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Falta de crédito

Costuma dizer-se que uma pessoa pode não ter dinheiro mas se tiver crédito consegue fazer muita coisa. É certo que hoje a palavra dada vale cada vez menos e para qualquer coisa se exigem garantias e colaterais. Mesmo assim, em muitas profissões, actividad

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Também na cena política a credibilidade, essa espécie de activo intangível das relações sociais, é fundamental. E todos sabemos como a falta dela tanto mina a actividade dos partidos e a gestão da coisa pública. Perder a credibilidade não é simplesmente um mero percalço. É muitas vezes ver-se impossibilitado de prosseguir a actividade, qualquer que ela seja. O caso dos autarcas arguidos é disso o paradigma.

Com esta realidade em mente, da monótona agenda portuguesa, retirei quatro casos recentes onde se manifesta uma franca perda de crédito.

Começo pela mais inquietante. Mais uma vez o Supremo Tribunal de Justiça consumiu-se na literatura quando devia concentrar-se na idoneidade. Agora foi a vez de um juiz justificar a diminuição de pena de um violador de menor com base num pequeno tratado do prazer homossexual e nalgumas considerações sobre a idade em que se pode ser violado sem grande trauma. Assusta saber que no topo do nosso edifício judicial estão pessoas que não são deste mundo. Mas pior do que isso é ficar-se com a sensação de que a justiça é cada vez mais uma lotaria, pois não se vê lógica nem sentido em muitas das sentenças proferidas. E uma coisa é absolutamente segura. A constante perda de crédito da justiça portuguesa não resulta das televisões mas dos tribunais.

Já no campo do patético temos Carmona Rodrigues e a sua lista para as eleições de Lisboa. É sabido como, além da malfadada Ota, o grande tema desta campanha é conseguir convencer o eleitorado de que se tem equipa capaz de arrumar a casa. Daí os cartazes com enormes carantonhas ao lado das quais se desdobram as palavras seriedade, rigor, competência. Ao incluir os principais arguidos do processo que deitou abaixo a Câmara, Carmona mostra que não percebeu nada do que lhe aconteceu. E transforma a palavra credibilidade numa anedota.

Num terreno mais sério, temos a CGTP e a sua greve parcial. Dominada pelas estratégias do PCP, um partido que já nada tem para propor e se limita à resistência, a CGTP lançou a bomba atómica sem argumentos mínimos que o justificassem. O resultado foi um fiasco total e mais um trunfo dado ao governo e ao patronato que se pretendia combater. Mas fez mais. Ao banalizar a maior arma de que dispõe a classe trabalhadora, a Intersindical inviabilizou por um longo período qualquer significativa reivindicação ou protesto por mais justos que sejam. Que crédito resta a um sindicalismo que não consegue apresentar vitórias significativas e se desgasta em derrotas consecutivas?

Numa época de forte concorrência empresarial e alta competição global, onde muitas vezes se usam os truques mais sujos e baixos como a mão-de-obra praticamente escrava, a tentação de baixar salários e diminuir os direitos dos trabalhadores é enorme. Os sindicatos poderiam e deveriam ter um papel importante na contenção de tais retrocessos civilizacionais. Mas uma visão obsoleta do mundo, da sua própria acção, e acima de tudo dos modelos de organização, impedem o sindicalismo de evoluir. A democraticidade é muito baixa, os dirigentes perpetuam-se e com eles os vícios de uma clique instalada. Muitos sindicalistas servem primeiro o partido e só depois os trabalhadores. A consequência está à vista. Os sindicatos já não têm crédito mesmo junto daqueles que dizem representar e defender.

Por fim a ópera bufa. A Quercus decidiu alinhar neste delirante debate sobre a Ota. E fê-lo da pior maneira. Considera que a Portela, esse aeroporto que é um dos maiores cancros de poluição da cidade de Lisboa, é para manter. A que acrescenta mais um outro em qualquer parte.

Os ambientalistas em todo o mundo são por natureza contra aeroportos. Trata-se de um equipamento altamente poluente, perturbador dos equilíbrios ecológicos e perigoso. Mas uma vez que eles são necessários é importante escolher o que causa menos dano ambiental. Durante bastante tempo, a Quercus acompanhou o processo e inclinou-se para a Ota. Mas, agora que as várias oposições ao governo descobriram este filão, os dirigentes da Quercus mostram que também para eles a luta política está à frente da defesa do ambiente.

As ONG são uma componente fundamental das nossas sociedades democráticas e mediáticas. O seu único capital é a credibilidade. O que significa falar sempre verdade, ser-se realmente independente dos partidos políticos e interesses e basear os argumentos em factos e dados científicos sérios. Com esta tomada de posição a Quercus mostra que não é uma ONG credível. Não por contrariar a solução Ota. Mas porque o faz com argumentos claramente desonestos contrários a qualquer estudo sério sobre o impacto ambiental do aeroporto da Portela. A Quercus defende que se continue a sujeitar diariamente mais de um milhão de pessoas a descargas poluentes constantes e a um ruído que excede em muito o permitido pela lei. Com essa atitude perde crédito em toda a parte só para satisfazer o oportunismo político de uma oposição que parece não ter mais nenhum assunto na agenda.

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