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OE 2010: muito mais do que "apenas" um OE

É hoje entregue na Assembleia da República o Orçamento do Estado para 2010 (OE 2010). Que, mesmo com um Governo Socialista que dispõe apenas de maioria relativa no Parlamento, já se sabe que será viabilizado pela abstenção quer do PSD quer do...

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É hoje entregue na Assembleia da República o Orçamento do Estado para 2010 (OE 2010). Que, mesmo com um Governo Socialista que dispõe apenas de maioria relativa no Parlamento, já se sabe que será viabilizado pela abstenção quer do PSD quer do CDS-PP.

Em geral, não faz sentido um partido definir o sentido de voto do OE sem conhecer minimamente as opções do Governo que dele constam. Mas é sabido que quer o PSD quer o CDS mantiveram, ao longo das duas últimas semanas, vários contactos com o Governo. E, segundo foi anunciado, o CDS viu satisfeitas algumas medidas - embora não todas - de um "pacote" específico que levou para as negociações. Já o PSD, o maior partido da Oposição e cuja posição terá sempre um maior impacto do que a de qualquer outra força política, considerou positivas as indicações que lhe foram transmitidas quanto à inversão das explosivas trajectórias de endividamento público e externo num quadro de médio prazo; quanto a uma consolidação orçamental pela despesa e não com aumento de impostos; e quanto a uma transparência das contas públicas. Assim sendo, penso que ambos os Partidos fizeram bem em relevar a sua intenção de viabilizar o OE mesmo antes de ele ser apresentado. O que é reforçado pelo facto de as circunstâncias internacionais que Portugal enfrenta serem excepcionais. Exigindo, também, por isso, comportamentos e responsabilidades à altura, quer da parte do Governo, quer da Oposição.

Ainda na passada sexta-feira, o canal financeiro de televisão CNBC, visto em todo o mundo, passou a tarde com directos de hora a hora a partir de Lisboa, focando a situação orçamental portuguesa e deixando no ar uma eventual colagem de Portugal à Grécia - que, como é sabido, se encontra a braços com uma fortíssima crise orçamental: em 2009, o défice público ficou próximo de 13% do PIB e a dívida pública superou 110%; as agências de rating têm vindo a deteriorar a notação do risco de financiamento do Estado helénico e as perspectivas, o que já fez disparar o diferencial das taxas de juro da dívida pública grega a 10 anos, de cerca de 160 pontos base (pb), para mais de 300 pb face às taxas da dívida pública alemã (a referência na Europa).

Em minha opinião, o actual nervosismo dos investidores internacionais em relação a Portugal assenta em três motivos.

Primeiro, porque historicamente, o nosso país tem fama de ser financeiramente "indisciplinado": nos anos 90, fazia parte dos pigs (porcos em inglês), palavra formada pelas iniciais de Portugal, Itália, Grécia e Espanha (Spain, em inglês), e que eram assim designados pelos países da Europa do Norte - mais, digamos, "disciplinados" e com cultura financeira - que não viam com os melhores olhos a entrada deste "club med" no Euro. A "fama" de Portugal tem, infelizmente, correspondência no "proveito": os défices públicos e externos são uma constante no nosso país. Em democracia, nunca existiram excedentes nem nas contas públicas, nem nas contas externas... Nem num único ano.

Depois, porque as agências de rating têm ligado a nossa economia à grega ao longo do último ano. Recentemente, a Moody's advertiu mesmo para uma "morte lenta" [de Portugal e Grécia] devido à "falta de competitividade estrutural", que "acabará por resultar numa 'sangria' de potencial de crescimento e, logo, numa redução na capacidade de os Estados arrecadarem receitas fiscais, obrigando-os a afundarem-se, ainda mais, na espiral de endividamento em que já mergulharam". E se a economia portuguesa está endividada!... Não só a dívida pública se deverá aproximar de 90% do PIB em 2010, como a dívida externa é a maior da União Europeia e caminha para 110% do PIB!...

Finalmente, porque os números oficiais já conhecidos da execução orçamental do ano de 2009, revelados na semana passada, apesar de ainda incompletos, apontam para um défice público próximo de 8.5% do PIB (!). Que, com os dados relativos às autarquias locais e regiões autónomas, e à empresa pública Estradas de Portugal, que consolida nas Administrações Públicas, pode mesmo ultrapassar - imagine-se!... - 9% do PIB... sim, longe dos 13% da Grécia, mas o facto é que o diferencial dos juros das Obrigações do Tesouro a 10 anos face às taxas alemãs também já se alargou de menos 60 pb para mais de 100 pb.

Ora, um défice maior, implicando necessidades de financiamento mais elevadas, e um risco-país mais alto, dado pela subida das taxas de juro, (i) levam a que o pagamento de juros pelo Estado português também cresça, dificultando (ainda mais) a necessária descida do défice que, por imposição de Bruxelas, terá que estar abaixo de 3% do PIB em 2013; (ii) levam a custos de financiamento internacionais superiores para o sector financeiro, que fatalmente serão reflectidos em maiores encargos para famílias e empresas; e (iii) complicam a imperiosa descida do endividamento. Ou seja, maiores contratempos para toda a economia… cujas dificuldades estruturais já não são pequenas.

Imagine-se, agora, o que seria se, com um Governo que apenas dispõe de maioria parlamentar relativa, o OE 2010 não fosse aprovado!... Não só uma crise política despontaria (demissão do Governo?...), como a reputação internacional de Portugal ficaria em xeque. Aproximando-se muito da Grécia, com as nefastas consequências reais já atrás referidas.

Não tenhamos dúvida: nas actuais circunstâncias, o OE 2010 é muito mais do que "apenas" um OE. É o interesse nacional que está em jogo; é de salvar o país que se trata. E isso tem, obviamente, que estar acima de tudo.


Economista
Vice-presidente do Grupo Parlamentar do PSD
miguelfrasquilho@yahoo.com
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