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Os avisos do governador do Banco de Portugal

É verdade: a projecção do PIB português a cair 3.5%, a descida estimada de 14.2% nas exportações e a queda prevista de 14.4% no investimento, tudo a ter lugar em 2009, dominaram praticamente todas as atenções por altura da divulgação do Boletim Económico de Primavera do Banco de Portugal, apresentado há duas semanas.

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É verdade: a projecção do PIB português a cair 3.5%, a descida estimada de 14.2% nas exportações e a queda prevista de 14.4% no investimento, tudo a ter lugar em 2009, dominaram praticamente todas as atenções por altura da divulgação do Boletim Económico de Primavera do Banco de Portugal, apresentado há duas semanas.

Percebe-se que tenha sido assim: é preciso recuar até 1975 (34 anos atrás!) para se encontrar um ano tão mau como 2009 para a economia portuguesa, quer no que diz respeito à evolução do PIB, quer das exportações; e relativamente ao investimento - e ao consumo privado - só há 25 anos, em 1984, se descobre uma evolução mais negativa.

Sucede que, sendo tudo isto verdade - e que a dimensão da crise ainda poderá ser maior e mais duradoura, como confirmou o Fundo Monetário Internacional na semana passada, ao prever uma queda de 4.1% do PIB português em 2009 e uma nova contracção, de 0.5% em 2010 -, em minha opinião houve dois pormenores que resultaram da conferência de imprensa promovida na altura pelo governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio, que deviam ter deixado toda a gente muitíssimo preocupada. E tido um destaque e atenção bem maior do que o verificado.

O primeiro tem a ver com a prioridade na resposta à crise - que, segundo Vítor Constâncio, deve ser "tentar minorar o desemprego e os seus efeitos humanos e sociais", evitando, assim, um aumento da pobreza em Portugal. Isto além de que o apoio aos desempregados terá ainda outra consequência benéfica: a de apoiar o consumo privado, uma das variáveis essenciais para dar algum suporte à economia, num momento em que as exportações e o investimento sucumbem. Mas se se quiser complementar a acção recorrendo ao investimento público, então, segundo o governador do Banco Central, deve optar-se por projectos de imediata concretização e rápida conclusão, para não implicarem grandes despesas futuras.

E isto porque - e aqui entra o segundo pormenor - a consolidação orçamental sofreu uma inversão em 2008: como consta do Boletim do Banco de Portugal, o défice estrutural [ajustado do ciclo económico e excluindo o efeito de medidas temporárias] agravou-se pela primeira vez nesta legislatura (e logo em mais de 1 ponto percentual do PIB), ao passo que o défice público foi igual ao de 2007 (2.6%) - mas situou-se acima do objectivo oficial de 2.2%. Sucede que, sem medidas extraordinárias (irrepetíveis no futuro), o défice ter-se-ia situado em 3.7% do PIB. Foi por isso que Vítor Constâncio, perspectivando uma nova deterioração das contas públicas em 2009, aconselhou o Governo "a traçar antecipadamente uma estratégia credível que assegure o retorno a uma estratégia de consolidação orçamental sustentada após o actual período de forte contracção da actividade económica".

Vejamos o primeiro ponto: objectivamente, Vítor Constâncio, depois de há alguns meses se ter mostrado favorável à realização de investimentos como a modernização das escolas ou de infra-estruturas tecnológicas (redes de banda larga de nova geração) - com os quais, creio, ninguém estará em desacordo - vem agora deixar de fora as obras públicas em infra-estruturas de transportes (tão do agrado do Executivo, como o novo aeroporto de Lisboa, a alta velocidade e as concessões rodoviárias que têm vindo a ser lançadas em catadupa) como meio de reanimar a economia…

… O que tem tudo a ver com o segundo ponto: estas obras públicas não são nem de imediata realização, nem de rápida conclusão - podendo, portanto, deixar sérias sequelas orçamentais no futuro (a juntar àquelas que já existem).

Sucede que este é o mesmo governador do Banco Central que validou a estratégia orçamental do Governo desde o início, tendo legitimado um cenário orçamental de 2005 que, como já algumas vezes tenho referido (e foi possível constatar nos anos seguintes…), não correspondia à verdade.
E é também o mesmo governador que, desde então, tem elogiado a estratégia orçamental do Governo.
Ora, se nesta altura, Vítor Constâncio vem lançar alertas sobre investimentos públicos e a melhor forma de ajudar a combater os efeitos da crise, e também sobre a necessidade de ser apresentada, antecipadamente uma estratégia que reduza o défice público de forma sustentada, o que em minha opinião se pode concluir é que (i) tem sérias dúvidas sobre a forma como o Governo está a combater a crise e, (ii) afinal, a situação orçamental pode ser bem pior do que (já) parece.

Como é público, em várias ocasiões no passado discordei do governador do Banco de Portugal. E é por isso que, agora, estou à vontade para referir que concordo inteiramente com estes avisos. Que, vindos de quem vêm, nos devem deixar a todos profundamente apreensivos sobre o futuro que nos aguarda. Porque, como Vítor Constâncio também referiu, Portugal não será capaz de acompanhar o "timing" de saída da crise por parte da Europa. O que, na prática, significa que, passada a actual crise global, Portugal continuará mergulhado na crise estrutural em que já vive desde o início desta década. E que, mantendo-se o rumo que tem vindo a ser seguido, não tem fim à vista.

*Alargamento do prazo de concessão das barragens já existentes (€759 milhões), de novos contratos de concessão para barragens ainda não construídas (€624 milhões) e de concessões no sector rodoviário (€417 milhões, dos quais €200 milhões relativos à auto-estrada do Douro Litoral e €271 milhões associados ao prolongamento de diversos prazos de concessões em contratos com a Brisa). No total, €1.845 milhões, ou 1.1% do PIB.


Economista

Deputado do PSD à Assembleia da República
miguelfrasquilho@yahoo.com
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