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Opinião
07 de Junho de 2006 às 13:59

Mais morto, menos morto a vitória não tarda

No Iraque, praticamente só as províncias curdas escapam ao pior da violência sectária, aos ataques terroristas e ao banditismo que provoca mais de mil mortos por mês.

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O massacre de civis por fuzileiros norte-americanos em Haditha e incidentes envolvendo «baixas colaterais» em Ishaqi e Hamandiya desencadeiam debates em Washington e evocam as piores memórias do Vietname, mas no Iraque são tidos como apenas mais actos de violência generalizada a confirmarem a crença de que as forças ocupantes desprezam toda a gente.

Os abusos de Abu Ghraib calaram fundo e a consternação do novo primeiro-ministro xiita Nuri Al Maliki pela tentativa dos militares norte-americanos alijarem responsabilidades pelo massacre de Haditha de nada vale quando sangram as divisões étnicas e religiosas e seis meses após as eleições ainda nem foi possível nomear ministros para as pastas da Defesa e do Interior.

Acresce que para o frágil governo central iraquiano – obrigado a impor o estado de emergência em Bassorá ante a incapacidade das tropas inglesas para conterem as milícias xiitas e bandos de criminosos – uma retirada militar estrangeira extemporânea implicaria o colapso, a guerra civil total e a divisão do país.

No Afeganistão, a cultura da droga alimenta as milícias provinciais, enquanto as ofensivas taliban ganham nova força esta Primavera, ante a impotência de 23 mil soldados norte-americanos e 9 mil homens da NATO. Ahmid Karzai, confinado a Cabul, viu estalarem os piores motins antigovernamentais e contra as tropas estrangeiras desde a derrota dos taliban em 2001 quando um camião militar norte-americano provocou um acidente de trânsito na semana passada.

No que resta da Somália, uma frente islamita desalojou de Mogadíscio bandos armados, alegadamente afectos a um governo federal transitório sedeado mais a norte em Baidoa, e Washington, depois de 15 anos de anarquia na antiga capital somali, manifesta preocupação ante a eventual penetração de terroristas estrangeiros.

Além da crise iraniana, das últimas ameaças terroristas no Canadá, das agruras que provocam o Hamas, Hugo Chávez ou Vladimir Putin, alguma análise lúcida sobre estas questões terá necessariamente de ter perpassado na Ponto de Situação matinal que nos últimos dias o director de Inteligência Nacional John Negroponte apresentou ao presidente George W. Bush.

Mas se uma série de desaires e revezes militares, políticos e diplomáticos põe em causa as opções estratégicas e tácticas da administração tudo indica que não há análise que obste à cegueira ideológica que degrada a imagem dos Estados Unidos.

A tortura em bolandas
 
O Departamento de Estado continua em conflito com o Pentágono que pretende omitir de um novo manual de interrogatório em campanha, as clássicas salvaguardas da Convenção de Genebra que proíbem explicitamente o «tratamento humilhante e degradante» de prisioneiros.

A polémica, que chegou necessariamente aos media, revela que a Casa Branca e o Pentágono pretendem contornar a resolução que interdita o «tratamento ou punição cruel, inumana ou degradante» de pessoas «na custódia ou sob controlo físico do governo dos Estados Unidos» adoptada o ano passado pelo Congresso a instâncias do senador republicano John McCain.

Com o apoio do presidente, que ao assinar a lei se reservou o direito de autorizar o tratamento excepcional de detidos em caso de interesse para a segurança nacional, o Pentágono argumenta que o artigo 3º da Convenção se aplica apenas a situações de «conflito armado que não apresente carácter internacional» e que insurrectos e terroristas não respeitam as leis e costumes da guerra pelo que não estão cobertos pelas salvaguardas de Genebra.

A administração pretende, assim, manter em vigor a directiva presidencial de Fevereiro de 2002 que suspendeu as garantias tradicionais de tratamento de prisioneiros de guerra no caso de detidos suspeitos de ligações à Al Qaeda, aos taliban e a grupos terroristas, alegando tratar-se de «combatentes ilegais». Os custos políticos, militares e morais que Abu Ghraib e Guantánamo acarretaram são, portanto, uma vez mais ignorados.

Uma guerra quase vitoriosa

O Pentágono, por seu turno, acaba de traçar um cenário muito pouco credível e altamente contraditório do curso da guerra no Iraque no seu relatório trimestral ao Congresso. Das conclusões controversas e não substanciadas do Departamento da Defesa conta-se a afirmação de que terroristas e combatentes estrangeiros são responsáveis pela maior parte dos ataques mais letais e dos raptos.

Apesar de admitir que o nível de violência registado este ano é o mais letal desde a queda de Saddam Hussein em Abril de 2003, devido aos conflitos sectários, actos de insurreição, terrorismo e banditismo, o relatório conclui que a formação de um novo governo permanente iraquiano «poderá ajudar a inverter» a tendência para o aumento de ataques. No entanto, prevê-se, também, que os ataques da guerrilha, maioritariamente sunita, não deverão diminuir de intensidade até ao final deste ano.

Em parte alguma do relatório surge qualquer referência ao facto das eleições legislativas terem reforçado os partidos confessionais e, consequentemente, as clivagens étnicas e religiosos entre as diversas comunidades que, em resultado, paralisam a administração central e aceleram a desagregação do estado unitário iraquiano.

O grau de confiança demonstrado na disciplina e capacidade militar do novo exército e forças policiais iraquianas, que frequentemente surgem envolvidas em actos de violência e exacções sectárias, agravadas desde o atentado de Fevereiro à Mesquita Dourada de Samarra, é, igualmente, muito pouco credível.

As referências as estimativas diversas sobre níveis de desemprego que variam entre os 18 e os 40 por cento da população são, só por si, um exemplo do fracasso sobre a capacidade em tomar pulso ao estado real das coisas e de criar condições sociais e económicas para a eventual estabilização do país.

A falta de dados sobre a alocação dos fundos de auxílio norte-americanos e internacionais torna o quadro de progressos traçado pelo Pentágono ainda mais dúbio. Depois, o simples facto de constatar que a produção de petróleo – responsável por 90 por cento das receitas do estado – se mantém nos 1,9 milhões de barris/dia, bem abaixo dos 2,6 milhões de barris/dia antes do eclodir da guerra, ou que o fornecimento de electricidade se reduz a 6 horas diárias em Bagdade e a 11 horas na média nacional, basta para provar quanto pesam a insegurança e violência generalizadas.

E, no entanto, nada disto parece importar como se de morto em morto se caminhasse para a vitória final, a retirada faseada e cordata das tropas e um regime democrático, ainda que sem data de confirmação específica. Se o Pentágono apresenta assim tais cenários aos congressistas de Washington que dirá aos seus aliados e como encarará os inimigos? O delírio ideológico é tal que nem os descalabros de Abu Ghraib ou os abusos de Guantánamo assumem importância de maior.

A confirmarem-se as expectativas eleitorais mais pessimistas que admitem a perda do controlo da Câmara de Representantes e até do Senado por parte dos republicanos nas eleições de Novembro, o mais assustador, a persistir o delírio ideológico na Casa Branca e no Pentágono, é que uma administração Bush acossada possa ainda vir a fazer pior.

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