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23 de Julho de 2003 às 11:23

Projecções e previsões: erros e erros...

A ciência – há quem lhe chame arte – de realizar previsões ou projecções – isto é, de tentar conhecer o futuro – foi sempre uma peça fundamental da tomada de decisões, seja qual for o campo ou a área de que estamos a falar.

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A ciência – há quem lhe chame arte – de realizar previsões ou projecções – isto é, de tentar conhecer o futuro – foi sempre uma peça fundamental da tomada de decisões, seja qual for o campo ou a área de que estamos a falar.

Trata-se, evidentemente, de uma “arte” difícil, uma vez que versa sobre um tempo que ainda não aconteceu e, por mais que se tente realizar previsões com base no passado (como tantas vezes acontece), é evidente que tentar conhecer o que se vai passar é uma tarefa complicada.

Na esfera económica, ganham natural preponderância e são muito aguardados pelos agentes os relatórios que o Fundo Monetário Internacional (FMI), Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e Comissão Europeia (CE) disponibilizam duas vezes por ano (na Primavera e no Outono), projectando o que se passará num prazo máximo de dois anos.

Já desde há algum tempo – para dizer a verdade, desde que me preocupo e ligo a estas “coisas” da economia – que venho notando que estas projecções raramente ficam perto da realidade que depois acaba por se verificar.

Por um motivo ou por outro, nunca me foi possível quantificar esta discrepância – até agora, em que resolvi constatar o que realmente se passa. Assim, apresentarei, nas linhas que se seguem, os resultados da investigação que levei a cabo nos últimos dias.

E posso desde já adiantar que, se os economistas costumam brincar sobre o facto unanimemente reconhecido de em boa parte das vezes se enganarem sobre aquilo que projectam (quem ainda não ouviu, à laia de justificação, a máxima “prever o passado já é difícil, quanto mais prever o futuro”?), a verdade é que, reconstruindo o histórico das projecções do FMI, OCDE e CE desde 1993, cheguei a erros muito maiores do que, penso eu, o analista mais crítico destas instituições ousaria imaginar.

Para a análise (muito simples, aliás) que efectuei, recolhi informação para as projecções e a realidade que haveria de se verificar quanto à evolução económica medida pelo crescimento do PIB em termos reais nos EUA, na União Europeia, na Alemanha e, claro, em Portugal – o que me pareceu ser uma amostra a partir da qual poderiam ser extraídas conclusões com alguma segurança; quanto ao crescimento do PIB, julgo ser unânime que se trata do indicador mais importante para medir a evolução da riqueza e do bem-estar de qualquer economia.

Em termos de horizonte temporal, só não fui mais atrás do que 1993 porque as restrições temporais e também de dificuldade de obtenção de informação assim o obrigaram. De qualquer forma, um conjunto de dez anos (1993 a 2002) pareceu-me ser já suficientemente longo para poder ser, também por aqui, igualmente conclusivo.

Os quadros que a seguir apresento constituem o resumo da investigação e análise que efectuei, comparando as projecções de Outono (Outubro-Novembro) de cada uma daquelas três instituições para o ano seguinte (por exemplo, do Outono de 1996 para o ano de 1997) e também as projecções de Primavera (Abril-Maio) para o ano em questão (por exemplo, da Primavera de 1999 para esse mesmo ano).

O indicador que utilizei, para não complicar demasiado a análise, foi o desvio absoluto médio, que corresponde a calcular a média dos erros tomados em módulo (ou, se se quiser, tomando sempre diferenças positivas), uma vez que, existindo erros positivos e negativos, existe uma tendência natural para que esses erros se anulem (como o leitor mais por dentro das teorias e técnicas estatísticas e econométricas sabe, em média, os erros de qualquer estimação ou previsão tendem para zero), pelo que o simples cálculo da média não seria útil para verificar da acuidade das projecções realizadas.

