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Estimular a igualdade

Com a taxa de desemprego a aumentar nos Estados Unidos e em outros países-membros da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), a criação de postos de trabalho é um objectivo-chave para os responsáveis governamentais.

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Com a taxa de desemprego a aumentar nos Estados Unidos e em outros países-membros da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), a criação de postos de trabalho é um objectivo-chave para os responsáveis governamentais. Nos Estados Unidos, o presidente Barack Obama propôs recentemente aumentar a despesa pública em cerca de 600 mil milhões de dólares durante os próximos dois anos, com o intuito de criar mais quatro milhões de empregos. Mas Obama também deseja inverter o forte aumento da desigualdade de rendimentos (que está actualmente num máximo dos últimos 80 anos). Será possível que os governantes consigam fazer as duas coisas ao mesmo tempo?

A resposta é inequívoca: sim, é possível. Mas isso só acontecerá se se focalizarem no investimento governamental em vez de se centrarem na reforma dos seus sistemas fiscais. A lição talvez seja ainda mais poderosa para outros países desenvolvidos, como a Alemanha e a França, que consagram uma percentagem muito mais elevada do PIB a programas públicos (35% e 43%, respectivamente, em 2005) do que os Estados Unidos (apenas 25%).

Surpreendentemente, o sistema fiscal norte-americano tem um desempenho muito débil em matéria de redistribuição. Se nos basearmos nos rendimentos globais - rendimento salarial, mais-valias totais sobre o património, rendas imputadas às casas ocupadas pelos seus proprietários, benefícios estatais não-monetários e consumo público - os impostos sobre o rendimento são, de uma forma geral, progressivos.

Os impostos federais sobre o rendimento, em proporção do rendimento, aumentam gradualmente, de 2% no percentil 10 (ou seja, uma família que fique classificada em 10º lugar, entre 100, a contar de baixo) para 14% no percentil 90, mas depois cai ligeiramente para 13% no topo, reflectindo o tratamento favorável que as leis dos impostos sobre rendimentos da Administração Bush deram aos ganhos de capital e aos rendimentos decorrentes de investimentos.

Por outro lado, os encargos com a Segurança Social - que é o maior imposto para mais de dois terços das famílias - são levemente regressivos. As contribuições para a Segurança Social, em proporção do rendimento, aumentam gradualmente, de 5% no percentil 10 para 9% no percentil 80, mantendo-se nessa percentagem até ao percentil 90, para em seguida caírem drasticamente para 5% no percentil mais elevado. Esta diminuição reflecte o limite salarial (actualmente nos 102.000 dólares) que serve para o cálculo das contribuições destinadas à Segurança Social.

O encargo tributivo total para as famílias inclui também os impostos sobre vendas, que são fortemente regressivos, bem como os impostos sobre propriedades, que são progressivos. Os impostos totais sobre singulares são ligeiramente progressivos, aumentando gradualmente em proporção do rendimento, de 14% no percentil 10 para 28% no percentil 90, mas caindo depois para 22% na parte superior, devido ao tratamento favorável dado aos rendimentos associados a mais-valias e investimentos, ao "plafond" salarial que serve de cálculo para os encargos sociais e à marcada natureza regressiva dos impostos sobre vendas.

Por outro lado, as transferências públicas totais têm um efeito igualitário muito mais significativo sobre os rendimentos. As transferências monetárias, tais como a segurança social e o subsídio de desemprego, são fortemente uniformizadoras. Quando o valor dos benefícios estatais não-monetários, como o Medicaid (assistência médica às pessoas sem recursos), Medicare (regime de seguro de saúde) e Food Stamps (senhas de refeição) estão também incluídos, as transferências totais tornam-se extremamente progressivas. Em proporção do rendimento, caem de forma quase constante, de 50% no percentil 10 para 2,5% no topo.

No entanto, as despesas do Estado em bens e serviços, como a educação, as infraestruturas rodoviárias, as forças de segurança pública e as instalações sanitárias, têm também efeitos a nível distributivo, e podem ser destinadas aos beneficiários reais de uma forma semelhante à das transferências governamentais. As despesas com a educação são atribuídas com base no número de crianças em idade escolar por cada família. Os gastos com as infra-estruturas rodoviárias são alocados em função do número de carros por cada família e pela estimativa de quilómetros percorridos. Os serviços colectivos, como os corpos de bombeiros e a polícia, são distribuídos numa base per capita.

O consumo público é tão progressivo como as transferências monetárias. Em proporção do rendimento, diminui quase continuamente, de 34% no percentil 10 para 3% no topo. Os principais beneficiários da despesa pública são os pobres e a classe média.

Quando somamos as transferências estatais e o consumo público e subtraímos os impostos pagos, obtermos o montante das despesas líquidas governamentais, que são extremamente progressivas. Em proporção do rendimento, diminuem marcadamente, de 70% no percentil 10 para -16% no topo (por outras palavras, quem tem rendimentos mais elevados paga mais impostos do que aquilo que recebe de benefícios estatais). Com efeito, o ponto de cruzamento entre as despesas líquidas do Estado positivas e negativas situa-se no percentil 66. A natureza extremamente progressiva dos gastos públicos líquidos provém, de forma similar, das transferências públicas e das despesas do Estado; os impostos contribuem muito pouco.

Não são apenas os pobres que beneficiam com as despesas públicas líquidas. A classe média é também uma grande beneficiária. Entre 1959 e 2005, cerca de metade do crescimento dos rendimentos da classe média proveio do aumento dos gastos líquidos do Estado. Com efeito, entre 2000 e 2004, o aumento da despesa líquida governametal representou 150% do aumento dos rendimentos, à medida que outras fontes de rendimentos perdiam terreno. Os gastos públicos líquidos também contribuíram para reduzir as desigualidades, de uma forma geral, nesse mesmo período.

À medida que Obama e outros líderes de todo o mundo forem implementando pacotes de estímulo à economia, nos próximos meses, devem estar conscientes de que a questão dos beneficiários vai muito mais além do número de postos de trabalho criados. A despesa pública, tal como as transferências estatais, têm beneficiários reais. Se esses pacotes de relançamento da economia tiverem em conta a educação (bastante redistributiva) ou as instalações sanitárias, bombeiros, polícia e auto-estradas (medianamente redistributivos), serão capazes de criar empregos e reduzir a desigualdade em simultâneo.
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