Opinião
"No stress"
"Don"t worry about a thing, Cause every little thing gonna be all right." Bob Marley
Talvez por estar afastado de Lisboa, de férias em paragens algarvias, todo este alarido acerca de uns "testes de stress" efectuados à banca europeia tem tido um sabor marcadamente Jamaicano. Há alguns anos tive a oportunidade de efectuar uma rápida visita a aquela ilha caribenha, da qual não fiquei com particulares saudades. Nessa ocasião tive a oportunidade de constatar a forma particularmente descontraída com que os ilhéus lidam com o stress. "Take it easy man" é a forma habitual de lidar com os problemas. Nenhum problema parece ser encarado a sério. "No stress" é a regra.
O Comité Europeu para a Supervisão Bancária (CEBS) é um recente, pequeno e pouco conhecido órgão de coordenação dos supervisores bancários da UE. Talvez para se dar a conhecer e mostrar ao Mundo a robustez do sistema bancário europeu decidiu adoptar a metodologia dos testes de stres para medir a robustez e solvência dos bancos da União Europeia. Para o efeito, "deus ex machina", impôs um cenário de stress ao qual os grandes bancos tinham de se sujeitar. Quem, nesse cenário, ficasse abaixo dos 6% de rácio Tier I teria de aumentar o capital de forma a cumprir com aquele requisito. Até aí, nada a dizer. Excepto o reduzidíssimo prazo concedido para a realização do exercício. E a pressa, é sabido, nunca foi grande conselheira.
Durante a passada semana as "fugas de informação" sucederam-se. Os jornalistas recebiam telefonemas de "banqueiros" informando que o seu banco havia "passado" no teste. Na quinta-feira a CNBC já debatia a falta de credibilidade dos testes. Na sexta de manhã sabia-se que as perdas em activos contabilizados no "banking book" não impactavam nos resultados. Ou seja, num caso notável de prevalência da forma sobre a substância, foi permitido aos bancos para efeitos deste exercício (tal como já fazem na sua contabilidade) "esconder" as perdas, designadamente em dívida soberana, desde que os activos subjacentes estejam classificados naquela carteira. Nos mercados crescia a noção de que o exercício seria "pouco stressante". Sexta à noite, após a publicação dos "excelentes" resultados o Euro caía além-Atlântico. A palavra mais mencionada era: credibilidade. Ou falta dela.
Sábado, fiquei a saber pela imprensa que há um banco português que no cenário de stress melhora substancialmente em relação à sua situação actual. O que diz muito sobre o carácter "stressante" do cenário. Curiosamente, a notícia dizia tratar-se de um banco com elevada exposição à dívida soberana, designadamente grega. Mais um prodígio do "banking book", seguramente.
O pouco que se conhece do cenário não ajuda. Sabe-se que foi testada uma recessão, com quebra da bolsa (36%), acompanhada de aumento do desemprego e subida das taxas de juro. E uma ligeira (?!) quebra do imobiliário. Cenário devastador! Ou talvez não. Pessoalmente, esperaria no caso português que daí resultasse um sério aumento dos incumprimentos no imobiliário, crédito à habitação e às empresas. Contudo, os resultantes incumprimentos publicados ficam aquém do que seria normal num tal cenário, pelo que ficam dúvidas quanto à consistência interna do exercício. Esperaríamos, também, ver repercutido na margens financeiras o impacto negativo da reentrada do Estado na concorrência pelas poupanças via Certificados do Tesouro (que oferece taxas muitíssimo acima das praticadas na banca). Tudo indica, portanto, que o stress foi encarado de forma excessivamente jamaicana.
