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Gato no sofá (11_04_2008)

Luís Filipe Menezes, ninguém o nega, é um hábil líder da leal oposição a José Sócrates. Tão leal que acaba por ser desleal com a sua pretensão de ser o próximo primeiro-ministro. Isto é: a sua estratégia para derrotar o PS é a de um contra-torpedeiro que

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A leal oposição

Luís Filipe Menezes, ninguém o nega, é um hábil líder da leal oposição a José Sócrates. Tão leal que acaba por ser desleal com a sua pretensão de ser o próximo primeiro-ministro. Isto é: a sua estratégia para derrotar o PS é a de um contra-torpedeiro que se diverte a torpedear os barcos do seu próprio partido, em vez de tentar acertar no porta-aviões do Governo. É claro que Menezes está a preparar a artilharia pesada lá mais para a frente (e não nos admiraríamos se o seu trunfo surpresa para candidato à Câmara de Lisboa não fosse Fernando Seara, segundo se sussurra por aí). Há uma curiosa matiz ideológica em Menezes: não se trata do célebre conceito leninista de “um passo à frente e dois à retaguarda”. Trata-se, antes, de algo tão brilhante como a célebre “terceira via”: “um passo para o lado direito e, depois, um passo para o lado esquerdo”. A posição é, pois, inerte. E é esse o estado actual do PSD, enquanto maior partido da oposição: inerte. Menezes parece não ter um maquilhador de serviço para lhe retocar as contradições. Veja-se. Depois de pedir uma “nova Constituição” (algo que, imagina-se, cria-se da mesma forma como se muda de camisa ou se elabora um decreto-lei), de prometer uma “autonomia sem limites” para a Madeira (que pensará Menezes da “independência” do Kosovo?) e de proclamar que quer “um PSD nacional à moda da Madeira” (presume-se que para aplicar esta medida o PSD nacional vai voltar a adoptar a cor laranja), decidiu falar da nova ponte. Segundo parece, agora quer uma ponte Algés-Trafaria, “porque seria mais útil aos lisboetas” (Ferreira do Amaral não diria melhor, para salvaguardar os rendimentos da Vasco da Gama), e consegue acrescentar que a Chelas-Barreiro “não é para dar qualidade de vida aos lisboetas mas para aproximar a margem norte do novo aeroporto”. Se é para aproximar a margem norte do aeroporto de Alcochete, é para dar qualidade de vida (e de acesso) a quem? Aos alentejanos e aos algarvios? O que Menezes não vê é o mesmo que gerações de políticos não viram (o último a vislumbrar isso terá sido Duarte Pacheco, mas Salazar não assinou o cheque): que a Lisboa de qualidade é uma Grande Lisboa das duas margens do Tejo, com a criação de serviços e actividades empresariais na margem sul. Assim o trânsito deixaria de se escoar para o centro, como todos os Governos se encarregaram de alimentar. Se Menezes lesse o que escreveu o grande escritor Fialho de Almeida, no início do século XX, sobre o tema, talvez tivesse uma ideia nova sobre o assunto.

O regresso da fome

Muito se tem falado sobre o preço das mercadorias e sobre as implicações do preço do trigo, da soja ou do arroz nas contas dos países. Mas essas mercadorias servem para as pessoas concretizarem uma das actividades mais óbvias de sobrevivência: comer. A ONU já alertou para isso, ao referir que o aumento anormal dos preços dos produtos alimentares pode trazer consequências políticas imprevisíveis em muitos países, onde milhões de pessoas sem dinheiro para comprar alimentos se irão revoltar. Na Indonésia ou nas Filipinas já se registaram conflitos. Na China pode esperar-se o pior. Países como a Tailândia ou o Vietname, dos maiores exportadores de arroz do mudo, já congelaram parte das exportações. Basta ler o excelente texto de Gideon Rachman, no “Financial Times” de 8 de Abril para se perceber o que está em causa. Refere ele que “as bases da globalização económica são políticas – e essas são as maiores ameaças ao sistema”. Isso gerou um consenso político sobre os benefícios gerais da globalização. Mas se os políticos começarem a perder os argumentos a favor da globalização? “O sentimento de que os pobres perderam como resultado da globalização cresceu com o aumento do preço mundial dos alimentos. A fome – essa ameaça mais tradicional às elites dirigentes – está a regressar a muitos países que abraçaram a globalização”. É verdade. E isso faz pensar.

Surpresa do Ribatejo

Boas surpresas nos trazem os ares e as vinhas do Ribatejo através da Vale d’Algares. São vinhos muito interessantes, dentro de um projecto muito mais vasto de que, por certo, falarei aqui um dia destes mais desenvolvidamente. Para já deliciem-se com as três variedades do branco, do rosé e do tinto Guarda-Rios e do branco Vale’Algares. O tinto Guarda-Rios é, no seu aroma envolvente (fruto das castas Touriga Nacional, Syrah, Aragonês e Merlot) um verdadeiro momento de beleza vinícola. A descobrir por estes dias.

Fantástica Camille

Ao fim de alguns anos de silêncio uma das mais jovens e interessantes vozes da canção francesa, Camille, regressa com um novo disco. Chama-se “Music Hole”, um verdadeiro buraco negro sonoro onde vislumbramos uma voz estranha, ora sombria, ora viajando para as texturas de uma Bjork ou Kate Bush. Mas Camille ocupa o seu território musical com uma fúria carnal estimulante, com reflexos pop numa muito convicta área do r’n’b. É um disco que parece simples. Mas tudo isso é aparente. E delicioso.

Regresso a Nova Iorque

Há anos que queria ler “Manhattan Transfer” do escritor americano de origem portuguesa John dos Passos e finalmente comprei-o. É um livro perfeito para ler nestes dias de crise do sistema financeiro mundial. Editado no mesmo ano (1925) de “O Grande Gatsby” de Scott Fitzgerald, traz-nos um outro olhar sobre o período que antecipou a chegada da Grande Depressão de que hoje tanto se fala. Se Fitzgerald nos fala do lado individual e quase sinistro dos anos de “glamour” do sonho americano, John dos Passos fala-nos do sentimento colectivo, de alguns dos que só tiveram direito a parcas migalhas desse sonho. É um livro devastador e, ao mesmo tempo intrigante.

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