Opinião
Os bancos centrais na linha de fogo
Os governadores dos bancos centrais não deviam apenas estar acima de qualquer suspeição de infracção da lei, mas também aparentar estar acima. Por isso, a decisão de Philipp Hildebrand, Governador do Banco da Suíça, tomada em Janeiro, de se demitir na sequência de alegações que relacionavam a sua mulher com operações cambiais duvidosas, é bem-vinda.
Os governadores dos bancos centrais não deviam apenas estar acima de qualquer suspeição de infracção da lei, mas também aparentar estar acima. Por isso, a decisão de Philipp Hildebrand (na foto com a sua esposa Kashya), Governador do Banco da Suíça, tomada em Janeiro, de se demitir na sequência de alegações que relacionavam a sua mulher com operações cambiais duvidosas, é bem-vinda. Mas enquanto a demissão de Hildebrand devia criar um precedente e devia ser seguida por outros governadores – na verdade, por todos os funcionários públicos – as circunstâncias que estão na base da sua saída aparentam ser muito piores do que o que a causou.
A 15 de Agosto de 2011, a esposa de Hildebrand, Kashya, trocou 400 mil francos suíços em dólares. A 6 de Setembro, Philipp Hildebrand anunciou que o Banco da Suíça ia manter o valor do franco suíço face ao euro, o que forçou de facto a uma desvalorização do franco face a outras moedas. Em resultado, o valor do investimento da sua mulher aumentou em quase 20%. Apesar de Hildebrand sublinhar que não tinha qualquer conhecimento da transacção daquele dia, demitiu-se por considerar que "não era possível fornecer uma prova conclusiva e final" de que a sua mulher, uma antiga gestora de hedge-funds, tinha feito a negociação sem o seu conhecimento.
O governador de um banco central deve ter confiança absoluta no local onde coloca o seu dinheiro e o dinheiro da sua esposa. Mesmo que não soubesse da transacção, Philipp Hildebrand cometeu um erro ao não reverter a transacção imediatamente. A sua demissão era justificada – assim como um maior conhecimento das finanças pessoais dos governadores dos bancos centrais a nível mundial.
Contudo, as condições nas quais Hildebrand se demitiu podem ser mais preocupantes do que apenas uma falha de avaliação. Philipp Hildebrand não foi um qualquer governador de um banco central. Hildebrand destacou-se pela sua independência, não apenas do poder político, mas também do sector financeiro. O agora ex-governador do Banco Central da Suíça desde cedo que apontou e se mostrou favorável a requisitos de capital mais elevados para grandes bancos, assim como se mostrou contra as intervenções heterodoxas destes bancos nos mercados cambiais.
E mais importante do que isso, e em conjunto com o ministro das Finanças da Suíça, Hildebrand introduziu a "abordagem suíça" no que se refere à regulação do sistema bancário. Esta abordagem exige que os bancos tenham capitais próprios mais elevados. Em vez de acompanhar a tendência de outras geografias, que exigem requisitos de capital de 8%, o Banco da Suíça exige agora capitais próprios equivalentes a 19% dos activos ponderados em função do risco, dos quais 9% podem ser convertíveis em capital e 10% têm de permanecer em acções ordinárias.
Qualquer economista considera estas políticas como sábias, mas elas valeram-lhe poucos amigos no mundo dos negócios. Num ataque sem precedentes, a maior revista económica da Suíça, a "Bilanz", acusou-o de ter "uma mão instável" ao leme do banco central. Hildebrand foi também atacado pelo líder do Partido do Povo da Suíça (PPS), de direita.
Eu nasci no país de Maquiavel (Itália) e ainda assim considero que é extraordinário que, depois de todos estes ataques a Hildebrand, os registos das contas bancárias privadas da sua família, que foram roubados, tenham ido parar às mãos de um vice-governador do Banco da Suíça que os tornou públicos. Se os registos não tivessem sido roubados, ou se o vice-governador do Banco da Suíça tivesse recusado torná-los públicos devido à sua origem, teria Hildebrand sido mais complacente com os interesses especiais?
E mais importante: questiono-me se o seu sucessor no Banco da Suíça – e todos os outros governadores – estão a levantar a mesma questão. É que apesar de tudo, esta é uma das formas em que se captura o regulador. Quando os regulados não gostam da regulação, eles comprometem a carreira do regulador. Frequentemente, influenciam a regulação ao acenarem ao regulador com a promessa de um emprego bastante lucrativo no futuro. Dado que Hildebrand era independente e rico, esta abordagem não funcionava com facilidade com ele. Por isso, recebeu ele o pau em vez de a cenoura?
Felizmente, temos um bom teste independente. O presidente da Autoridade Bancária Europeia (EBA na sigla inglesa), Andrea Enria, emitiu novos regulamentos que não são amigos dos bancos. Enquanto pode ser discutido o apertar das normas de contabilidade no meio de uma crise, a directriz que impõe aos bancos que aumentem o seu capital é completamente justificada, especialmente numa altura em que o Banco Central Europeu (BCE) está a subsidiá-los com liquidez a três anos, com um custo próximo de zero.
