Opinião
"Belarmino"
Fez hoje 46 anos que "Belarmino" estreou no Cinema Aviz, em Lisboa.
Documentário de longa-metragem a preto-e-branco magistralmente realizado por Fernando Lopes, o filme produzido por António Cunha Teles, contou com a esplendorosa fotografia de Augusto Cabrita, música de Manuel Jorge Veloso (com participação do conjunto do Hot Club de Portugal) e a colaboração técnica e artística de Manuel Ruas, Matos Silva e de Baptista-Bastos: o autor-condutor da entrevista ao "boxeur" português, a partir da qual se desenrola "a acção", sempre em "implacável campo-sem-contra-campo, numa habilíssima articulação entre o 'flash-back' e o frente-a-frente", como disse João Bénard da Costa.
O filme é rodado em Lisboa, em Agosto do ano anterior (1963). Ousando pelos caminhos do cinema-directo, o "retrato em movimento" é gravado numa capital que tenta ocultar nas suas sombras a agitação da contestação estudantil e de um movimento editorial e intelectual perseguido pela PIDE. As ruas e estátuas de Lisboa, o império nu de fome e frio, engravatado e opaco, a fatalidade da emigração para paragens menos idílicas do que o Regime prometia - aos nove minutos, Belarmino justifica, no tom auto-iludido com que fala da sua verdade, a hecatombe do combate em Londres, perdido em dois "rounds": "aquilo não era o Belarmino a jogar boxe, era a necessidade de ganhar 15 contos". Belarmino vive os lúgubres dias do luto depois da glória; engraxa sapatos nos Restauradores, é colorista de fotografias. Ascendeu e tombou à escala da "pátria", degradou-se no paupérrimo sentido de espectáculo de que foi ícone. "Se Belarmino tivesse vivido noutro país, talvez fosse um grande campeão"; é nesta afirmação que está contida a tragédia, a fatalidade, a condenação que a obra de Fernando Lopes olha de frente, revelando a Cidade por detrás dos enfeites populares. O jogador de boxe, aos 32 anos, "já tem a 3ª classe".
Enquanto os nossos bairros perdem as salas de cinema, vergados ao cinismo "moderno" dos "shoppings", e obras como "Belarmino" não saltam para o horário nobre do nosso serviço público de televisão - onde haveriam de roubar uma migalha de espaço ao frenesim revivalista dos concursos "de talentos" com que nos entretêm - consumamos o DVD em versão restaurada a partir do silencioso trabalho da Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema, disponível numa qualquer grande superfície comodamente perto de si.
A televisão há de servir para qualquer coisa outra, além de mobiliar a sala e nos explorar nas nossas fraquezas consumistas.
O filme é rodado em Lisboa, em Agosto do ano anterior (1963). Ousando pelos caminhos do cinema-directo, o "retrato em movimento" é gravado numa capital que tenta ocultar nas suas sombras a agitação da contestação estudantil e de um movimento editorial e intelectual perseguido pela PIDE. As ruas e estátuas de Lisboa, o império nu de fome e frio, engravatado e opaco, a fatalidade da emigração para paragens menos idílicas do que o Regime prometia - aos nove minutos, Belarmino justifica, no tom auto-iludido com que fala da sua verdade, a hecatombe do combate em Londres, perdido em dois "rounds": "aquilo não era o Belarmino a jogar boxe, era a necessidade de ganhar 15 contos". Belarmino vive os lúgubres dias do luto depois da glória; engraxa sapatos nos Restauradores, é colorista de fotografias. Ascendeu e tombou à escala da "pátria", degradou-se no paupérrimo sentido de espectáculo de que foi ícone. "Se Belarmino tivesse vivido noutro país, talvez fosse um grande campeão"; é nesta afirmação que está contida a tragédia, a fatalidade, a condenação que a obra de Fernando Lopes olha de frente, revelando a Cidade por detrás dos enfeites populares. O jogador de boxe, aos 32 anos, "já tem a 3ª classe".
A televisão há de servir para qualquer coisa outra, além de mobiliar a sala e nos explorar nas nossas fraquezas consumistas.