Opinião
03 de Novembro de 2010 às 12:20
O cartel da opinião económica e a retórica barata
Na praça pública portuguesa há um paradoxo que se está a tornar agudo.
Há uma super-abundância de opinião económica. No entanto, esta coexiste com uma evidente ausência de debate, pois a proliferação de opinião não é suficientemente testada pela crítica sistemática e informada por factos verificáveis. Não são só as contas públicas que precisam de ser consolidadas, é também o excesso de retórica.
O presente artigo pega num simples exemplo, com o objectivo de desmontar a tenda e denunciar esse vazio. Trata-se de comentar o texto "À procura de um consenso com senso", publicado neste jornal no passado dia 8 de Outubro, da autoria de Pedro Reis, que assina como "Gestor" e "Coordenador do Livro Branco das Empresas Portuguesas a convite do Presidente do PSD". O enfoque aqui não é o mensageiro mas a mensagem.
O diagnóstico de Pedro Reis, se o leio bem, atribui todas as causas da crise à conduta governativa. A causa da crise é, nas suas palavras, "este governo". E é o "Estado asfixiante" que está por detrás do desemprego e da falta de crescimento. Ignoro o valor acrescentado desta apreciação. É que este terreno argumentativo é um mercado maduro já dominado por um cartel de comentadores bem instalado no circuito mediático. Refiro-me a Medina Carreira, Eduardo Catroga e demais agentes "independentes" da opinião económica. O verdadeiro problema é a grande falta de diversidade e originalidade na esfera pública. Falta, sobretudo, mais concorrência de opinião.
Infelizmente, Pedro Reis não dá um contributo para avançar a discussão dos problemas que propõe tratar. Também nesse artigo se esquece de que vivemos numa economia de mercado e de livre iniciativa. É assim a economia portuguesa; é só ler a Constituição, que o PSD agora quer mudar. E num sistema económico desta natureza é aos privados que, em primeiro lugar, se deve pedir contas. Dos números privados e domésticos, dos seus saldos muito vermelhos não se fala. O Estado não pode ser a desculpa de sempre para um capitalismo medíocre. Para ser simplista por um momento: se o peso do défice no PIB é demasiado alto, como insiste o autor, não será também por causa do denominador?
Acima de tudo, Pedro Reis falha por defraudar as nossas expectativas. Estaríamos, talvez, à espera de que o "Coordenador do Livro Branco" se referisse à temática micro da governança empresarial. Mas não. O autor diz apenas ser preciso uma "aposta corajosa na competitividade das empresas para criarem riqueza e emprego". Como? Nem uma sugestão. Diz que se impõem "reformas estruturais". Quais é que ainda não foram tentadas? Nem uma solução.
Muitos problemas competitivos da economia portuguesa resultam de estrangulamentos ao nível das unidades produtivas. Sugiro, portanto, uns temas-desafio para esse putativo "Livro Branco". (i) Concursos internacionais para a gestão de topo das sociedades listadas no PSI-20 para que se reduza o número de cargos cimeiros determinados por heranças familiares, como o BES, ou políticas, como no caso da EDP. (ii) Contribuir para a equidade fiscal e competitividade de custos ao taxar-se pesadamente "fringe benefits", tais como despesas de representação e viaturas atribuídas a dirigentes. (iii) Um código de boas práticas que corrija a virtual ausência de mulheres em conselhos de administração, tirando Portugal do último lugar do "ranking" europeu nesta matéria, como agora veio demonstrar um estudo da consultora Egon Zehnder International. (iv) Regular o número de funções não-executivas em diferentes empresas pelos mesmos indivíduos, muitas vezes sem experiência profissional reconhecida no sector.
As incapacidades da nossa economia são mais gerais do que é frequente admitir. É necessário mais debate efectivo, e não uma correria a lugares comuns. Por muito desconforto que as propostas acima provoquem à cúpula do PSD (homens com assento em várias empresas oligopolísticas), há sérios desafios e graves conflitos de interesse por resolver no mundo empresarial. É necessária mais ética republicana na vida política, é certo. O mesmo se passa na vida económica.
Departamento de Economia, ISCTE-IUL
O presente artigo pega num simples exemplo, com o objectivo de desmontar a tenda e denunciar esse vazio. Trata-se de comentar o texto "À procura de um consenso com senso", publicado neste jornal no passado dia 8 de Outubro, da autoria de Pedro Reis, que assina como "Gestor" e "Coordenador do Livro Branco das Empresas Portuguesas a convite do Presidente do PSD". O enfoque aqui não é o mensageiro mas a mensagem.
Infelizmente, Pedro Reis não dá um contributo para avançar a discussão dos problemas que propõe tratar. Também nesse artigo se esquece de que vivemos numa economia de mercado e de livre iniciativa. É assim a economia portuguesa; é só ler a Constituição, que o PSD agora quer mudar. E num sistema económico desta natureza é aos privados que, em primeiro lugar, se deve pedir contas. Dos números privados e domésticos, dos seus saldos muito vermelhos não se fala. O Estado não pode ser a desculpa de sempre para um capitalismo medíocre. Para ser simplista por um momento: se o peso do défice no PIB é demasiado alto, como insiste o autor, não será também por causa do denominador?
Acima de tudo, Pedro Reis falha por defraudar as nossas expectativas. Estaríamos, talvez, à espera de que o "Coordenador do Livro Branco" se referisse à temática micro da governança empresarial. Mas não. O autor diz apenas ser preciso uma "aposta corajosa na competitividade das empresas para criarem riqueza e emprego". Como? Nem uma sugestão. Diz que se impõem "reformas estruturais". Quais é que ainda não foram tentadas? Nem uma solução.
Muitos problemas competitivos da economia portuguesa resultam de estrangulamentos ao nível das unidades produtivas. Sugiro, portanto, uns temas-desafio para esse putativo "Livro Branco". (i) Concursos internacionais para a gestão de topo das sociedades listadas no PSI-20 para que se reduza o número de cargos cimeiros determinados por heranças familiares, como o BES, ou políticas, como no caso da EDP. (ii) Contribuir para a equidade fiscal e competitividade de custos ao taxar-se pesadamente "fringe benefits", tais como despesas de representação e viaturas atribuídas a dirigentes. (iii) Um código de boas práticas que corrija a virtual ausência de mulheres em conselhos de administração, tirando Portugal do último lugar do "ranking" europeu nesta matéria, como agora veio demonstrar um estudo da consultora Egon Zehnder International. (iv) Regular o número de funções não-executivas em diferentes empresas pelos mesmos indivíduos, muitas vezes sem experiência profissional reconhecida no sector.
As incapacidades da nossa economia são mais gerais do que é frequente admitir. É necessário mais debate efectivo, e não uma correria a lugares comuns. Por muito desconforto que as propostas acima provoquem à cúpula do PSD (homens com assento em várias empresas oligopolísticas), há sérios desafios e graves conflitos de interesse por resolver no mundo empresarial. É necessária mais ética republicana na vida política, é certo. O mesmo se passa na vida económica.
Departamento de Economia, ISCTE-IUL