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João Martins da Silva 31 de Maio de 2011 às 15:48

O desafio da eficiência energética

Durante as próximas décadas, estamos condenados a ser muito mais eficientes do ponto de vista energético

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De acordo com o que sabemos hoje, estamos condenados a ser muito eficientes do ponto de vista energético, durante as próximas décadas. Porquê? Porque com este modelo de desenvolvimento, as fontes de energia utilizadas e o consumo de energia não são sustentáveis a prazo. Este facto não é necessariamente mau. Muito pelo contrário, poderá ser até uma oportunidade, nomeadamente para um país na situação em que está Portugal. Se não, vejamos:

Com o actual modelo de desenvolvimento e à escala global, o consumo de energia deve continuar a aumentar, bem como a concentração de gases de efeito de estufa na atmosfera.

O consumo mundial de energia primária mais do que duplicou em relação a 1970 e deve continuar a aumentar. Isso tem a ver, essencialmente, com dois factores: 1) o crescimento demográfico - éramos 6 biliões em 2000 e estima-se que sejamos 9 biliões em 2050 e 2) o crescimento económico - o bilião mais pobre consome menos do que 4% da energia, enquanto o bilião mais rico consome mais do que 50%. A melhoria do nível de vida, nomeadamente nos países emergentes, vai provocar um aumento enorme do consumo energético. Este aumento da procura vai ter como consequências pressões sobre as reservas dos combustíveis actualmente utilizados e sobre os preços da energia.

Por outro lado, a concentração de CO2 na atmosfera tem vindo a aumentar e pode vir a duplicar durante este século: a concentração era de 280 partes por milhão (ppm) em 1900, de 380 ppm em 2000 e estima-se que poderá vir a ser entre 700 ppm e 1000 ppm em 2100. Isto porque, no presente, 88% da energia primária consumida provém de combustíveis fósseis - nomeadamente petróleo, carvão e gás natural. O restante provém de energia nuclear e de hidroelectricidade.

Como é que poderemos compatibilizar o desenvolvimento económico com reservas de combustíveis cada vez mais escassas, preços mais elevados e com uma redução nas emissões de gases com efeito de estufa? Alterando o nosso modelo de desenvolvimento, fazendo uma "revolução energética", como lhe chama Nobuo Tanaka, Presidente da Agência Internacional de Energia (IEA). Por um lado, temos que utilizar mais fontes de energia novas, renováveis e não poluentes. Por outro lado, temos que ser muito mais eficientes no consumo de energia, o que passa por utilizar equipamentos mais eficientes e ter comportamentos mais eficientes, no dia a dia, podendo mesmo alterar o nosso estilo de vida. É aqui que está o grande desafio da eficiência energética.

O World Energy Outlook da IEA indica o cenário de concentração na atmosfera de gases de efeito de estufa de 450 ppm como um cenário possível para evitar alterações ambientais muito graves, que ponham em risco o meio ambiente do planeta, tal como o conhecemos hoje. De acordo com este cenário, teremos que começar a reduzir as emissões desde já, relativamente ao modelo actual de desenvolvimento. E as medidas de eficiência energética contribuem com 65% da redução prevista em 2020. A utilização de fontes renováveis contribui em 18% para a redução. A energia nuclear, que não é emitente de gases de efeito de estufa, contribui com 13% (será que este cenário tem que ser revisto, após Fukushima?). De qualquer forma, a eficiência energética dará, de longe, o maior contributo para a redução da concentração de CO2 na atmosfera. Também a União Europeia estabeleceu um objectivo de redução de emissões de 20% em 2020 e 60% em 2050. Ao mesmo tempo, estabeleceu um objectivo de redução de consumo de 20% em 2020 e de 40% em 2050.

Assim sendo, a eficiência energética é uma inevitabilidade. Mas, também, uma grande oportunidade. É uma oportunidade de mudança, de utilização de novas tecnologias, de novos sistemas e, até de uma nova forma de vida. Mais económica e mais sustentável. Porque ser eficiente significa ser mais económico e consequentemente, mais competitivo. Ser mais económico, que também significa ser mais poupado, implica ter mais capital disponível para investir em mais projectos. Quais são, então, os benefícios que o aumento da eficiência energética pode trazer e que Portugal deve aproveitar?

