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05 de Julho de 2006 às 13:59

México: O Impasse Perfeito

As eleições mexicanas saldaram-se num impasse total que resulta directamente do obsoleto sistema político herdado das sete décadas de ditadura perfeita do Partido Revolucionário Institucional (PRI).

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Felipe Calderón, candidato do Partido Acção Nacional (PAN), o provável sucessor de Vicente Fox, não terá condições para impor reformas estruturais frente ao Congresso mexicano, apesar de apelar a um governo de unidade nacional que poderá aliciar alguns sectores do histórico PRI.

O candidato do centro-direita alcançou apenas 36 por cento dos votos. A vantagem de Calderón sobre o líder do bloco de esquerda López Obrador cifrou-se num ponto percentual e fica bem abaixo da votação obtida por Fox há seis anos quando o primeiro político do PAN a apear o PRI da presidência conseguiu 43 por cento dos sufrágios.

Nas eleições para as duas câmaras do Congresso a coligação liderada pelo Partido da Acção Nacional, de Felipe Calderón, congregou 34 por cento dos escrutínios, mas, com as votações de 29 por cento obtidas pelas coligações hegemonizados pelo Partido da Revolução Democrática, de López Obrador, e de 27 por cento pelo PRI, de Roberto Madrazo, a actividade legislativa está condenada ao compromisso e ao impasse.

Após seis meses de campanha acrimoniosa, com semanas de polémicas pela frente sobre o apuramento de resultados, e com a tomada de posse do presidente agendada apenas para 1 de Dezembro, impõe-se, ainda, a constatação de uma acentuada polarização em que as regiões mais industrializadas do norte do México, ligadas umbilicalmente à economia norte-americana, rejeitam a estratégia «os pobres primeiro» alentada por Obrador.

Um sistema bloqueado

À eleição presidencial por maioria simples para um mandato único de seis anos está associado um sistema eleitoral misto para escolha de 500 deputados, com mandato de três anos, tal como para os 128 senadores, com seis anos de mandato. Nem deputados, nem senadores têm direito a recandidatar-se à legislatura imediatamente subsequente à conclusão dos respectivos mandatos.

Dez anos depois da última reforma que alargou a representação partidária o sistema eleitoral e institucional, concebido originalmente para maiorias esmagadoras do PRI em apoio à prática do dedazo, em que o presidente nomeava o sucessor, acaba por não legitimar politicamente um programa de reformas que só pode ser liderado pelo chefe de estado.

Todas as dificuldades que Vicente Fox enfrentou no seu mandato surgem agora agravadas. A fracassada reestruturação do monopólio estatal do petróleo e gás, Pemex, terá de aguardar pelo choque de uma improvável queda dos preços da energia. Até lá, e excluída a hipótese de privatização, a empresa continuará ineficaz - ao ponto de um país que é o quinto maior produtor mundial de petróleo ter de recorrer às importações para suprir 19 por cento do consumo interno de produtos refinados –, deficitária e a ser taxada pelo governo para obviar aos apuros orçamentais. Apesar de estarem afastados os riscos de crises financeiras semelhantes às ocorridas no início dos anos oitenta e noventa – o défice orçamental e a dívida externa equivalem apenas a 0,1 por cento e 45 por cento do PIB, respectivamente – os recursos disponíveis para os programas de redução da pobreza, que aflige 40 por cento da população, iniciados por Fox são insuficientes para obviar à hemorragia de mão-de-obra para os Estados Unidos e as remessas dos emigrantes continuarão a representar a segunda maior fonte de receitas à seguir ao petróleo.

 A persistirem os bloqueios provocados pelos interesses monopolistas em sectores como as telecomunicações e a falta de diversificação no sector exportador orientado quase exclusivamente para Estados Unidos, que absorvem 85 por cento das exportações, a economia continuará a crescer a um ritmo insuficiente para criar postos de trabalho que estanquem a emigração anual de um milhão de mexicanos e competir nos mercados internacionais.

Fox não conseguiu levar avante reformas fiscais, laborais e judiciais de fundo, nem impor uma política coerente de combate ao narcotráfico e à violência sobretudo por falta de consensos sociais e políticos suficientes.

Se Obrador tivesse ganho as eleições a situação não seria neste particular muito diferente e um presidente de esquerda tão pouco conseguiria, provavelmente, rever as disposições do Tratado Norte-Americana de Comércio Livre (NAFTA), designadamente em matéria agrícola, que se revelaram mais gravosas para o México.

Calderón surge assumidamente como um continuador de Fox, mas com uma margem de manobra e iniciativa ainda mais escassa. Não será com ele que o México sairá da camisa-de-forças que representa um sistema político herdado da ditadura perfeita do PRI, na definição paradoxal do escritor peruano Mario Vargas Llosa, que paralisa qualquer tentativa de reforma.

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