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Ficar na Zona Euro é racional?

Depois de nos ter sido prometido mais uma "mãe de todas as cimeiras" até já Passos Coelho deixou de acreditar nelas.

Depois de nos ter sido prometido mais uma "mãe de todas as cimeiras" até já Passos Coelho deixou de acreditar nelas. Na entrevista que deu na terça-feira à SIC Noticias o primeiro-ministro disse que as cimeiras não são o mais importante. De facto, ultimamente parecem servir sobretudo para mostrar as divisões entre países: o veto de Cameron ao plano Merkozy é mau para todos, não apenas para o Reino Unido. O facto do acordo ter sido feito num terreno puramente intergovernamental fragiliza-o. E mesmo a disciplina fiscal que se quer impor constitucionalmente demonstra que o ónus ficará estritamente nos ombros dos países (supostos) prevaricadores. Além disso, politicamente, retirar o poder fiscal dos governos, sem que isso se traduza numa democratização à escala europeia será desastroso para as democracias.

Neste momento, todos ou quase todos em Portugal defendem o "status quo", isto é, ficar na Zona Euro, a todo o custo, eu incluída. À escala europeia, a posição do Reino Unido parece destoar do que é também um consenso de manutenção da moeda única. Mas perante a sucessão de projectos liderados por Angela Merkel que revelam muito pouca visão e solidariedade Europeia, vale a pena deitarmo-nos por um momento no divã e pensarmos sobre a racionalidade desta posição.

Um dos best-sellers do momento nos EUA é um livro do psicólogo e Nobel de Economia Daniel Kahneman, chamado "Thinking, Fast and Slow" (Farrar, Strauss and Giroux, 2011). Nele o autor demonstra como muitas vezes as nossas decisões são irracionais: não são feitas tendo em conta custos e benefícios das consequências dessas acções. Em vez disso somos guiados por intuições e percepções erradas. Uma dessas percepções irracionais é a chamada "Aversão às Perdas". Custa-nos muito mais perder algo, do que nos dá satisfação ganhar essa mesma coisa. É um efeito psicológico inerente à condição humana. Favorece a manutenção do "status quo", na medida em que significa que as pessoas são avessas à mudança, esta não lhes traz tanto prazer – mesmo que lhes traga algo de idêntico ou até superior ao que tinham perdido.

Este efeito é bem conhecido também na política. Numa eleição legislativa, o governo que procura renovar o mandato ou o Presidente em busca da reeleição têm vantagem. Devido ao medo do futuro por parte dos eleitores, quem lá está terá de fazer muito pior do que quem quer ocupar o lugar pela primeira vez para que o eleitorado deposite a confiança nessa alternativa que desconhece. Também a tendência para chumbar referendos que propõem mudanças legislativas são grandes, pelas mesmas razões.

Neste momento, perante a embrulhada em que Portugal e a Europa se meteram há duas questões fundamentais. Por um lado, o problema das reformas estruturais que são necessárias em Portugal para re-adquirir competitividade e saneamento financeiro seja em que contexto for. Por outro lado, há a questão da soberania económica e política de que deveremos abdicar para nos mantermos no Euro. O plano que foi apresentado por Merkel e Sarkozy é intergovernamental e não contempla esforços da parte dos países mais ricos para uma convergência real das economias. O que pretende fazer é atar as mãos dos países para que não possam ter uma política fiscal nacional em troca de uma União Monetária desigual e sem competências centrais para fomentar a convergência.

Passos apresenta sucessivos planos de austeridade e malabarismos para manter o défice baixo, e Sócrates apresentava PECs. Mas a realidade virá ao de cima – ainda esta semana o "Público" noticiava que Portugal é o terceiro país mais pobre da Zona Euro. Sem crescimento não haverá convergência. E essa divergência faz com que o nosso futuro dificilmente possa existir dentro de uma União Monetária feita para a Alemanha e a França. A questão é que ainda não conseguimos imaginar-nos de outra forma.

Afinal de contas, quanta austeridade e erosão da democraticidade valem a manutenção do nosso "status quo" de jure de permanência na Zona Euro? É nisso que iremos pensar cada vez mais no ano de 2012. Segundo Kahneman, estaremos preparados para suster largas perdas, simplesmente por medo da mudança. Mas poderá não ser um comportamento racional.



marinacosta.lobo@gmail.com
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