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Rui Alpalhão 23 de Outubro de 2007 às 13:59

O parente pobre

O impacto do sistema financeiro no crescimento está longe de ser consensual, quer entre economistas, quer entre analistas económicos. Em 1984, Meier e Seers editaram, sob a égide do Banco Mundial, o clássico “Pioneers in Development” (Oxford University Pr

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Em 1984, Meier e Seers editaram, sob a égide do Banco Mundial, o clássico “Pioneers in Development” (Oxford University Press) que, como o nome sugere, é uma colectânea de ensaios sobre desenvolvimento económico, com contribuições de três Prémios Nobel (Lewis, Myrdal, Tinbergen), no qual não foi possível, até à data, encontrar uma linha sobre finanças ou sistema financeiro. Na sua intervenção no Compromisso Portugal em Setembro de 2006, António Mexia e José Maria Ricciardi listaram 18 “iniciativas concretas” implementáveis a curto prazo para aumentar a produtividade da economia portuguesa. Nenhuma se refere a finanças, ou ao sistema financeiro, não obstante um dos proponentes ser presidente de um reputado banco de investimento, a cujos quadros aliás o outro proponente pertenceu na juventude, com destaque reconhecido.

Em discussões sobre crescimento e desenvolvimento económicos, o sistema financeiro parece ser um parente pobre, vaga e relutantemente reconhecido como da família mas ausente dos salões nobres. Salvo melhor juízo, esta postura não se justifica.

A literatura da especialidade oferece amplas comprovações empíricas de que (a) países com sistemas financeiros mais desenvolvidos tendem a crescer mais depressa, entendendo-se por “sistemas financeiros mais desenvolvidos” sistemas com bancos detidos pelo sector privado e bolsas de valores líquidas, (b) sistemas financeiros desenvolvidos aliviam as restrições de financiamento que impendem sobre a expansão de empresas e indústrias. Assim sendo, as implicações de política parecem óbvias, e vão no sentido de dedicar algum tempo ao estudo da forma como um país pode desenvolver um sistema financeiro funcional, e de que alterações legais e regulamentares proporcionariam a emergência de sistemas (e intermediários) financeiros catalisadores do crescimento económico.

A evidência empírica acumulada ao longo de muitos anos de investigação deste tópico, cujo precursor terá sido Walter Bagehot, editor (e genro do fundador) do “Economist”, no seu livro de 1873 “Lombard Street: a description of the Money market”, mostra que quer os mercados de crédito quer os mercados de acções têm impacto independente no crescimento. Trabalho recente do Prof. Luigi Zingales, do NBER e da Universidade de Chicago, mostra adicionalmente, recorrendo a dados italianos, que, mesmo num ambiente de integração dos mercados financeiros, o desenvolvimento do mercado financeiro doméstico (a) aumenta a probabilidade de criação de novas empresas (b) aumenta a concorrência e (c) promove o crescimento. Sem surpresa, a investigação do Prof. Zingales indica que estes efeitos estão inversamente relacionados com a dimensão das empresas, já que as maiores (e só elas?) podem suprir deficiências do sistema financeiro doméstico com recurso aos mercados internacionais. Outro resultado interessante, atribuível aos Professores Ross Levine, da Universidade Brown, e Sara Zervos, do Banco Mundial, é o facto de a capitalização bolsista ser, de per si, irrelevante para o crescimento; é o nível de transacções em bolsa que tem impacto, ou seja, a capacidade de trocar direitos de propriedade nos activos reais da economia. De pouco, ou nada, serve uma bolsa com grandes empresas cotadas, mas sem transacções. Uma outra contribuição do Prof. Zingales, em coautoria, como habitualmente, com o seu colega de Chicago Raghuram Rajan, mostra que os benefícios do desenvolvimento do sistema financeiro não tendem a ser homogeneamente distribuídos entre indústrias, mas antes a concentram-se nas indústrias capital intensivas, ditas por Rajan e Zingales “heavy users” de capital exógeno.

A literatura que explora as implicações de política económica destas pesquisas é, também, vasta. Como sempre em questões de política, o consenso é menor. Ainda assim, podemos arriscar um conjunto de medidas: investir na protecção dos accionistas minoritários das empresas cotadas, eliminar a presença pública como accionista no sistema bancário (neste particular, veja-se o influente artigo de 2002 dos Professores La Porta, de Dartmouth, López de Silanes, de Amesterdão e Shleifer, de Harvard, no “Journal of Finance”), investir na supervisão bancária, abrir o sistema bancário à concorrência internacional. É fácil, é barato, e pode dar milhões.

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