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Opinião
15 de Novembro de 2005 às 13:59

O sistema eléctrico e o mercado ibérico (I)

Hoje em dia, ao falar-se de electricidade, não se pode esquecer o gás natural, dada a crescente convergência entre as duas formas de energia por via da utilização do gás natural para a produção de energia eléctrica.

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I. INTRODUÇÃO

Pretendo com esta série de artigos explicar aos nossos leitores, duma forma tão simples quanto possível, as especificidades técnicas dum sistema eléctrico, bem como as complexas questões económicas e regulatórias que se põem à passagem de sistemas eléctricos nacionais, que se confundiam quase com as utilities verticalmente integradas que tinham o monopólio no mercado nacional, para um quadro de liberalização e de mercado concorrencial. No sistema português tal está a ser feito, não apenas no contexto nacional, mas sim num enquadramento ibérico. No fundo, o sistema eléctrico espanhol não pode ser esquecido quando se analisa a evolução da nossa rede. Tal estava para mim presente desde os anos 70, quando como engenheiro da então CPPE (depois EDP) simulava em computador o funcionamento do nosso sistema. Já aí tinha aprendido que para a análise dos fluxos de energia e trânsitos na rede portuguesa (»load-flows») não se podia esquecer os trânsitos na rede espanhola e que para simular o comportamento dinâmico da nossa rede (na sequência de perturbações como a saída acidental da rede dum grande grupo produtor), a rede espanhola era fundamental.

Todas estas questões as explicava já aos meus alunos de Produção e Transporte de Energia Eléctrica no IST nos anos 70. Mais tarde nos anos 80 na Faculdade de Economia da Universidade Nova, socorri-me bastante daquilo que tinha aprendido nas Redes Eléctricas para explicar aos alunos de Economia Industrial as aliciantes questões da concorrência e da regulação económica de monopólios naturais.

Os conhecimentos teóricos adquiridos a nível das Redes Eléctricas e da Economia Industrial bem como a experiência profissional na EDP permitiram-me depois no governo ser inovador em termos europeus no que toca à liberalização dos sistemas eléctricos e ainda explicar à classe política e aos macroeconomistas, em Lisboa e Bruxelas, estas complexas questões... Também aqui se oscilava entre tratar os mercados eléctricos como se fossem um mercado de concorrência perfeita duma qualquer «commodity», sem consciência das suas especificidades (o que acontecia com os mais liberais), e tratá-los como se tudo tivesse de continuar a ser monopólios estatais (o que acontecia com os mais conservadores e estatísticas).

Posteriormente, após a saída do Governo, como líder da Banca de Investimentos do então Grupo BFE, participei na proposta apresentada ao Governo Guterres para a avaliação da EDP com vista à sua privatização e mais recentemente como membro do Conselho de Administração da EDP, em representação da CGD, tive a oportunidade de me actualizar sobre o mercado eléctrico espanhol e os seus «players».

Por último, hoje em dia ao falar-se de electricidade não se pode esquecer o gás natural, dada a crescente convergência entre as duas formas de energia por via da utilização do gás natural para a produção de energia eléctrica, convergência que começámos em Portugal com o lançamento da central de ciclo combinado a gás natural da Tapada do Outeiro e com a participação da EDP na Transgás, aquando do lançamento do projecto de gás natural. Neste contexto, assiste-se ainda à tendência para as «utilities» quererem ter conjuntamente redes de distribuição das duas energias o que se justifica em termos de economias de gama (»scope» economies) na utilização de plataformas comuns à gestão das duas redes (de que são exemplo os sistemas SCADA - «Supervisory control and aquisition data» e de «billing») mas que pode levantar questões de concorrência pelo facto da mesma empresa ir gerir dois monopólios naturais - as 2 redes de distribuição de gás e electricidade.

II. A ESPECIFICIDADE DA ELECTRICIDADE E A TRANSIÇÃO PARA O MERCADO

AS ESPECIFICIDADES

A electricidade tem características especificas que a distinguem das outras formas de energia, designadamente:

- Tem de ser consumida à medida que é produzida, não podendo ser armazenada (a única forma de a armazenar é utilizá-la para armazenar água nas centrais de bombagem que depois é descarregada para produzir electricidade nos períodos críticos) e por isso, a oferta tem de igualar a procura; Uma vez entregue à rede, não possui uma individualidade própria (não se sabe donde vem o electrão...), não sendo transportada nas linhas de transmissão necessariamente no percurso mais desejável mas sim de acordo com as impedâncias (resistência à passagem da corrente) das redes (LEI DE KIRCHOFF). Nos Conselhos de Ministros em Bruxelas, tentava explicar aos meus colegas europeus que o electrão que vinha de França não era necessariamente o que chegava a Lisboa. Devido à lei das malhas, o fluxo de electricidade não vai pelo caminho que queremos tal como acontece num camião ou automóvel em que escolhemos o percurso; A procura, expressa pelo diagrama de cargas, varia ao longo do dia, do ano e do ciclo económico o que implica que a capacidade instalada (quer de potência de produção quer de capacidade de transporte) tem de ser dimensionada para fazer face aos períodos de ponta o que leva a que exista capacidade ociosa nos períodos de vazio.

É também necessária potência excedentária para fazer face a variações inesperadas de consumo ou a contingências como indisponibilidades de equipamentos por avaria ou manutenção e ainda para compensar centrais dependentes de recursos não armazenáveis e de alta volatilidade como são a hídrica de fio de água ou as energias eólica e solar.

Tendo que satisfazer um diagrama de cargas variáveis, é obvio que tal só poderá ser feito de forma eficiente a custos mínimos se houver um mix adequado de meios de produção, em termos de formas de energia e de repartição entre centrais de ponta (de custos fixos baixos e custos variáveis elevados) e centrais de base (de custos fixos elevados e custos variáveis baixos).

O funcionamento do sistema eléctrico exige os chamados serviços de sistema: regulação de frequência; regulação de tensão; geração de reserva.

São estes serviços do sistema que vão garantir a elevada fiabilidade ou seja os SLA (Service Level Agreement) e Q.S. (Quality of Service) que os clientes cada vez mais sofisticados vão exigir.

A TRANSIÇÃO PARA O MERCADO

A passagem de empresas verticalmente integradas, monopolistas no seu mercado, para uma filosofia de mercado exige naturalmente a desintegração das várias actividades da cadeia de valor: produção, transporte, operação, distribuição e comercialização (fornecimento de energia utilizando a rede de distribuição do operador que tem a rede) dado que essas actividades tenderão a ser executadas por operadores e empresas diferentes.

A GESTÃO DOS RISCOS

Por outro lado, no monopólio verticalmente integrado, os riscos das várias actividades apareciam todos embebidos na mesma entidade.

Com a desintegração vertical em empresas diferentes de produção, transporte, distribuição e comercialização, os riscos começam a ser explicitados, e repartidos pelas várias actividades, o que leva a que a indústria eléctrica se comece a preocupar com a gestão dos riscos.

(Aqui como no caso do sistema financeiro (vidé derivativos de créditos) os riscos não se criam nem desaparecem - transmitem-se e distribuem-se entre os agentes!)

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