Opinião
Quanto tempo resta em Teerão?
O calendário aperta. No próximo domingo, pelo aniversário da proclamação por Khomenei do primeiro "governo de Deus" em 1979, o Irão irá anunciar novos avanços no sentido de atingir este ano capacidade para enriquecimento industrial de urânio na central de
A 21 de Fevereiro chega a data fatídica em que expira o prazo de 60 dias dado pelo Conselho de Segurança da ONU para Teerão suspender todas as actividade de enriquecimento e reprocessamento de urânio.
A partir daí todas as hipóteses estão em aberto, a começar pela possibilidade de Teerão seguir o exemplo de Pyongyang que, em Janeiro de 2003, abandonou o Tratado de Não-Proliferação Nuclear, declarando-se potência militar nuclear três anos depois.
O Irão, numa imagem distorcida da linha oficial seguida desde os anos 60 por Israel, sustenta que o seu programa nuclear visa fins exclusivamente civis e alimenta, assim, a confusão diplomática sobre as características e dimensões do arsenal pretendido, os veículos de lançamento a utilizar, a eventual declaração do estatuto de potência militar nuclear, a opção por um estatuto de ambiguidade estratégica ou o recurso à realização de testes militares.
Neste cenário ambíguo impera, também, o silêncio em relação à aquisição por parte de Teerão de outros meios de destruição maciça, designadamente arsenais biológicos, químicos ou radiológicos.
Mais ano menos ano
O programa clandestino de enriquecimento de urânio começou em 1985, com recurso à rede de tráfico de centrifugadores do paquistanês Abdul Khan, e só sete anos depois foi publicamente denunciado por um grupo da oposição iraniana.
Pelo caminho da nuclearização militar, iniciada na década de 80, ficaram as tentativas de obtenção de plutónio na Coreia do Norte, mas as dificuldades técnicas com que se tem confrontado o Irão para obter combustível suficiente para armar uma bomba atómica levam grande número de especialistas, designadamente os analistas do International Institute for Strategic Studies de Londres, a assumir que serão necessários pelo menos dois a três anos para o estado islâmico se dotar de capacidade militar nuclear efectiva.
Os exemplos da Coreia do Norte, da Índia, do Paquistão e, mais remotamente, da África do Sul provam, na avaliação dos estrategos iranianos, ser possível dotar-se de armas nucleares apesar das pressões internacionais.
As avaliações da Agência Internacional de Energia Atómica, de especialistas independentes e dos serviços de informação dos Estados Unidos, de Israel e da Rússia são, no entanto, problemáticas como demonstra a incapacidade generalizada para prever, por exemplo, os testes militares indianos realizados em Maio de 1974 e em Maio de 1998.
Declarações de fé na racionalidade
A sucessão de declarações sobre a inevitabilidade de coexistência com um estado iraniano com capacidade militar nuclear atingiu o paroxismo com as considerações do antigo ministro dos Negócios Estrangeiros de Mitterrand, Roland Dumas, ao defender que a posse de uma bomba atómica "é um factor de reestabelecimento do equilíbrio" (considerando implicitamente o arsenal israelita) e de "manutenção da paz", justificando, assim, a abertura de "uma negociação geral com o Irão".
Os riscos de um eventual ataque militar norte-americano ou israelita às instalações nucleares iranianas – incluindo a possibilidade de retaliação iraniana sobre os estados árabes do Golfo e o encerramento do estreito de Ormuz por onde passam 2/5 das exportações mundiais de petróleo – foram, entretanto, sublinhados por ex-responsáveis militares dos Estados Unidos, activistas e estrategos britânicos, enquanto Jacques Chirac dava a entender de forma atabalhoada que o eventual êxito do projecto de Teerão implicava, ipso facto, o acatar das regras de contenção que até agora têm regido as relações entre potência nucleares.
De Moscovo começam, por sua vez, a surgir claras insinuações de que a cooperação russa terá de passar pela reabertura de negociações com Washington para redução dos arsenais de mísseis nucleares estratégicos, abandonadas pelo Bush em 2002, e, desde já, pela revisão dos planos do Pentágono para instalação de radares de longo alcance na República Checa e de sistemas de intercepção antibalística na Polónia.
Pequim, por seu turno, através do lançamento de um míssil para destruição de um satélite meteorológico a 800 quilómetros de altitude no mês passado, pondo fim ao monopólio que russos e norte-americanos detiveram em testes militares espaciais até 1985, veio mostrar que carecem de sentido as pretensões unilateralistas de Bush, expressas em Agosto último, de garantir a "liberdade de acção no espaço" e de "dissuadir ou impedir países terceiros de colocar entraves a esse direito ou desenvolver capacidade nesse sentido".