Em primeiro lugar, permite a redução da importação de combustíveis fósseis, que têm um peso muito grande na nossa balança comercial. Por outro lado, pode representar 50% da redução necessária de emissões de gases de efeito estufa e reduz o impacto ambiental da queima de combustíveis fósseis. Também permite aumentar a competitividade das indústrias, factor muito relevante num cenário de crescente concorrência internacional. A eficiência energética diminui ainda o risco associado à variação dos custos com a energia. E também diminui a necessidade de investimento em novas infraestruturas energéticas, libertando capital para outros investimentos.

O consumo de energia ocorre principalmente na indústria (36%), nos edifícios (32%) e nos transportes (28%). Começando pelos transportes, a substituição de carros com motor de combustão por carros eléctricos permite ganhos de eficiência importantes: um carro eléctrico tem uma eficiência energética global de 40% (electricidade produzida em central a gás natural) enquanto um carro a motor de combustão interna tem uma eficiência de 20%. A substituição total do parque automóvel por veículos eléctricos permitiria a redução de 50% das emissões do país. Isto já para não falar na redução de consumo que pode ocorrer se passarmos a privilegiar a reabilitação dos centros urbanos e a utilização dos transportes públicos em detrimento da construção de zonas residenciais nos subúrbios com transportes individuais diários casa-trabalho-casa.

Quanto aos edifícios, é necessário melhorar a qualidade de construção. A regulamentação existente é cada vez mais exigente do ponto de vista da eficiência energética e existe hoje maior visibilidade da eficiência energética dos edifícios através do seu Certificado Energético, que, à semelhança do que se passa com os electrodomésticos, nos indica quão energeticamente eficiente é o edifício e, até, o que fazer para melhorar essa eficiência. A utilização de equipamentos eficientes também contribui para a eficiência energética global do consumidor final. Por exemplo, no sector doméstico, a etiqueta energética já é considerada um factor de decisão importante na escolha dos electrodomésticos, mas aparece em terceiro lugar, atrás do preço e das funcionalidades do equipamento. Cada vez mais classes de equipamentos têm etiqueta energética e as exigências da regulamentação são cada vez maiores.

A informação disponível para o consumidor também deverá permitir melhorar a eficiência energética. Não se pode gerir o que não se conhece, o que não se mede. E a energia eléctrica é bastante intangível. E como a energia agora é relativamente barata, não nos damos ao trabalho de saber quanto nos custa o seu consumo, por exemplo, nas nossas casas. Não sabemos quanto nos custa acender uma lâmpada. Não sabemos quanto nos custa uma lavagem de roupa, ou uma hora de usufruto do aparelho de ar condicionado. Mas, nos próximos anos, vão começar a aparecer no mercado sistemas de gestão de consumo de energia que dão essa informação aos consumidores em tempo real, através de um monitor em casa ou no escritório, de um site na Internet ou mesmo no telemóvel. Além de darem informação, poderão permitir a configuração de avisos ou alertas. O consumidor pode passar a gerir melhor a energia que consome e assim poupar na sua factura e contribuir para a eficiência do sistema global. Estudos já efectuados revelam que as poupanças decorrentes da utilização destes sistemas podem chegar aos 15% do consumo.

A indústria é o sector onde o consumo de energia tem sido melhor gerido, principalmente por razões económicas. Quando a factura energética representa uma parte significativa dos custos de uma empresa, então os incentivos para gerir essa factura são grandes e naturais. No entanto, deve ser efectuada uma análise da performance energética das tecnologias disponíveis, sector a sector, e melhorar a eficiência nas áreas administrativas. As recentes preocupações com a eficiência energética têm provocado uma grande inovação ao nível dos equipamentos e sistemas. Neste sector (tal como no dos edifícios), o papel das ESE (Empresas de Serviços de Energia) é muito importante, na medida em que pode não só ajudar os consumidores a optimizar a factura energética como também a financiar o investimento necessário. As ESE, que foram regulamentadas este ano, são empresas que analisam as oportunidades de eficiência energética dos seus clientes e que lhes propõem uma solução que pode passar pela compra, instalação e gestão de equipamentos/ instalações. E a remuneração da ESE pode resultar de uma parte das poupanças obtidas com a implementação do projecto.

Até agora temos falado de consumo de energia, mas a eficiência energética também passa pelas novas redes inteligentes de distribuição de energia eléctrica, denominadas internacionalmente por smartgrids. São estas que vão permitir a gestão, em tempo real, de todo o sistema eléctrico, questão cada vez mais importante. Só com mais informação e capacidade de gestão da rede em tempo real é possível integrar de forma mais adequada uma crescente quantidade de produção renovável, a mobilidade eléctrica e dar informação ao consumidor final que lhe permita tomar decisões mais racionais. Os consumidores terão um papel mais activo na gestão do sistema, aderindo a programas de gestão do consumo ou respondendo a estímulos de preço que reflictam o valor de mercado da energia, a cada momento.