Calculei, assim, os diferenciais ou erros médios dos períodos 1993-1997, 1998-2002, e para o período total, 1993-2002. Os resultados dos quadros apresentados dificilmente poderiam ser mais desoladores.

Assim, por exemplo, verifica-se que, em média, para Portugal, no período 1993-1997, as projecções de crescimento elaboradas pela CE para o ano em questão tiveram uma diferença de 1.14 pontos percentuais (positivos ou negativos) em relação ao que haveria de ser a realidade; já no período 1998-2002, essa diferença foi mais pequena: 0.71 pontos percentuais.

Em média, para os dez anos apresentados, a CE “enganou-se” nos valores para Portugal em 0.92 pontos percentuais, isto é, quase 1 ponto! Ou seja, se se verificou que Portugal cresceu 2.5% num determinado ano deste período, a projecção da CE situou-se, com grande probabilidade, quase em 3.5% (3.42%) ou então quase em 1.5% (1.58%)! Em relação aos valores projectados pelo FMI ou pela OCDE para o nosso país, ou pelas três instituições para qualquer uma das outras regiões apresentadas, a leitura é a mesma.

É também possível constatar que, ao contrário do que se poderia esperar e poderia parecer lógico, não houve uma deterioração das projecções de 1993-1997 para 1998-2002 – os resultados não divergem muito de um período para outro – pelo que a introdução das novas tecnologias (como a internet), a maior velocidade de circulação da informação (em que os eventos são conhecidos online ou em tempo real), a maior volatilidade dos mercados financeiros ou a ocorrência de acontecimentos inesperados (como os atentados de 11 de Setembro de 2001, a guerra no Iraque ou o síndroma agudo de deficiência respiratória, vulgo gripe asiática ou pneumonia atípica) não vieram piorar os resultados, que continuaram claramente insatisfatórios; os “enganos” é que ficaram mais expostos, precisamente devido à maior exposição (e também comparações com outras instituições, nomeadamente de carácter financeiro) a que estas análises passaram a estar sujeitas.

Também como seria de esperar, os desvios são maiores quando se trata de prever de um ano para o outro do que quando se prevê o crescimento económico no próprio ano (uma diferença média de 0.97 e 0.71 pontos percentuais, respectivamente, valores que correspondem ao cálculo da média simples da última linha de cada quadro).

Finalmente, para o leitor poder ficar com uma ideia mais precisa da dimensão dos erros de que estamos a tratar, basta referir que, em média, em cada um destes períodos, os desvios foram de mais de 120% (!) dos valores verificados na realidade.

Convenhamos que é obra – na verdade, ninguém no seu mais perfeito juízo exigiria que se acertasse em cheio e pode mesmo considerar-se que desfasamentos de umas décimas a mais ou a menos não são relevantes.

Mas caramba, erros em média superiores a 120% (por excesso ou defeito) dão que pensar... Por mim, modestamente, faço uma sugestão, até pela experiência de reuniões, recentemente, tive em Bruxelas durante um ano e em que, mês após mês, as projecções da CE eram acentuadamente revistas (neste caso em baixa, devido ao ciclo negativo que ainda se mantém): que estas instituições passem a apresentar as suas projecções e os seus relatórios “maiores” com menor espaço de tempo entre elas – por exemplo com carácter trimestral.

Afinal, é o que outras instituições de carácter privado ou público, e sejam ou não financeiras já fazem, com os consequentes ganhos de credibilidade que daí resultam, e contribuindo também para melhorar a qualidade da informação (ainda por cima a mais relevante, pois trata do futuro) disponível aos agentes.

O certo é que se nada for feito e continuarmos por este caminho, diga lá, caro leitor: depois dos números aqui apresentados, tem vontade de tomar como boas as projecções do próximo Outono que irão ser divulgadas pelo FMI, a OCDE ou a CE?...

Por Miguel Frasquilho
Publicado no Jornal de Negócios

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