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Portugal criativo

A conferência das Cidades Criativas promovida pela Associação Nacional de Municípios e de que fui um dos co-organizadores junto com António Câmara, surpreendeu pela elevada presença de autarcas de todos os pontos do país. Mais de duzentos. O que demonstra

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O que demonstra bem como a componente estratégica, marginal durante as primeiras décadas de poder autárquico democrático, é hoje entendida pela maioria como crucial. Uma vez resolvido o básico, infra-estruturas e (algum) ordenamento do território, os gestores das nossas cidades são finalmente confrontados com questões mais contemporâneas que se colocam às urbes dos países desenvolvidos, ou seja, bem-estar e vibração, diferença e dinamismo económico. Em resumo cidades vibrantes onde dê prazer viver, capazes de se afirmarem no contexto europeu e global através de uma forte marca distintiva e com uma economia dinâmica e criativa.

A conferência mostrou alguns exemplos notáveis, Amsterdão, Barcelona e Austin nos Estados Unidos, pela voz de altos responsáveis pela gestão destas cidades. E embora todos se inscrevam, de uma forma ou de outra, na ideia de que a criatividade é hoje o cerne de qualquer estratégia urbana, a diversidade das soluções permite compreender a plasticidade do conceito. Amsterdão optou pela densidade, isto é, por inverter a lógica das cidades satélites e concentrar a população no próprio centro da cidade. Isso acelerou a sinergia tecnológica e cultural de tal modo que a economia criativa é hoje dominante na actividade da cidade. E claro está onde é dada uma enorme atenção à felicidade dos cidadãos e em particular das crianças, ou não fossem os holandeses um dos povos mais civilizados da Europa. Barcelona apresentou um projecto megalómano, bem ao estilo dos catalães, com a criação de raiz de uma nova cidade da inovação e do conhecimento para 150 mil habitantes. Muito apostada nas biotecnologias e nas novas ciência médicas, mas igualmente noutras áreas tecnológicas, esta nova 22@ Barcelona pretende projectar a cidade literalmente no futuro. E por fim Austin, verdadeira ilha libertária no muito conservador Texas, cujo slogan é "Keep Austin Weird", o que se pode traduzir por mantém Austin estranha ou esquisita, com uma aposta forte nas indústrias criativas, da música e do cinema, nas novas tecnologias e acima de tudo na cultura alternativa.

Foram contudo exemplos que de certa maneira frustraram a eventual ambição dos autarcas presentes. Porque não temos gente suficiente "tout-court", nem gente suficiente com elevado grau de educação e cultura contemporânea, nem capacidade de desenvolver fortes sinergias tecnológicas para competir a um nível global, nem sequer um ambiente de agitação e diversidade cultural capaz de dinamizar a nossa ainda muito rudimentar economia criativa.

Por isso foi uma outra conferência de um investigador americano que eventualmente melhor contribuiu para abrir perspectivas a alguns dos autarcas. Em particular os que gerem pequenos e médios municípios. Will Lambe demonstra como as ideias das cidades criativas se podem aplicar a cidades com baixa população. Num dos exemplos referiu mesmo uma cidade, título aqui claramente exagerado diga-se de passagem, com mil e cem habitantes.

Mais do que os conhecidos três "T" que caracterizam a teoria das cidades criativas, a Tecnologia, Talento e Tolerância, Lambe mostra como a diferença faz realmente diferença. Mesmo uma pequena cidade pode ter sucesso, fixar ou até aumentar população, desenvolver a sua economia, desde que apresente uma ideia inovadora e ofereça algo que mais ninguém tem.

Ora isso constitui uma grande lição para Portugal onde as políticas autárquicas são excessivamente uniformes, em que cada Presidente de Câmara parece apostado simplesmente em querer ter o mesmo, se possível um pouco maior ou mais brilhante, que o concelho vizinho. Facto que aliás provocou a irracionalidade da distribuição de equipamentos e serviços por esse país fora e que hoje tanta incompreensão e tão dramáticos efeitos colaterais revela no encerramento de hospitais, escolas e outros serviços públicos.

A estratégia da valorização da diferença é a única que pode inverter a tendência para a desertificação de que tantos se queixam em apelos, tão inconsequentes quanto lancinantes, para que o governo central faça alguma coisa. É no pensar "o que posso eu oferecer que mais ninguém tenha" que está a solução para o definhamento económico e demográfico de muitas das nossas cidades. Não é seguramente nas políticas de fixação artificial das pessoas e das empresas, vulgo subsídios e incentivos, que se supera uma realidade marcada pela inércia e ausência do mais pequeno elemento digno de interesse.

A criatividade deve por isso ser vista tanto enquanto componente fundamental da chamada economia criativa, quanto como metodologia da própria gestão urbana. Depois do esgoto as nossas cidades precisam de ideias. E são elas que claramente faltam em muitas das nossas autarquias.

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