E a mudança do paradigma energético também passa por alterações comportamentais dos consumidores. É importante sensibilizar os consumidores para a nova realidade e começar a alterar os comportamentos, desde já. Nos últimos anos têm aumentado as campanhas de sensibilização. Enquanto em 2007 apenas 45% dos consumidores portugueses diziam ter ouvido falar em eficiência energética, hoje já são 57% os que o afirmam. Mesmo assim, destes, nem todos têm o seu significado muito claro. E se há hábitos eficientes já mais enraizados, como o de fechar portas e janelas antes de ligar equipamentos de climatização, há outros que podem ser melhorados, como o de minimizar a utilização do modo standby. E, como diz o povo, se "é de pequenino que se torce o pepino", há que começar nas escolas, nos mais pequenos, a passar a mensagem da eficiência energética, como também já tem sido feito, através de diferentes iniciativas, nos últimos anos.

Existem algumas barreiras à implementação de medidas de eficiência energética. Uma delas tem a ver com o conceito de externalidade: os ganhos de uma acção de eficiência energética que um de nós realiza não se confinam a esse indivíduo, mas também beneficiam outros. Acontece que, quando cada um de nós toma uma decisão, tende apenas a considerar o benefício próprio e não leva em conta o benefício mais geral, para a sociedade. Tal resulta num sub-investimento em acções de eficiência energética. Por outro lado, os consumidores tendem a olhar apenas para os benefícios que retiram a curto prazo dos investimentos e não consideram retornos futuros. Se alguma medida de eficiência energética implicar um investimento significativo e tiver um retorno a 5 ou a 7 anos, muito provavelmente o consumidor particular não a realizará pois considera esse período de retorno muito distante no tempo. Assim, apesar de, tipicamente, os investimentos em eficiência energética se pagarem a eles próprios, muitos investimentos rentáveis ficam por realizar, não se captando todo o potencial de poupança.

Também por isso, é determinante o papel do governo e da regulação para ajudar a impor o novo paradigma. Para além da nova regulamentação para os edifícios e para os equipamentos eléctricos que já mencionámos atrás, o PNAEE - Plano Nacional de Acção para a Eficiência Energética, lançado pelo Ministério da Economia, define um conjunto de 12 programas e um objectivo de poupança de 10% até 2015. O PPEC - Plano de Promoção da Eficiência no Consumo da ERSE - Entidade Reguladora do Sector Energético financia acções de eficiência energética até 11,5 milhões de euros por ano.

Também as empresas do sector energético têm um papel a desempenhar em todo este processo de mudança. A EDP, como principal empresa do sector eléctrico em Portugal, tem vindo a levar a cabo um conjunto grande de iniciativas quer de divulgação da eficiência energética e dos comportamentos mais eficientes quer de oferta ou venda e instalação de equipamentos eficientes. Desde 2007, as iniciativas têm vindo a ser divulgadas no âmbito do Programa ECO EDP, marca que a EDP criou para reforçar o seu compromisso com a eficiência energética, nomeadamente nas suas vertentes ambiental, económica e social. O investimento em acções de eficiência energética totalizou 36 milhões de euros, até 2010. E toda a informação está disponível em www.eco.edp.pt: simuladores, conselhos de eficiência, equipamentos eficientes, projectos, etc. Em 2009, a EDP deu início ao projecto Inovcity, em Évora, que pretende testar, em ambiente real, no concelho de Évora, uma nova infraestrutura de rede de distribuição de energia. Essa nova infraestrutura, inteligente, vai permitir uma gestão mais eficiente da rede eléctrica e o fornecimento de mais informação de consumo para o cliente final. Isto é importante e necessário para que se possam integrar mais energias renováveis na rede, para gerir o carregamento de veículos eléctricos e gerir de forma eficiente o consumo de energia que cada um realiza. Em 2010, a EDP criou uma ESE - Empresa de Serviços de Energia, denominada EDP Serviços, que pretende disponibilizar aos consumidores de energia um conjunto alargado de serviços de eficiência energética, desde contratos de desempenho para empresas e sector público, até soluções de gestão de consumo para os consumidores domésticos.
Vamos ser otpimistas e aproveitar e vencer este desafio!



João Martins da Silva , Corporate Marketing Manager da EDP.
Responsável pelo Programa ECO EDP.
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