Opinião
França: beijar a bela adormecida
Emmanuel Macron tem todos os atributos de um príncipe encantado: jovem, esbelto, loiro (quase)… e foi eleito para uma missão importante: beijar a bela adormecida "França", para acordá-la de um longo e maléfico sono!
Com uma dívida pública próxima de 100% do PIB, um défice largamente superior ao de Portugal (3,4% em 2016) e uma taxa de desemprego próxima da nossa (9,7% no 4.º trimestre de 2016), a situação económica do país está longe de um conto de fadas...
Esta morosidade é, ironicamente, o principal trunfo de Macron. Num país cansado por uma década de crescimento anémico, sem ganhos de poder de compra e com a fiscalidade mais pesada da OCDE, qualquer reforma é bem-vinda. A simples esperança de uma presidência "diferente", acima dos partidos e reformista, já permitiu juntar as vozes dos líderes da confederação dos empresários e de um dos principais sindicatos de trabalhadores (o mais moderado), numa saudação entusiasmada ao recém-formado governo que conta com personalidades de direita e de esquerda, políticos e individualidades do setor privado, homens e mulheres numa estrita igualdade de números. As sondagens para as próximas eleições legislativas, de 11 e 18 de junho, confirmam esse otimismo popular: apesar de só existir há poucos meses, o partido criado de raiz por Macron está creditado de uma larga maioria absoluta.
França está finalmente pronta para mudar de século, reconhecendo que "mais Estado, mais despesa" não é solução para tudo! O novo Presidente quer promover a iniciativa privada para conseguir crescimento e dar trabalho não só aos 3 milhões de desempregados, mas também às dezenas de milhares de novos ativos que integram todos os anos o mercado de trabalho. Será que o que parecem ser boas notícias para os franceses, também são para os portugueses?
Uma economia francesa a puxar pela "carroça" europeia é, à primeira vista, positiva para os seus vizinhos. Mais crescimento em França, 3.º maior mercado para as exportações portuguesas, significa mais crescimento das nossas indústrias exportadoras: turismo, máquinas e automóveis, vestuário, vinho, etc. É provável que os primeiros efeitos sentidos em Portugal sejam positivos. Infelizmente os efeitos secundários dessa melhoria da situação francesa podem não ser… porque uma das forças da economia portuguesa está precisamente na fraqueza dos seus vizinhos!
O primeiro impacto será financeiro. Mario Draghi deixou de ter qualquer desculpa para manter negativas as taxas do BCE e continuar a comprar obrigações do Tesouro. Em breve iremos começar a ouvir falar de inversão da política monetária do BCE, com um impacto desagradável sobre o custo do nosso financiamento. O segundo impacto tem que ver com competitividade. A instalação de "call centers" e "backoffices" de bancos e empresas de serviços francesas em Portugal, os investimentos em unidades de produção na indústria automóvel ou têxtil, respondem a uma lógica comparativa dos custos totais entre várias possibilidades de implantação. A melhoria da competitividade francesa é, nesse aspeto, uma má notícia para os seus vizinhos. E, finalmente, o terceiro impacto tem que ver com atratividade, nomeadamente no que toca à instalação de reformados no nosso país. Portugal conseguiu atrair dezenas de milhares de reformados franceses que se instalaram no Algarve, em Lisboa e no Porto, à custa de uma isenção de imposto sobre as pensões de reforma recebidas. É provável que o governo francês deixe de considerar com tanta benevolência esta concorrência, um pouco desleal, quando Portugal sair do Procedimento por Défice Excessivo enquanto França ainda lá se mantém…
Este acordar francês significa que Portugal não pode dormir sobre os louros… continuar no caminho do crescimento vai ser mais difícil, necessitará ainda de mais agilidade e esforços. Depois de anos de contenção, é natural que volte a tentação de deixar fugir a despesa, do endividamento, do investimento pouco criterioso… A maçã parece saborosa, mas é na realidade venenosa!
CEO da Optimize Investment Partners
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