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02 de Março de 2011 às 11:27

O momento Mubarak do Paquistão

A situação interna do Paquistão está a tornar-se cada vez mais precária. Com efeito, a questão que actualmente se coloca é se o país pode sobreviver na sua forma actual.

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A interrogação resulta de um crescente receio de que grupos islamistas possam voltar a tentar apoderar-se dos mecanismos do poder no país. Se tal não lhes for possível, devido à presença de um exército forte e disciplinado, os islamistas poderão tentar criar um espaço no qual possam estabelecer um sistema de governo distinto que seja mais próximo daquilo que consideram ser os princípios do Islão.

A anterior tentativa dos grupos islâmicos nesse sentido, em 2009, foi combatida com êxito pelos militares, quando expulsaram as forças rebeldes do estratégico distrito de Swat e da região tribal do Waziristão do Sul.

Hoje, porém, o exército paquistanês poderá não estar preparado para actuar com a força e convicção que mostrou da última vez. A sua determinação para lutar contra a crescente influência dos islamitas foi enfraquecida por dois infelizes acontecimentos: o recente assassinato de Salman Taseer, governador do Punjab, a província mais populosa do Paquistão, e as mortes no mês passado de dois jovens, alegadamente às mãos de um oficial norte-americano de nome Raymond Davis.

O assassinato de Taseer levou a grandes manifestações públicas de apoio ao presumível assassino, baseadas no facto de ele ter tirado a vida de um político que tinha questionado o conteúdo das “ordenações Hudood”. Estas leis, promulgadas inicialmente pelos britânicos na Índia colonial, e que os sucessivos governos paquistaneses foram tornando cada vez mais draconianas, fazem de qualquer comentário considerado desrespeitoso para com o Islão ou o profeta Maomé um crime punível com a morte.


Uma mulher cristã, que foi acusada de ter feito um comentário depreciativo, é o mais recente alvo das ordenanças. Taseer tinha dado a sua palavra de que não permitiria que a sentença de morte desta mulher fosse levada a cabo.

O caso de Davis complicou ainda mais as relações do Paquistão com os Estados Unidos, que já estavam tensas devido à relutância do Exército em entrar no Waziristão do Norte - um mini-Estado dentro do Paquistão a partir do qual os talibãs lançaram operações no Afeganistão contra forças dos EUA. Numa altura em que a opinião pública paquistanesa exige uma punição para o “assassino” dos dois jovens em Lahore, seria pouco provável que os militares tomassem qualquer medida passível de ser interpretada como uma resposta à pressão da Administração Obama.

Antes mesmo de ter sido abalada por estes assassinatos nas ruas do Paquistão e pela turbulência na Tunísia e no Egipto, já a elite governante paquistanesa tinha começado a planear medidas destinadas a tranquilizar uma sociedade cada vez mais inquieta. Além disso, vários membros de topo do governo do presidente Asif Ali Zardari estão convictos de que os acontecimentos da Tunísia e Egipto não poderão ocorrer no Paquistão.

“As nossas instituições estão a funcionar e a democracia é eficiente”, disse o primeiro-ministro, Yousuf Raza Gilani, aos membros da imprensa ocidental. Poderia ainda ter acrescentado que o principal partido da oposição, a Liga Muçulmana do Paquistão, estava disposto a deixá-lo governar até o país voltar às urnas, em finais de 2012 ou em inícios de 2013. Parece igualmente claro que os militares não desejam voltar a interferir nos assuntos do país, como fizeram feito inúmeras vezes no passado.

Mas Gilani não estava particularmente tranquilo. À medida que o regime egípcio de Hosni Mubarak se desmoronava, Gilani decidiu pedir a demissão de todo o seu gabinete. A começar pelo ministro Amin Fahim, da província de Sindh, todos os membros do governo apresentaram as suas demissões ao primeiro-ministro a 4 de Fevereiro.

No mesmo dia, o Comité Executivo Central do Partido Popular do Paquistão “autorizou o primeiro-ministro a formar um novo governo, com menos ministros, todos eles com reputação de integridade, competência e eficiência." A decisão final nesse sentido foi tomada a 9 de Fevereiro, quando, num almoço de despedida com o seu anterior gabinete, Gilani aceitou a demissão colectiva dos seus ministros. Um novo governo, de menor dimensão, tomou posse passados dois dias.

A decisão de Gilani é não só uma resposta aos desenvolvimentos no Médio Oriente, mas também o reconhecimento de que o retorno à democracia fez muito pouco pelos paquistaneses.
As autoridades estão também conscientes de que a mudança ministerial será entendida como mera fachada, a não ser que o governo mostre ter um plano para resgatar a economia do colapso e aliviar os encargos suportados pela população em geral.

Com efeito, a taxa de crescimento económico do Paquistão é a mais baixa no sul da Ásia Continental – corresponde a metade da taxa de crescimento do Bangladesh e a um terço da taxa da Índia. O forte aumento dos preços dos produtos essenciais significou uma diminuição do rendimento real para os 60% da população mais pobre.

A lenta actividade económica fez aumentar a taxa de desemprego urbano para cerca de 34% da força de trabalho. Apesar do sistema democrático vigente e dos entusiásticos meios de comunicação social permitirem que os paquistaneses expressem a sua frustração perante o estado da economia e da qualidade governativa, a elite política reconhece agora que muitos ingredientes da situação paquistanesa estavam presentes nos países do Médio Oriente onde os protestos de rua chegaram a um ponto de ebulição.

A mensagem é clara: uma democracia que não se traduza em benefícios tangíveis não impedirá os paquistaneses de exigirem uma mudança radical. A questão agora é saber se a classe política tem os meios necessários para agir em conformidade.


Shahid Javed Burki, ex-ministro paquistanês das Finanças e antigo vice-presidente do Banco Mundial, é actualmente presidente do Institute of Public Policy, Lahore.


Direitos de autor: Project Syndicate, 2011.
www.project-syndicate.org
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