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29 de Dezembro de 2011 às 23:41

Os imperativos económicos da Primavera Árabe

Já decorreu praticamente um ano desde que a revolução na Tunísia e na praça Tahir, no Cairo, derrubaram os regimes autoritários ossificados e desencadearam uma tempestade muito mais vasta - e que ainda se sente - no mundo árabe. Ninguém pode prever com segurança onde é que estes desenvolvimentos acabarão por levar o povo e as nações árabes.

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Mas uma coisa é certa: não há volta a dar. Novas estruturas e movimentos sociais e políticos estão a surgir, o poder está a mudar de mãos e há esperança de que os processos democráticos ganhem força e se disseminem por todo o mundo árabe em 2012. Os acontecimentos no mundo árabe em 2011 recordam-nos outras transições regionais de grande envergadura, como foi o caso da Europa de Leste após a queda do Muro de Berlim, em 1989. Obviamente, existem diferenças, mas a ampla natureza contagiante das convulsões assemelha-se bastante à das revoluções que conduziram ao fim do comunismo na Europa. O mesmo acontece com o debate em torno dos contributos relativos dos factores políticos e económicos para a erupção dos protestos populares.

Se bem que o anseio pela dignidade, liberdade de expressão e verdadeira participação democrática tenham sido a força motriz subjacente às revoluções árabes, o descontentamento perante a situação económica desempenhou um papel vital e os factores económicos ajudarão a determinar a forma como se processará a transição no mundo árabe. Neste aspecto, importa ter em mente três desafios fundamentais e de mais longo prazo.

Em primeiro lugar, o crescimento terá de ser mais inclusivo, especialmente na criação de empregos. O rácio entre o emprego jovem e a população era de cerca de 27% nos países árabes em 2008, contra 53% no Leste da Ásia. Além disso, a desigualdade de rendimentos agravou-se, com o fenómeno global de uma crescente concentração de riqueza nas camadas de topo a revelar--se bastante pronunciado em muitos países árabes. Os rendimentos de topo nestes países resultaram em grande medida de patrocínios políticos, mais do que da inovação e do trabalho árduo. Se bem que a Tunísia tenha sido um caso extremo de um regime que alimentava os interesses económicos de um pequeno grupo de "insiders", o padrão disseminou-se.

É por isso que uma apressada e simplista prescrição do "Consenso de Washington" com vista a um maior movimento de liberalização e de privatizações é inadequada para o mundo árabe em 2012. É evidente a clara necessidade política de uma estratégia de crescimento em que a inclusão seja a peça central, não uma reflexão posterior.

Nem a velha esquerda estatal nem a direita do capitalismo de compadrio - na sua busca de receitas - tinham políticas capazes de responder ao anseio da inclusão. As novas forças políticas no mundo árabe, inspiradas no Islão ou nos modelos social-democratas, terão de apresentar medidas que não perpetuem o capitalismo da maximização do lucro e que não se baseiem numa desacreditada burocracia estatal. Será preciso explorar o dinamismo popular e o potencial empreendedor para se alcançar a equidade e solidariedade social.

Apesar de ser necessário gerar um sector privado verdadeiramente competitivo, o Estado não deve ser fragilizado, mas sim transformado, para se converter num Estado ao serviço dos cidadãos. As transferências sociais, generosas mas devidamente direccionadas e orientadas para o desempenho, com a condição de haver uma participação em programas de saúde e de educação elementar, terão de substituir os velhos subsídios, que não são, na sua vasta maioria, devidamente especificados. As finanças públicas de desenvolvimento terão de se focalizar no acesso em larga escala à habitação e às infra-estruturas viradas para as pessoas. Tudo isto terá de ser alcançado dentro de um quadro orçamental sustentável, que requer financiamento e reformas administrativas abrangentes.

A par com o crescimento inclusivo, o segundo desafio prende-se com o desenvolvimento de competências, devendo a prioridade focar-se num sistema educacional orientado para o desempenho. Muitos países árabes gastaram enormes quantias de dinheiro em educação; o problema é que o retorno destes investimentos tem sido desanimador. A título de exemplo, os estudantes árabes ficam classificados bastante abaixo da média nos testes internacionais de matemática e de ciências. São necessárias reformas profundas - focalizadas na qualidade e no desempenho, em vez de se concentrarem nas matrículas escolares e nos diplomas - de modo a transformar o processo de aprendizagem e a gerar o nível de crescimento da produtividade de que a jovem força laboral precisa.

O terceiro desafio, essencial para se superarem os dois primeiros, será o reforço da solidariedade regional árabe. Muitos estrangeiros subestimam ou minimizam propositadamente a "arabicidade" do mundo árabe. Mas as revoluções de 2011 demonstraram que um forte sentido de identidade, uma língua comum e uma história em grande parte partilhada são vínculos que levam à união árabe, apesar das enormes disparidades na alocação de recursos naturais, nas circunstâncias políticas e nos rendimentos médios per capita. De que outra forma se pode explicar que um acto de revolta na Tunísia tenha desencadeado revoltas populares desde o Norte de África até à Península Arábica?

Uma implicação destas revoltas é que os Estados ricos em petróleo - e os seus respectivos líderes - não podem esperar continuar isolados e protegidos da evolução dos acontecimentos. O futuro da região é também o futuro deles; a transição que teve início em 2011 libertou forças que não podem ser detidas. Mas a transição pode ser mais ordeira, mais pacífica e menos perturbadora se os Estados que gerem vastos recursos e riquezas apoiarem generosamente os países mais pobres - e se apoiarem as reformas necessárias em todos os países árabes. As instituições já existentes, com provas dadas, tal como o Fundo Árabe, poderão ajudar, mas é preciso que os seus fundos sejam fortemente reforçados.

A prosperidade e a paz na região vão depender de se conseguir pensar em termos latos e de ser agir depressa. As revoluções de 2011 são uma oportunidade histórica para todos os árabes. Conseguir retirar o maior partido disso é uma empreitada que exigirá realismo, coragem, vontade de mudar e prontidão para apoiar a mudança, particularmente por parte daqueles que tiverem mais meios para o fazer.

Kemal Derviþ é vice-presidente da Brookings Institution em Washington e conselheiro do Istanbul Policy Center na Universidade de Sabanci. Foi ministro dos Assuntos Económicos da Turquia e presidiu ao Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas.

© Project Syndicate, 2011.
www.project-syndicate.org
Tradução: Carla Pedro
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