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Partidos por um, partidos por mil

Há cerca de trinta anos, os estrategos e os académicos descobriram uma nova tendência nos mercados de consumo - a fragmentação dos gostos e dos critérios de escolha. Fruto de uma progressiva elevação dos níveis educacionais e do acesso à informação, os consumidores começavam a rejeitar a uniformidade das modas e os estereótipos culturais que haviam dominado os três primeiros quartéis do século passado.

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Há cerca de trinta anos, os estrategos e os académicos descobriram uma nova tendência nos mercados de consumo - a fragmentação dos gostos e dos critérios de escolha. Fruto de uma progressiva elevação dos níveis educacionais e do acesso à informação, os consumidores começavam a rejeitar a uniformidade das modas e os estereótipos culturais que haviam dominado os três primeiros quartéis do século passado.

Hoje, são os fenómenos tribais que predominam e todos procuram satisfazer os caprichos individualistas dos guerreiros - nos hábitos de consumo como na política. Dantes, era fácil convidar alguém para jantar. "Vamos ao restaurante A ou ao B?", vegetarianos à parte. Nos tempos que correm, o processo é muito mais trabalhoso. Primeiro, há que acordar a nacionalidade do repasto: portuguesa, italiana, francesa, japonesa, chinesa, espanhola, indiana, brasileira, argentina, americana ou tailandesa? Depois, o tipo de cozinha: tradicional, nouvelle, de autor ou de fusão? Por fim, as novas externalidades da restauração: tem zona privada? tem estacionamento? pode-se fumar? Perante tantas opções, mais as económicas, encontrar o lugar geométrico entre duas vontades transformou-se num exercício de alto recorte técnico.

Nos produtos de grande consumo, a extensão das gamas atingiu proporções nunca vistas. O azeite, que os gourmets persistem em utilizar no seu estado puro, apresenta-se hoje num sem-número de matizes e variantes aromáticas. A clássica H20, outrora circunscrita às opções lisa e gasosa, passou a contar com mil aromas e paladares, alguns deles tão bizarros que nos interrogamos sobre a racionalidade económica de, num negócio onde a escala é determinante, se pretender ir ao encontro de nichos tão estreitos de apreciadores. E o que dizer das águas de luxo, com preços da ordem dos três dígitos? Dos iogurtes aos champôs, das cervejas aos jeans, das bolachas aos canais temáticos, o objectivo das grandes insígnias passou a ser a massificação personalizada, onde as preferências dos consumidores se agrupam em tribos relativamente homogéneas, algumas delas tão pequenas que caberiam num único tipi.

Igual fenómeno se verifica em relação aos valores de sociedade, às correntes de pensamento e aos movimentos políticos. Nunca como hoje a individualidade se manifestou de modo tão exuberante e diverso, ao ponto de já não sabermos se esse conceito outrora tão poderoso e respeitado, a opinião pública, continua a fazer sentido. No Velho Continente, seguramente que não. Longe vão os tempos do pós-guerra, em que uma Europa ávida de paz e bem-estar se revia no processo de integração comunitária iniciado em 1951 por Robert Schuman e Jean Monnet. Talvez os europeus da época tivessem défices de informação ou, pura e simplesmente, não pensassem muito profundamente no assunto, entregue às mãos dos políticos. Mas intuíam que era esse o caminho a seguir.

A futura composição do Parlamento Europeu não pode deixar de nos causar fortes inquietações. Separatistas, xenófobos, "piratas" e outras tribos folclóricas encontraram um espaço de representação que vão procurar infernizar. Os perigos da fragmentação, por democrática que seja, são visíveis a olho nu. Na sua mais recente entrevista, ao Nouvel Observateur, o grande historiador britânico Eric Hobsbawn resume lapidarmente a perplexidade de muitos: "A democracia não tem sido muito útil na construção da União Europeia, que avançou melhor enquanto não esteve sujeita ao sufrágio popular". That´s right, Mr. Hobsbawn - o Parlamento Europeu nasceu antes do tempo.
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