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25 de Janeiro de 2011 às 11:36

Capitalismo criativo: uma nova ordem económica?

Duas histórias aparentemente desconexas têm feito correr muitos "bits" e muita tinta.

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Comecemos pela última, que aconteceu há algumas semanas: 40 milionários americanos, num documento a que chamaram "Giving Pledge", comprometeram-se a doar, para fins de beneficência, pelo menos metade das suas fortunas. Num sítio da internet com a mesma designação, foram divulgados os seus nomes as declarações que escreveram, confessando as mais íntimas razões para tão generoso e mediático gesto, ornamentadas algumas delas com explicações mais ou menos pudicas sobre a razão da sua publicitação.

A iniciativa parece ter partido de Bill Gates e Warren Buffet, a quem se juntaram, entre outros, o governador do estado de Nova Iorque, Michael Bloomberg, o fundador da CNN, Ted Turner, o magnata David Rockefeller, o realizador George Lucas e, recentemente, o mais jovem dos bilionários: Mark Zuckerberg, o criador do Facebook. Os entusiastas deleitaram-se com o impacto social que produzirá uma infusão de biliões de dólares na economia e com a possível acção de catalisador de outras dádivas. As vozes críticas nos Estados Unidos e também na Europa afirmam que seria mais útil se os "beneméritos" pagassem os seus impostos a tempo e a uma taxa justa, darem mais e melhores condições de trabalho e melhores salários. Enfim, um conjunto de argumentos que recorda um famoso artigo de Milton Friedman, dos anos 70, em que afirmava que "a responsabilidade social dos empresários é aumentar os seus lucros". Ponto e basta.

Não cabe aqui especular sobre os exercícios de engenharia financeira que poderão ter estado na base da doação milionária, nem fazer incursões psicanalíticas ligadas a possíveis desejos de reconhecimento social, ou simplesmente especular sobre um genuíno desejo de fazer bem. Sejamos mais pragmáticos. Os novos filantropos, herdeiros de fortunas, ou eles próprios, criadores delas, todos eles geriram o seu património - a julgar pelo ranking da Forbes - com rigor, eficiência e criatividade, características que querem impor à gestão das suas doações.

Um exemplo bem claro é a Fundação Gates, em cuja gestão é utilizada uma lógica empresarial: cada cêntimo investido na pesquisa da sida ou da malária deverá render como rendeu cada cêntimo investido na Microsoft. Não se trata da clássica filantropia, mas de um tipo de investimento social, que utiliza uma linguagem e métricas empresariais, e que visa maximizar o impacto social e gerar lucros, não para o seu promotor, mas para tornar o investimento sustentável. Ou mesmo mais do que isso, como em certas formas negociais mistas que juntam doadores e investidores: empresas "filantrocapitalistas", como são designadas por alguns economistas, que superam a oposição entre a imagem da empresa não lucrativa que só cria valor social e a de empresas lucrativas que criam unicamente valor financeiro.

Uma outra história tem como protagonista o economista e Nobel da Paz Muhammad Yunnus, criador do micro-crédito, que "desafiou" há poucos meses os titãs de Wall Street, abrindo em Manhatan, uma filial do Grameen Bank que ele próprio fundou no Bangladesh em 1976. O banco está vocacionado para o empréstimo, numa base informal, de quantias reduzidas para desenvolver pequenos negócios, a pessoas que não têm acesso ao crédito bancário. Alguns entusiastas sublinham o grande impacto social da iniciativa e notam que, em poucas semanas, muitos nova-iorquinos, a viverem na pobreza, recorreram ao Grameen.

Os críticos do micro crédito, por seu lado, argumentam com exemplos do tipo: imagine emprestar 200 euros a cada uma de 500 pessoas, para comprar uma máquina de costura ou, em alternativa, emprestar 100.000 euros a um investidor para criar uma fábrica que empregue 500 pessoas. No 1º caso os lucros bastarão apenas para pagar os juros, pois os pequenos investidores vão competir exactamente no mesmo nicho de mercado. No 2º caso podem ser exploradas economias de escala e usar processos inovadores de produção e organização que criem lucros para o investidor e para os seus trabalhadores. Assim não pensam alguns dos novos bilionários "filantropos" como George Soros e Pierre Omidyar, fundador da Ebay, que se inspiraram em Yunnus para investir em microcrédito. Nem Stephen Goldsmith, professor da Harvard Kennedy School, que não teria achado desconexas as duas histórias que contámos. Há muito que estuda a criatividade e a inovação que caracterizam fenómenos de investimento social como os relatados e apresentou-os num livro que já se tornou num bestseller: "The power of social innovation". Acredita que se trata de uma nova onda de pensamento, que pode desenhar uma diferente forma do capital privado e da inovação atacarem os problemas sociais, quebrando as barreiras entre lucro e filantropia. O que lhe valeu, num momento em que os cofres do estado de Nova Iorque estão completamente vazios, ser nomeado vice-governador, para melhorar os serviços públicos e as infra-estruturas colectivas, usando a tal inovação social. Esperamos para ver o sucesso do que já se chama uma terceira via para a economia de mercado. Talvez comece a ser mais fácil um rico entrar no reino dos céus do que um camelo não entrar no fundo de uma agulha.


Economista nas Nações Unidas (ONU)
Francescopaulomarconi@gmail.com
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