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15 de Abril de 2012 às 23:30

O capitalismo morreu, viva o capitalismo!

A criação de valor não pode significar unicamente a obtenção a curto prazo de bons resultados financeiros: é preciso criar também valor social, resolvendo problemas concretos e ligando o sucesso empresarial ao progresso social.

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Vive-se na melhor altura da história da humanidade para se ser pobre num país em vias de desenvolvimento. Estamos numa era de transformações constantes em que a inovação segue uma trajectória inversa à que se tem assistido nas últimas décadas. Inova-se nos países em vias de desenvolvimento e transferem-se os produtos para países com economias maduras. É a chamada inovação invertida. Cada vez mais se criam produtos inovadores com um certo carácter frugal, respondendo a 50 % das exigências e sendo vendidos a 15% do preço. São pensados para as pessoas que se encontram na base da pirâmide das economias pobres, transformando assim não consumidores em consumidores.O conceito está a ganhar tanta força que grandes empresas como a General Electric, a Procter & Gamble ou a Siemens estão a criar laboratórios de pesquisa nas economias emergentes como a Índia, a China ou o Brasil. E segundo a literatura especializada a razão principal não são os salários mais baixos dos técnicos e investigadores, mas uma dinâmica de inovação ganhadora. Vejamos alguns exemplos: do lado da tecnologia aparelhos médicos "low cost" como Raios X, ou electrocardiógrafos portáteis, o Tata Nano, o automóvel mais barato do mundo, telemóveis de baixo custo com potentes altifalantes, purificadores de água que utilizam casca de arroz e nanotecnologia da prata, entre tantos outros; do lado das inovações não tecnológicas, referimos mecanismos financeiros como o micro crédito, ou o sistema queniano M-Pesa – M de Mobile e Pesa de dinheiro em língua Swahili – que é um serviço bancário cujo suporte é o telemóvel.

Mas se por um lado se vive na melhor altura da história da humanidade para se ser pobre num país em vias de desenvolvimento, por outro, vive-se no pior momento para se pertencer à classe média, num país como Portugal. É inútil acusar os malefícios do capitalismo ou o avanço da economia chinesa. E se é inegável que terão tido alguma influência no esmagamento da classe média e na nossa perda de competitividade, a questão é mais complexa do que isso. Mas então, como criar riqueza? Inspiremo-nos nos fluxos de inovação invertida, e em dois aspectos que os caracterizam: o carácter inovador que se distingue por evitar a complexidade supérflua e a focalização na resolução local de problemas sociais.

O primeiro aspecto é que a simplicidade dos produtos de inovação invertida é aparente e baseia-se em perfis muito qualificados. Para sobreviver nos tempos actuais precisamos de criatividade, iniciativa individual, características que são muitas vezes descuradas pelas nossas escolas e universidades. Depois precisamos de qualificação, de saber. O Google pôs o mundo na ponta dos nossos dedos, mas velocidade e ubiquidade não são por si só sinónimo de conhecimento. Por tudo isto o investimento na educação e na investigação, incentivando e premiando a inovação, é a única forma de podermos construir outro futuro.

O segundo aspecto é a focalização nos problemas sociais. A criação de valor não pode significar unicamente a obtenção a curto prazo de bons resultados financeiros: é preciso criar também valor social, resolvendo problemas concretos e ligando o sucesso empresarial ao progresso social. É o chamado valor partilhado. Este conceito aponta para uma visão mais alargada do papel das empresas, caracterizando o mercado pelas necessidades económicas mas também pelas necessidades sociais. As empresas poderão assim criar valor económico através do valor social. A primeira forma de o fazer é concebendo novos produtos, nas áreas da saúde, habitação, nutrição, envelhecimento, segurança financeira, poluição... E para exemplificar vejam-se os resultados que a General Electric, atribui aos novos produtos da sua iniciativa Ecomagination: a par da redução das emissões de carbono e do consumo de água, está o aumento dos lucros originado pela comercialização destes produtos.

Uma segunda forma de criar valor partilhado é compreender que os custos sociais não são necessariamente restrições ao crescimento das empresas porque eles podem trazer soluções inovadoras em tecnologias e processos. É o que já descobriram a Coca-Cola e surpreendentemente a IBM, que ao estabelecerem como meta a redução do consumo de água, começaram a desenvolver técnicas ligadas à depuração e à racionalização, criando novas áreas de negócio. Por fim a terceira forma de criar valor económico e social é perspectivar a empresa como um organismo integrado numa comunidade e pertencendo a uma teia de que fazem parte outras empresas e serviços de suporte. Por exemplo a Nestlé, na Nespresso, tem vindo a construir, em cada região de café, empresas agrícolas, tecnológicas, financeiras e infra-estruturas logísticas, melhorando a eficiência e a qualidade da sua produção, mas criando valor social na comunidade em que se insere.

Os exemplos anteriores não se podem classificar como responsabilidade social, filantropia ou sustentabilidade. Trata-se de uma nova forma de ter sucesso económico em que a mítica frase de Gordon Gekko – personagem fictícia do filme Wall Street – "Greed is Good", isto é a "A ganância é boa" seja substituída pelas convicções de Muhammad Yunus, criador do micro crédito: "Greed for good ".

Ou num outro registo, o capitalismo morreu, viva o capitalismo!

Economista, Autor de IN-OVAÇÃO, Histórias que podem mudar o mundo, Bnomics 2012
www.francescomarconi.org

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