Opinião
O próximo eixo asiático
No mês passado, os líderes da China, Japão e Coreia do Sul aceitaram iniciar negociações em finais deste ano com vista a um acordo trilateral de comércio livre. Se as conversações forem bem sucedidas, o mapa mundial do comércio terá de ser redesenhado.
Um acordo de comércio livre (ACL) que inclua as economias que ocupam, respectivamente, o 2º, o 3º e o 12º lugar entre as maiores do mundo (em termos de paridade do poder de compra em 2011), com uma população de 1.500 milhões de pessoas, fará sombra à União Europeia e ao Acordo de Comércio Livre da América do Norte (NAFTA), que engloba os EUA, o Canadá e o México.
Com efeito, o nordeste da Ásia tornar-se-ia no terceiro maior eixo da integração económica regional, a seguir à UE e ao NAFTA. Até agora, a região não conseguiu levar a institucionalização da cooperação económica tão longe como a Europa e a América do Norte, mas se as propostas debatidas em Pequim no mês passado forem postas em prática, o ACL resultante poderá superar o NAFTA no grau de integração e de importância para a economia mundial.
Além disso, a formação de um acordo de comércio livre China-Japão-Coreia do Sul desencaderá muito provavelmente uma reacção em cadeia. A título de exemplo, o impulso de integração poderia estender-se até ao sul e estimular a ASEAN (Associação das Nações do Sudeste Asiático), que tem acordos bilaterais de comércio livre com cada um dos três países, a juntar-se ao grupo. Uma tal reviravolta dos acontecimentos equivaleria ao estabelecimento de uma Zona de Comércio Livre do Leste da Ásia , algo que a ASEAN+3 já pretende há mais ou menos 10 anos. Se isso acontecer, poderá haver outros países interessados em juntar-se ao movimento, como por exemplo a Austrália, Nova Zelândia e sobretudo a Índia.
Os EUA teriam, evidentemente, de responder à celebração de qualquer acordo de comércio livre no nordeste asiático, a fim de preservarem o seu próprio papel no comércio internacional – e nas cadeias de abastecimento que dominam nas economias asiáticas. Muito provavelmente, os Estados Unidos tentariam ampliar e aprofundar a Parceria Trans-Pacífico (PTP), o acordo comercial com o qual o presidente Barack Obama se comprometeu no ano passado.
Em particular, os Estados Unidos encorajariam fortemente o Japão a aderir à PTP; assim as regiões da Ásia e do Pacífico formariam uma comunidade económica unida, algo que os EUA preferem em vez de verem estes países divididos. Por razões de ordem estratégica, o Japão não quererá estar desconectado dos EUA, pelo que é muito provável que aceitasse o convite norte-americano.
Neste cenário, tanto o Japão como a Coreia do Sul teriam de encontrar formas de fazer a ponte entre uma Ásia sinocêntrica e um Pacífico centrado nos EUA. Apesar da sua economia de menor dimensão, a Coreia do Sul parece ter melhor preparação do que o Japão para desempenhar este importante papel. A Coreia do Sul já celebrou um ACL com os Estados Unidos, depois de anos de difíceis negociações, e visa negociar um acordo bilateral de comércio livre com a China este ano.
Assim, a questão principal é se o Japão estará disposto a actuar como ponte (e até que ponto). Uma participação determinada por parte dos japoneses atenuaria a polarização entre a Ásia e o Pacífico e ajudaria a dar mais impulso à integração regional.
Mas o Japão enfrenta actualmente desafios internos de tamanha magnitude que parece difícil que os seus líderes políticos possam assumir um papel proactivo no palco internacional. Durante quase uma década, os governos do país foram frágeis e de curta duração, e de momento está em discussão um aumento do IVA , que poderá desencadear outra mudança de governo. Além disso, o país possui poderosos grupos de interesse agrícolas, especialmente o Sindicato Central das Cooperativas Agrícolas, que poderão intensificar a sua oposição a um ACL trilateral com a China e a Coreia do Sul e a uma participação no ACL com os Estados Unidos.
