade tecnológica e com o espírito de abertura à inovação do legislador nacional.
A CMVM é a autoridade de supervisão responsável por este diploma em Portugal, sendo que as manifestações de interesse devem ser feitas através do formulário de contacto do CMVM Inov.
Se é certo que o regime adotado não está isento de desafios, tal como referido pela própria ESMA, designadamente no que respeita à escassez de soluções inovadoras para a liquidação e a dificuldades na interoperabilidade entre novos operadores e infraestruturas de mercado tradicionais, também é certo que o rumo será no sentido de aprofundar o desenvolvimento dos projetos DLT. Neste sentido, em resposta à ESMA, a Comissão Europeia expressou interesse e satisfação com o crescente envolvimento do setor financeiro com a tecnologia de registo distribuído, demonstrando o pleno empenho na promoção da inovação baseada em DLT nos mercados financeiros.
Estando a DLT numa das etapas iniciais do seu ciclo de vida no mercado de capitais, as oportunidades para o seu desenvolvimento poderão ser amplas para todas as partes envolvidas. Neste contexto, a CMVM está recetiva a todos os projetos que promovam uma inovação responsável, isto é, que utilizem tecnologias emergentes na procura de melhores soluções para os investidores, para a integridade do mercado e para salvaguardar a estabilidade financeira.
*Com a colaboração de Eugénio Costa e João Vieira dos Santos, Técnicos Juristas do Departamento Internacional e de Política Regulatória (DIPR)
Este artigo é da responsabilidade da CMVM
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