Com este exercício, de uma só assentada, o CEBS arrisca destruir a sua credibilidade e a dos bancos que procurou proteger. Muitos cépticos perguntarão: "mas afinal isto foi para tentar esconder o quê?". É caso para dizer que bancos e aforradores mereciam melhor. É pena. Porque a existência de um CEBS credível poderia ser bastante útil num contexto de verdadeira crise. O teste de credibilidade virá agora do mercado interbancário. Se este se abrir para os agora designados "resistentes" bancos do Sul, então fica provada a validade do exercício. Se nada mudar, então teremos de concluir que os bancos do Norte, conhecedores da forma como o exercício decorreu, não lhe atribuem qualquer credibilidade, daí não resultando abertura para a cedência de fundos aos "resistentes" bancos do Sul. À hora em que escrevo, segunda de manhã, o mercado "do Sul" parece continuar imobilizado. Para os bancos sedentos de liquidez a mensagem jamaicana é "don't worry, be happy". O BCE continua por aqui. Bob Marley, depois de decidir ignorar um diagnóstico de cancro, tratável, já não.
Professor da Universidade Nova de Lisboa
Assina esta coluna quinzenalmente à terça-feira
O Comité Europeu para a Supervisão Bancária (CEBS) é um recente, pequeno e pouco conhecido órgão de coordenação dos supervisores bancários da UE. Talvez para se dar a conhecer e mostrar ao Mundo a robustez do sistema bancário europeu decidiu adoptar a metodologia dos testes de stres para medir a robustez e solvência dos bancos da União Europeia. Para o efeito, "deus ex machina", impôs um cenário de stress ao qual os grandes bancos tinham de se sujeitar. Quem, nesse cenário, ficasse abaixo dos 6% de rácio Tier I teria de aumentar o capital de forma a cumprir com aquele requisito. Até aí, nada a dizer. Excepto o reduzidíssimo prazo concedido para a realização do exercício. E a pressa, é sabido, nunca foi grande conselheira.
Sábado, fiquei a saber pela imprensa que há um banco português que no cenário de stress melhora substancialmente em relação à sua situação actual. O que diz muito sobre o carácter "stressante" do cenário. Curiosamente, a notícia dizia tratar-se de um banco com elevada exposição à dívida soberana, designadamente grega. Mais um prodígio do "banking book", seguramente.
O pouco que se conhece do cenário não ajuda. Sabe-se que foi testada uma recessão, com quebra da bolsa (36%), acompanhada de aumento do desemprego e subida das taxas de juro. E uma ligeira (?!) quebra do imobiliário. Cenário devastador! Ou talvez não. Pessoalmente, esperaria no caso português que daí resultasse um sério aumento dos incumprimentos no imobiliário, crédito à habitação e às empresas. Contudo, os resultantes incumprimentos publicados ficam aquém do que seria normal num tal cenário, pelo que ficam dúvidas quanto à consistência interna do exercício. Esperaríamos, também, ver repercutido na margens financeiras o impacto negativo da reentrada do Estado na concorrência pelas poupanças via Certificados do Tesouro (que oferece taxas muitíssimo acima das praticadas na banca). Tudo indica, portanto, que o stress foi encarado de forma excessivamente jamaicana.
Com este exercício, de uma só assentada, o CEBS arrisca destruir a sua credibilidade e a dos bancos que procurou proteger. Muitos cépticos perguntarão: "mas afinal isto foi para tentar esconder o quê?". É caso para dizer que bancos e aforradores mereciam melhor. É pena. Porque a existência de um CEBS credível poderia ser bastante útil num contexto de verdadeira crise. O teste de credibilidade virá agora do mercado interbancário. Se este se abrir para os agora designados "resistentes" bancos do Sul, então fica provada a validade do exercício. Se nada mudar, então teremos de concluir que os bancos do Norte, conhecedores da forma como o exercício decorreu, não lhe atribuem qualquer credibilidade, daí não resultando abertura para a cedência de fundos aos "resistentes" bancos do Sul. À hora em que escrevo, segunda de manhã, o mercado "do Sul" parece continuar imobilizado. Para os bancos sedentos de liquidez a mensagem jamaicana é "don't worry, be happy". O BCE continua por aqui. Bob Marley, depois de decidir ignorar um diagnóstico de cancro, tratável, já não.
Professor da Universidade Nova de Lisboa
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