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O novo Ultimatum

De vez em quando aterram na Portela três homens a quem foi concedida a superior missão de humilhar os portugueses. Têm-no conseguido com esmero e distinção.

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De vez em quando aterram na Portela três homens a quem foi concedida a superior missão de humilhar os portugueses. Têm-no conseguido com esmero e distinção.

Dizem que vêm verificar as contas do Estado - coisa assaz extravagante no tempo dos computadores e da Internet - mas na realidade passam por cá alguns dias a dar entrevistas e conferências de imprensa com o único propósito de deixar bem claro quem manda agora em Portugal. Eles.

Desde o Ultimatum de 1890 que Portugal não sofria uma humilhação tão grande. Com a agravante de não termos hoje a crítica mordaz de um Rafael Bordalo Pinheiro, nem um movimento social revolucionário tal como sucedeu com os republicanos à época.

É assim que à vista da troika, o governo estende a passadeira vermelha; a oposição resmunga mansamente; os jornalistas engalfinham-se para conseguir uma frase, um sorriso, um aceno, o que for; o povo, sempre passivo e obediente, amocha. Não há no Portugal de 2011 ninguém que se oponha radical e frontalmente a esta situação. Não temos intelectuais nem pensadores. A cultura ressona.

Não se trata aqui de nacionalismo ou de serôdio patriotismo. É a essência da democracia que está em causa. Se os portugueses aceitaram o pedido de ajuda financeira e a inevitável austeridade, votando maioritariamente nos três partidos que o assinaram, ninguém que se saiba votou o trespasse da governação. É ao governo eleito que cabe prestar contas aos cidadãos e explicar todos os trâmites do processo de negociação em curso e do ajustamento financeiro. Não é seguramente a um trio de burocratas que ninguém conhece ou escolheu.

O senhor Poul Thomson e os seus apêndices não representam nada em Portugal. Nunca participaram na nossa vida política, social ou cultural. É aliás bastante duvidoso que conheçam algo da realidade portuguesa. No melhor, conhecem o "lobby" de alguns hotéis e os elevadores do Ministério das Finanças. O que é manifestamente pouco para governar um país. E, no entanto, falam com sobranceria, dão conselhos, repreendem, fazem poses. A sua postura é um ultraje aos mais elementares princípios da democracia. O seu comportamento é repugnante, mais próximo do colonialismo do que de uma Europa democrática e civilizada.

Não é por isso minimamente aceitável que a troika continue a fazer declarações públicas. E ainda é menos aceitável que os principais responsáveis políticos, sobretudo o governo e o Presidente da República, permitam estas sessões de humilhação nacional. Mais uma vez, e tal como sucedeu com D. Carlos I e o governo da época, o poder cede ao Ultimatum. Com o argumento de que não há alternativa - o que não deixa de ser contraditório com o princípio de que em democracia existem sempre alternativas -, Cavaco Silva e o governo, submetem-se à "pirataria", como lhe chamou Bordalo Pinheiro, mesmo se isso significa enormes sacrifícios para o povo que os elegeu. Em suma, é isto a "porca da política" para continuar a citar Bordalo.

O novo Ultimatum, expresso na postura da troika, só é possível através de uma suspensão da democracia, assunto que em tempos mereceu alguma celeuma. Mas foi só conversa. Porque agora que a democracia está mesmo suspensa ninguém parece preocupar-se.

Perante estes poderes fracos e cúmplices, vamos assistindo a um assalto de forças não legitimadas pelo voto popular. São os poderes mediáticos, financeiros, empresariais, organizações supranacionais que ninguém na verdade fiscaliza ou sabe em rigor o que fazem. Agências de "rating", bancos, sociedades de investimento, que determinam cada vez mais os destinos dos povos e do mundo em geral.

Neste contexto, cabe perguntar para que servem as eleições? De que vale eleger deputados e governos se no dia seguinte ficam reféns de uma qualquer troika que ninguém avaliou, não presta contas e não pode ser derrubada por um ato democrático? Assim não se admirem se a única via que resta mesmo seja a da violência social. Não são só os sacrifícios que têm limites. A serenidade, mesmo deste povo pacato e submisso, também o tem.


Este artigo de opinião foi escrito em conformidade com o novo Acordo Ortográfico.
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