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Francesco P. Marconi 18 de Setembro de 2009 às 12:39

Do "Homo Economicus" ao "Homer Economicus"

Confesso que Homer Simpson - esse ilustre representante do anti-herói americano, cidadão não exemplar, alcoólico inveterado e investidor tão "criativo" quanto irracional - quase sempre me faz rir. Mas a verdade é que ultimamente me tem feito pensar.

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Confesso que Homer Simpson - esse ilustre representante do anti-herói americano, cidadão não exemplar, alcoólico inveterado e investidor tão "criativo" quanto irracional - quase sempre me faz rir. Mas a verdade é que ultimamente me tem feito pensar. Ora vejam. Abro a televisão, sintonizo na Fox e ouço a argumentação que Homer faz no banco, perante uma inevitável hipoteca: "Quando me emprestou esse dinheiro afirmou que não teria que o pagar até ao futuro. Mas isto ainda não é o futuro! É só o miserável presente!" Homer sai do banco furioso gasta metade do seu ordenado em cerveja Duff, bebendo muito para além do seu nível de satisfação, e entra em total letargia nas suas horas de trabalho na central nuclear do Senhor Burns. Espera até Janeiro para vender abóboras, o seu último investimento, esquecendo de que o seu valor não pode subir indefinidamente e que a partir de 31 de Outubro, o dia das bruxas, o mercado cairá a pique! Esta é a economia segundo Homer.

Tudo isto, embora não pareça, é muito sério e vem a propósito da crise económica, pois os modelos da economia tradicional assumem que as pessoas, ao contrário de Homer, são dotadas de força de vontade e racionalidade ilimitadas, o que significa que se baseiam em criaturas imaginárias, surpreendentemente frias e auto-controladas, que se movem em mercados perfeitos. Ora todos nós tomamos, por vezes, decisões pouco racionais como por exemplo quando sobrestimamos a probabilidade de acontecimentos improváveis, como acontece ao jogarmos na lotaria, ou quando sobrevalorizamos o presente relativamente ao futuro, ou ainda quando comemos e bebemos para além do nosso nível de satisfação, compramos televisões desproporcionadamente grandes para a nossa pequena sala, ou pagamos mais pelo mesmo objecto, se pensarmos que está em saldo ou usarmos um cartão de crédito. Em conclusão comportamo-nos de modo mais semelhante a um emotivo e ingénuo Homer Economicus do que a um lógico e frio Homo Economicus.

Racional e perfeito são adjectivos reconfortantes para qualificar indivíduos e mercados, mas ficcionalmente criados, pois os reais protagonistas da economia não satisfazem tais pressupostos.E se é verdade que a todo o aluno do primeiro ano de economia se chama a atenção para este facto também é verdade que, depois desta chamada de atenção, se lamenta não haver uma melhor alternativa e se afirma que no fundo aquelas hipóteses são muito convenientes no estabelecimento de modelos matemáticos e na sua manipulação. As limitações destes modelos económicos foram sendo desvalorizadas e os resultados da sua análise considerados inquestionáveis. A economia foi assim durante décadas uma espécie de canivete suíço social, que tudo explicava e do rigor de cujo talho, ao desenhar um mundo povoado por optimizadores sem emoções, não se duvidava. No entanto, os economistas falharam: muito poucos previram a amplitude da crise económica, tendo convivido com a hipótese de uma probabilidade quase nula para a descida do preço das casas, ao jeito das abóboras de Homer, e com o funcionamento de um mercado que traduziu esta informação, decretando a absoluta segurança de empréstimos a cidadãos que não ofereciam garantias. Paul Krugman disse recentemente que "os últimos trinta anos de macroeconomia foram espectacularmente inúteis na melhor das hipóteses, e positivamente prejudiciais na pior delas". Barry Eichengreen, professor de Economia na Universidade de Berkeley, reforçou a ideia afirmando que a crise "pôs em causa grande parte daquilo que pensávamos saber sobre economia". Que pensar?

Parece haver dois cenários possíveis. No primeiro, com simples interesse retórico, a economia perderia progressivamente o seu estatuto de disciplina académica autónoma e limitar-se-ia a ser uma área subsidiária, relegada ao papel de fornecedora de dados estatísticos. No segundo cenário a economia reafirma-se como um campo do conhecimento insubstituível, que complementa e corrige a abordagem quantitativa com abordagens e métodos de investigação da psicologia, da história, da sociologia ou da ciência política. Uma das tendências que se tem vindo a desenhar no mundo académico é a da economia comportamental, que, integrando a psicologia na economia clássica, estuda como é que os agentes económicos reais tomam decisões, e cria instrumentos para os induzir a agir com mais racionalidade. E para que fique claro que não se trata aqui de exercícios de estilo de economistas ociosos leia estas declarações: "A nossa actuação económica vai basear-se não em modelos abstractos, mas em dados reais sobre a forma como, de facto, as pessoas tomam as suas decisões económicas. Contamos para isso com um novo Conselho Económico Consultivo". Obama "dixit". E este novo Conselho Consultivo é formado por alguns dos mais prestigiados economistas comportamentais americanos. Um simples exemplo: dizem os economistas comportamentais que a experiência laboratorial mostra que, quando recebemos uma grande quantidade de dinheiro, temos tendência a poupar; pelo contrário se a recebermos em pequenas parcelas aumentamos o nosso consumo. Os 116 biliões de dólares do Pacote de Estímulo de Obama, destinados a compensar o imposto sobre o trabalho, estão a ser recebidos em fatias mensais para monitorizar o consumo do dinheiro extra.

Goodbye Homer Simpson!

Licencado em Economia - Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra
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