O sistema financeiro não foi parco em críticas. O presidente da Associação de Bancos de Itália até ameaçou processar o próprio presidente da EBA.
Se Enria se demitir – que Deus proíba – ou for forçado a demitir-se num futuro próximo devido a um escândalo, os reguladores bancários mundiais irão receber a seguinte mensagem: "Fez um bom trabalho aqui – seria uma vergonha se algo lhe acontecesse".
Luigi Zingales é professor de empreendedorismo e finanças na Universidade de Chicago e autor do livro, que está prestes a ser lançado, "A Capitalism for the People".
© Project Syndicate, 2012.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Laranjeiro
A 15 de Agosto de 2011, a esposa de Hildebrand, Kashya, trocou 400 mil francos suíços em dólares. A 6 de Setembro, Philipp Hildebrand anunciou que o Banco da Suíça ia manter o valor do franco suíço face ao euro, o que forçou de facto a uma desvalorização do franco face a outras moedas. Em resultado, o valor do investimento da sua mulher aumentou em quase 20%. Apesar de Hildebrand sublinhar que não tinha qualquer conhecimento da transacção daquele dia, demitiu-se por considerar que "não era possível fornecer uma prova conclusiva e final" de que a sua mulher, uma antiga gestora de hedge-funds, tinha feito a negociação sem o seu conhecimento.
Contudo, as condições nas quais Hildebrand se demitiu podem ser mais preocupantes do que apenas uma falha de avaliação. Philipp Hildebrand não foi um qualquer governador de um banco central. Hildebrand destacou-se pela sua independência, não apenas do poder político, mas também do sector financeiro. O agora ex-governador do Banco Central da Suíça desde cedo que apontou e se mostrou favorável a requisitos de capital mais elevados para grandes bancos, assim como se mostrou contra as intervenções heterodoxas destes bancos nos mercados cambiais.
E mais importante do que isso, e em conjunto com o ministro das Finanças da Suíça, Hildebrand introduziu a "abordagem suíça" no que se refere à regulação do sistema bancário. Esta abordagem exige que os bancos tenham capitais próprios mais elevados. Em vez de acompanhar a tendência de outras geografias, que exigem requisitos de capital de 8%, o Banco da Suíça exige agora capitais próprios equivalentes a 19% dos activos ponderados em função do risco, dos quais 9% podem ser convertíveis em capital e 10% têm de permanecer em acções ordinárias.
Qualquer economista considera estas políticas como sábias, mas elas valeram-lhe poucos amigos no mundo dos negócios. Num ataque sem precedentes, a maior revista económica da Suíça, a "Bilanz", acusou-o de ter "uma mão instável" ao leme do banco central. Hildebrand foi também atacado pelo líder do Partido do Povo da Suíça (PPS), de direita.
Eu nasci no país de Maquiavel (Itália) e ainda assim considero que é extraordinário que, depois de todos estes ataques a Hildebrand, os registos das contas bancárias privadas da sua família, que foram roubados, tenham ido parar às mãos de um vice-governador do Banco da Suíça que os tornou públicos. Se os registos não tivessem sido roubados, ou se o vice-governador do Banco da Suíça tivesse recusado torná-los públicos devido à sua origem, teria Hildebrand sido mais complacente com os interesses especiais?
E mais importante: questiono-me se o seu sucessor no Banco da Suíça – e todos os outros governadores – estão a levantar a mesma questão. É que apesar de tudo, esta é uma das formas em que se captura o regulador. Quando os regulados não gostam da regulação, eles comprometem a carreira do regulador. Frequentemente, influenciam a regulação ao acenarem ao regulador com a promessa de um emprego bastante lucrativo no futuro. Dado que Hildebrand era independente e rico, esta abordagem não funcionava com facilidade com ele. Por isso, recebeu ele o pau em vez de a cenoura?
Felizmente, temos um bom teste independente. O presidente da Autoridade Bancária Europeia (EBA na sigla inglesa), Andrea Enria, emitiu novos regulamentos que não são amigos dos bancos. Enquanto pode ser discutido o apertar das normas de contabilidade no meio de uma crise, a directriz que impõe aos bancos que aumentem o seu capital é completamente justificada, especialmente numa altura em que o Banco Central Europeu (BCE) está a subsidiá-los com liquidez a três anos, com um custo próximo de zero.
O sistema financeiro não foi parco em críticas. O presidente da Associação de Bancos de Itália até ameaçou processar o próprio presidente da EBA.
Se Enria se demitir – que Deus proíba – ou for forçado a demitir-se num futuro próximo devido a um escândalo, os reguladores bancários mundiais irão receber a seguinte mensagem: "Fez um bom trabalho aqui – seria uma vergonha se algo lhe acontecesse".
Luigi Zingales é professor de empreendedorismo e finanças na Universidade de Chicago e autor do livro, que está prestes a ser lançado, "A Capitalism for the People".
© Project Syndicate, 2012.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Laranjeiro
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