A China, bem como a Rússia, o Japão, o Canadá e a maior parte das potências europeias, quer obrigar Washington a voltar à mesa de negociações para conter a militarização do espaço.
O programa militar iraniano envolve, portanto, negociações muito mais vastas do que acarretaria uma perspectiva redutora de mera contenção de uma potência emergente para evitar riscos de proliferação nuclear no Médio Oriente.
Castração nuclear
Israel é a carta fora do baralho em que se misturam a cooperação russa no nuclear civil iraniano (central de Busher), os contratos de Teerão com a China nos sectores do petróleo e gás natural, além de investimentos franceses, italianos e britânicos, e contratos para venda de gás natural liquefeito à Índia.
Desde meados de 1992, ainda sob a liderança de Yitzhak Rabin, que o Estado israelita pondera os perigos da nuclearização militar do Irão que veio, entretanto, a agravar-se com o derrube de Saddam Hussein, a eliminação do risco estratégico dos taliban afegãos e o reforço das forças islamitas na Palestina e das comunidades xiitas no Iraque e no Líbano.
A hipótese de acção militar unilateral israelita, com apoio norte-americano, poderá ou não revelar-se eficaz para atrasar o programa iraniano, mas é tida como solução de último recurso ainda que seja incapaz de alcançar o objectivo derradeira de castração nuclear do Irão.
A guerra clandestina continua, naturalmente, a seguir o seu curso como aparentemente indicam as suspeitas sobre o alegado envolvimento israelita no assassinato do físico nuclear iraniano Ardeshire Hassanpour.
A eficácia de eventuais sanções é tida em Telavive como algo de duvidoso apesar da crescente contestação interna a Ahmadinejad, da dependência iraniana em matéria de importações de gasolina, além, da necessidade de Teerão manter as compras de equipamentos industriais aos principais parceiros comerciais: União Europeia, Japão e Coreia do Sul.
Independentemente da capacidade do Irão se aprovisionar no mercado negro e de grande número de países não vir a impor sanções comerciais e financeiras, o efeito inflacionário sobre o petróleo que resultaria de uma tentativa de bloqueio a Teerão seria insustentável para a economia mundial.
Estando as elites israelitas divididas entre a ameaça existencial que representa um Irão nuclear e a incapacidade de eliminar isoladamente a capacidade de militar de Teerão, inclusivamente através de ataques com meios não-convencionais a Natanz, Isfahan e Arak, um número crescente de estrategos admite manter em aberto a hipótese de ofensiva unilateral, mas assume, simultaneamente, que o regime iraniano actuará de forma racional.
Um relatório divulgado hoje pelo Instituto de Estudos de Segurança Nacional da Universidade de Telavive chega mesmo argumentar que a motivação iraniana para desenvolver um programa nuclear teve a ver com a resposta à ameaça do Iraque sob Saddam Hussein e ao perigo que os Estados Unidos representam actualmente à soberania e ambições regionais do Irão.
Tido como elemento de dissuasão o programa nuclear militar iraniano não implicaria, apesar da retórica antijudaica de radicais como Ahmadinejad, o objectivo essencial de destruição do estado de Israel, mas, visaria apenas "uma capacidade de dissuasão de último recurso contra ameaças externas".
Os especialistas da Universidade de Telavive assumem, ainda, existir um risco mínimo do Irão transferir para grupos terroristas armamento nuclear.
Guerra provável
A presença de dois grupos de porta-aviões norte-americanos no Golfo Pérsico, o risco de confronto directo dos Estados Unidos com Teerão no cenário de guerra civil iraquiana e a tentativa incoerente de Washington de apoiar o governo sustentado por partidos xiitas em Bagdade enquanto tenta formar uma coligação anti-xiita no Médio Oriente deixam, no entanto, muito a desejar quanto à racionalidade da actuação dos principais actores da crise.
Retomando o que escrevemos vai para um ano, um ataque unilateral dos Estados Unidos para obliterar um programa militar nuclear iraniano seria um acto de guerra a requerer a aprovação cada vez mais duvidosa do Congresso de Washington e, para além das consequências imprevisíveis, teria de apoiar-se diplomaticamente num projecto de desnuclearização regional. Outro cenário improvável dada a situação estratégia de Israel.
Chegámos a uma situação em que a guerra é provável e a paz impossível o que, tudo indica, é precisamente o oposto das implicações que Raymond Aron, o mais ponderado analista que a França tão dada a desnortes estratégicos conheceu, deduziu das incongruências dos equilíbrios da Guerra Fria.