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NPL e execução de garantias

Vemos no pacto marciano a figura do reequilíbrio que o sistema creditício português necessita: desafiamos o legislador nacional a acompanhar-nos.

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A União Europeia (UE) está preocupada com os créditos bancários e desenha já a nova moldura legal para evitar níveis tão elevados de NPL [do inglês Non Performing Loans ou crédito não produtivo] no futuro.

Neste sentido, em março de 2018 foi aprovada uma proposta de diretiva que prevê mecanismos de execução extrajudicial de garantias reais, isto é, a possibilidade de o credor executar bens ou direitos dados em garantia dos empréstimos fora dos tribunais, mas com observância de regras e procedimentos próprios, legalmente previstos.

Em reforço deste mecanismo, o Conselho da UE aprovou há poucos dias a sua posição oficial sobre a proposta de recuperação de créditos malparados via execução extrajudicial de garantias reais.

Em complemento ainda da proposta de diretiva e regras adotadas pelo Conselho em 6 de junho passado que apontam também para a execução extrajudicial, o Conselho da UE defende o reequilíbrio entre os interesses do credor e do devedor assente em três pilares: exigência de acordo prévio de apropriação; fixação de prazo adicional para o cumprimento voluntário e limitação de o credor poder ficar só com o correspondente ao valor do seu crédito, obrigando-se a devolver o diferencial ao devedor/garante e/ou aos demais credores.

Esta estratégia de aceleração de execução de garantias está especialmente pensada para os empréstimos às empresas e não abrangerá empréstimos a particulares nem crédito ao consumo.

Em Portugal, existe um obstáculo legal à apropriação de garantias denominado proibição de pacto comissório que impede a transmissão automática da propriedade do objeto da garantia para o credor.

Razões históricas e culturais sustentam a manutenção desta regra como princípio geral, mas a proliferação de regimes especiais a consagrar a exceção é uma realidade (desde o penhor financeiro ao penhor mercantil), razão por que defendemos - até em sede académica - o fim da proibição do pacto comissório tal como está hoje prevista na lei.

Defendemos a admissibilidade expressa do chamado pacto marciano (pacto comissório equilibrado), em termos tais que o credor, por acordo com o devedor ou o garante, em caso de incumprimento do empréstimo, possa fazer seu o bem ou direito dado em garantia, pelo valor então estimado por louvado independente e com a obrigação de devolver o eventual excesso de valor da garantia ao devedor ou terceiro garante que a prestou.

O tempo começa a dar-nos razão: quer com a aprovação da dita proposta de diretiva comunitária que prevê a execução extrajudicial de garantias quer com o desenvolvimento de um plano europeu de aceleração da recuperação de crédito malparado dos bancos, o qual conheceu o recente e importante avanço da tomada de posição favorável do Conselho da União Europeia.

Com as notas assinaladas, o legislador comunitário evita precipitações: protege os devedores particulares ao mesmo passo que agiliza a realização dos créditos empresariais não reembolsados, vedando o enriquecimento ilícito do credor, ao impedi-lo de ficar com bens ou direitos mais valiosos do que o crédito não satisfeito, caso em que terá de devolver o excesso de valor.

A boa notícia para os bancos e para todos os credores é que vem aí um novo paradigma que derrubará os dois muros de Berlim do sistema creditício português: a imposição de execução judicial da hipoteca e a proibição absoluta do pacto comissório.

Hoje como ontem, vemos no pacto marciano a figura do reequilíbrio que o sistema creditício português necessita: desafiamos o legislador nacional a acompanhar-nos, não se limitando a transpor diretivas.
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