Contudo, em ambos os casos, os líderes japoneses estão perante um dilema. Se deixarem que a Coreia do Sul continue a assinar acordos de comércio livre e não fizerem nada a esse respeito, o Japão perderá os mercados nos EUA e no Chile. Mas se actuarem, é provável que enfrentem uma oposição política tão intensa que acabe por os derrubar do poder. É essa a principal razão pela qual será difícil o Japão celebrar o acordo de comércio livre que foi proposto, apesar da sua recente aprovação pelo primeiro-ministro Yoshihiko Noda. Com efeito, para que um ACL seja viável, parece necessário que seja mais flexível e que exclua os sectores económicos mais sensíveis de cada país.
No caso da China, as considerações políticas parecem ser a mais forte motivação para a procura de um acordo de comércio livre no nordeste asiático. No entanto, para estender a sua influência económica e política através de um ACL trilateral, a China teria de reforçar a sua transparência, abrir o sector dos serviços e eliminar as barreiras não-alfandegárias. Em suma, deveria aceitar que as suas relações com os dois países vizinhos sejam regidas por um sistema baseado em regras, um ponto em relação ao qual o governo chinês se tem mostrado cauteloso. Contudo, uma vantagem para a China ao perseguir uma estratégia de acordo de comércio livre é a de que continua a ser um Estado autoritário - de modo que, em comparação com os governos do Japão e da Coreia do Sul, o da China teria muito mais facilidade em fazer valer a sua decisão, apesar da oposição interna.
Por último, a Coreia do Sul, que tem acordos de comércio livre com praticamente todos os importantes intervenientes económicos de todo o mundo – EUA, União Europeia, ASEAN, Índia e outros - , está talvez mais bem preparada do que o Japão para celebrar um acordo trilateral de comércio livre. Mas deverá também deparar-se com uma forte oposição por parte de grupos de interesse agrícolas e sectores fabris, que talvez se mobilizem mais depressa do que quando se opuseram ao acordo de comércio livre com os Estados Unidos.
Se o acordo trilateral de comércio livre for assinado, os três países poderão gerar mais procura no mercado interno, numa altura em que a procura por parte do Ocidente é insuficiente, e assegurarão uma maior influência na economia política mundial. Um acordo trilateral de comércio livre ajudaria também a estabilizar as problemáticas relações políticas entre os três países, podendo criar um melhor ambiente para a reconstrução económica futura da Coreia do Norte.
Os incontáveis benefícios de um acordo de comércio livre no nordeste asiático são evidentes. Resta saber se esta ambição é realizável.
Yoon Young-kwan, que foi ministro dos Negócios Estrangeiros da Coreia do Sul em 2003-2004, é actualmente professor de Relações Internacionais na Universidade Naiconal de Seul.
Direitos de autor: Project Syndicate, 2012.
www.project-syndicate.org
Tradução: Carla Pedro
Com efeito, o nordeste da Ásia tornar-se-ia no terceiro maior eixo da integração económica regional, a seguir à UE e ao NAFTA. Até agora, a região não conseguiu levar a institucionalização da cooperação económica tão longe como a Europa e a América do Norte, mas se as propostas debatidas em Pequim no mês passado forem postas em prática, o ACL resultante poderá superar o NAFTA no grau de integração e de importância para a economia mundial.
Além disso, a formação de um acordo de comércio livre China-Japão-Coreia do Sul desencaderá muito provavelmente uma reacção em cadeia. A título de exemplo, o impulso de integração poderia estender-se até ao sul e estimular a ASEAN (Associação das Nações do Sudeste Asiático), que tem acordos bilaterais de comércio livre com cada um dos três países, a juntar-se ao grupo. Uma tal reviravolta dos acontecimentos equivaleria ao estabelecimento de uma Zona de Comércio Livre do Leste da Ásia , algo que a ASEAN+3 já pretende há mais ou menos 10 anos. Se isso acontecer, poderá haver outros países interessados em juntar-se ao movimento, como por exemplo a Austrália, Nova Zelândia e sobretudo a Índia.
Os EUA teriam, evidentemente, de responder à celebração de qualquer acordo de comércio livre no nordeste asiático, a fim de preservarem o seu próprio papel no comércio internacional – e nas cadeias de abastecimento que dominam nas economias asiáticas. Muito provavelmente, os Estados Unidos tentariam ampliar e aprofundar a Parceria Trans-Pacífico (PTP), o acordo comercial com o qual o presidente Barack Obama se comprometeu no ano passado.
