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06 de Março de 2009 às 15:28

Poder

No dia 1 de Março era o aniversário da minha mãe e eu, um agnóstico, mandei, mais uma vez, rezar uma missa em sua memória. Mulher de inteligência e muita fé, teria de ser homenageada nos termos que ela apreciaria.

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No dia 1 de Março era o aniversário da minha mãe e eu, um agnóstico, mandei, mais uma vez, rezar uma missa em sua memória. Mulher de inteligência e muita fé, teria de ser homenageada nos termos que ela apreciaria.

Fora a enorme recompensa de me fazer sentir bem comigo próprio, tive a sorte de ver realizado o ofício numa capela aqui na Foz, onde celebra aos domingos um notável padre, filósofo e professor universitário, o doutor Anselmo Borges, bem conhecido intelectual, pelo que tive oportunidade de escutar uma notável prática, que inspira fortemente este texto no seu pressuposto. O seu a seu dono, como não podia deixar de ser.

Soube então que era o primeiro dia da Quaresma, quando se evoca a tentação de Cristo. Anselmo anunciou que iria falar de poder, a maior de todas as tentações, aquela que o demónio teceu a Jesus, prometendo-lhe e exibindo-lhe todo o poder do mundo, que lhe seria concedido se outorgada a submissão. Lembrei-me imediatamente desse episódio do Evangelho, dos tempos em que era menino do coro (com pouco êxito, como já se depreendeu), e afinei a minha atenção. O passo seguinte da poderosa estória, também o tinha na minha cabeça, e foi a maravilhosa resposta do Cristo: "Não vim para ser servido, mas para servir".
Aqui foi traçada a categorização conceptual, própria do discurso filosófico, e assim estabelecidas a noção de poder-domínio e espectáculo e a de poder-serviço.

Obviamente é no domínio político que mais emerge a tentação e o uso do poder, ao ponto de estar bem consagrada a proposição "o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente". Daí a superioridade da democracia, não porque os líderes que se salientam sejam necessariamente esses grandes homens de virtude cívica que cumprem o notável desígnio do serviço do povo, exercendo o poder em conformidade, mas porque, não o fazendo, mais tarde ou mais cedo são corridos.

(Como se tratava duma prédica aos fiéis, a linha de orientação não iria ficar na política - aliás, elegantemente no contexto, tratada apenas enquanto referência -, e não ficou. Fez-se notar como tantas pessoas, em tantas funções, às vezes até menores, exercem uma parcela do "imperium", sendo-lhes concedida a oportunidade de o fazerem com espírito de serviço, e não de domínio).

No mesmo dia encerrava o congresso do Partido Socialista. Muito embora bem se saiba que os partidos políticos são associações que se propõem atingir o poder, o que vi e ouvi durante o fim-de-semana, na textura da elevação do que escutara na missa, deu-me vontade de proferir um "t`arrenego", mesmo com o apaziguamento do apagão, seguramente devido a uma campanha da EDP.

O entrosamento do líder, a vitimização continuada para despertar as emoções acríticas, os violentos ataques aos adversários numa situação de tal crise que todos não são demais para a debelar, isto é, a demagogia mais desenfreada, mostraram bem a tentação do poder, sob a forma de assalto. Não tenho nada contra o Partido Socialista e até já votei nele na época anterior à possível entrada de Portugal na moeda única, coisa que se dizia não ser possível naquela oportunidade. Mas os partidos são, acima de tudo, definidos pelas chefias, e esta de Sócrates não me parece nada destinada ao poder-serviço.

Já nem falo, porque aqui não vem directamente ao caso, das matreirices dos projectos nas berças da Beira, do curso de engenharia ao domingo, com exame por fax, do curriculum deturpado, ou do extraordinário acaso do preço do andar na rua Braamcamp.

Agora romper, como um possesso, contra "a campanha negra" (que eu proponho que passe a designar-se "campanhex negrex", dado o êxito publicitário do sufixo "ex", como em Simplex ), destacando até um jornal e uma estação de televisão, quando tudo começou na Polícia Inglesa, especializada no combate à corrupção, e notoriamente useira e vezeira em lançar maliciosa lama sobre primeiros-ministros virtuosos, é mesmo ir ao poder seja com for.

A táctica de criar papões e inimigos difusos e sujos parece que dá resultado a arregimentar e excitar os fiéis, mas revela um soberano desprezo pela inteligência do eleitorado.
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