Em particular, os Estados Unidos encorajariam fortemente o Japão a aderir à PTP; assim as regiões da Ásia e do Pacífico formariam uma comunidade económica unida, algo que os EUA preferem em vez de verem estes países divididos. Por razões de ordem estratégica, o Japão não quererá estar desconectado dos EUA, pelo que é muito provável que aceitasse o convite norte-americano.
Neste cenário, tanto o Japão como a Coreia do Sul teriam de encontrar formas de fazer a ponte entre uma Ásia sinocêntrica e um Pacífico centrado nos EUA. Apesar da sua economia de menor dimensão, a Coreia do Sul parece ter melhor preparação do que o Japão para desempenhar este importante papel. A Coreia do Sul já celebrou um ACL com os Estados Unidos, depois de anos de difíceis negociações, e visa negociar um acordo bilateral de comércio livre com a China este ano.
Assim, a questão principal é se o Japão estará disposto a actuar como ponte (e até que ponto). Uma participação determinada por parte dos japoneses atenuaria a polarização entre a Ásia e o Pacífico e ajudaria a dar mais impulso à integração regional.
Mas o Japão enfrenta actualmente desafios internos de tamanha magnitude que parece difícil que os seus líderes políticos possam assumir um papel proactivo no palco internacional. Durante quase uma década, os governos do país foram frágeis e de curta duração, e de momento está em discussão um aumento do IVA , que poderá desencadear outra mudança de governo. Além disso, o país possui poderosos grupos de interesse agrícolas, especialmente o Sindicato Central das Cooperativas Agrícolas, que poderão intensificar a sua oposição a um ACL trilateral com a China e a Coreia do Sul e a uma participação no ACL com os Estados Unidos.
Contudo, em ambos os casos, os líderes japoneses estão perante um dilema. Se deixarem que a Coreia do Sul continue a assinar acordos de comércio livre e não fizerem nada a esse respeito, o Japão perderá os mercados nos EUA e no Chile. Mas se actuarem, é provável que enfrentem uma oposição política tão intensa que acabe por os derrubar do poder. É essa a principal razão pela qual será difícil o Japão celebrar o acordo de comércio livre que foi proposto, apesar da sua recente aprovação pelo primeiro-ministro Yoshihiko Noda. Com efeito, para que um ACL seja viável, parece necessário que seja mais flexível e que exclua os sectores económicos mais sensíveis de cada país.
No caso da China, as considerações políticas parecem ser a mais forte motivação para a procura de um acordo de comércio livre no nordeste asiático. No entanto, para estender a sua influência económica e política através de um ACL trilateral, a China teria de reforçar a sua transparência, abrir o sector dos serviços e eliminar as barreiras não-alfandegárias. Em suma, deveria aceitar que as suas relações com os dois países vizinhos sejam regidas por um sistema baseado em regras, um ponto em relação ao qual o governo chinês se tem mostrado cauteloso. Contudo, uma vantagem para a China ao perseguir uma estratégia de acordo de comércio livre é a de que continua a ser um Estado autoritário - de modo que, em comparação com os governos do Japão e da Coreia do Sul, o da China teria muito mais facilidade em fazer valer a sua decisão, apesar da oposição interna.
Por último, a Coreia do Sul, que tem acordos de comércio livre com praticamente todos os importantes intervenientes económicos de todo o mundo – EUA, União Europeia, ASEAN, Índia e outros - , está talvez mais bem preparada do que o Japão para celebrar um acordo trilateral de comércio livre. Mas deverá também deparar-se com uma forte oposição por parte de grupos de interesse agrícolas e sectores fabris, que talvez se mobilizem mais depressa do que quando se opuseram ao acordo de comércio livre com os Estados Unidos.
Se o acordo trilateral de comércio livre for assinado, os três países poderão gerar mais procura no mercado interno, numa altura em que a procura por parte do Ocidente é insuficiente, e assegurarão uma maior influência na economia política mundial. Um acordo trilateral de comércio livre ajudaria também a estabilizar as problemáticas relações políticas entre os três países, podendo criar um melhor ambiente para a reconstrução económica futura da Coreia do Norte.
Os incontáveis benefícios de um acordo de comércio livre no nordeste asiático são evidentes. Resta saber se esta ambição é realizável.
Direitos de autor: Project Syndicate, 2012.
www.project-syndicate.org
Tradução: Carla Pedro