Opinião
Escândalo político - curso intensivo
Por cá, por enquanto, não chegámos a tanto, mas em Paris o presidente da república acusa um ex-primeiro-ministro de conspirar para o caluniar com documentos falsos...
Por cá, por enquanto, não chegámos a tanto, mas em Paris o presidente da república acusa um ex-primeiro-ministro de conspirar para o caluniar com documentos falsos, ainda que o processo passe por uma acusação do ministério público sobre "cumplicidade em denúncia caluniosa", "abuso de confiança" e "utilização de documentos falsos".
Dominique de Villepin arrisca até cinco anos de prisão e uma multa de 45 mil euros se o julgamento que começou esta semana der como provado que foi cúmplice com outros quatro acusados de envolvimento numa escabrosa cabala datada dos idos de 2004, quando a sua rivalidade com Nicolas Sarkozy estava ao rubro.
Villepin chefiava então a diplomacia francesa e era o favorito do presidente. Jacques Chirac suportava a contra-gosto Sarkozy, seu ministro do interior, desde que este apoiara, em 1994, a candidatura ao Eliseu de Édouard Balladur.
Uma lista suspeita
O vice-presidente da European Aeronautic Defence and Space Company, Jean-Louis Gregorian, envolvido em disputas com outros dirigentes da empresa, aproveitou ou inspirou na ocasião a falsificação de documentos sobre um velho escândalo: as comissões e luvas pagas pela venda de fragatas francesas a Taiwan no longínquo ano de 1991.
O escândalo das fragatas fez época, contribuiu para a derrocada do governo nacionalista de Taipé e gerou inquéritos diversos sempre limitados pela invocação do segredo de estado em França.
No rescaldo 13 pessoas foram presas em Taipé, três envolvidos suicidaram-se em circunstâncias dúbias e um oficial da marinha de Taiwan foi assassinado por desconhecidos, mas em França as investigações revelaram-se inconclusivas.
Sobrou, no entanto, o apuro de que mais de 450 milhões de euros tinham sido pagos a intermediários desconhecidos.
No início de 2004 chegou às mãos de Villepin, por cortesia de Gregorian, uma lista com nomes de alegados beneficiários das luvas das fragatas. Tudo gente da alta roda, da actriz Laetitia Casta ao traficante de armas Arkady Gaydamak, passando pelo antigo presidente da Thomson Alain Gomez e políticos como Dominique Strauss-Khan e Laurent Fabius, que alegadamente figurava num rol da sociedade financeira do Luxemburgo Clearstream.
Sarkozy era um dos visados e Villepin incumbiu um antigo responsável dos serviços secretos, o general Phillippe Rondot, de abrir uma investigação ao mesmo tempo que fazia chegar à praça pública através de bem calculadas fugas de informação os nomes dos alegados abusadores do escândalo das fragatas.
A lista era uma falsificação, e um tortuoso inquérito da procuradoria acabou por acusar Villepin de ter ordenado investigações e fugas de informação, tendo conhecimento de se tratarem de documentos falsos, para comprometer Sarkozy com o intuito de conseguir a nomeação a candidato presidencial pela "União Para Um Movimento Popular" na eleição de 2007.
O açougue e o matador
Em Janeiro de 2006, quando era ainda ministro do Interior, Sarkozy constituiu-se em parte civil e fez saber de forma lapidar que queria ver pendurados num gancho de talhante os responsáveis pelas calúnias. Alegações diversas indiciam, por seu turno, que Sarkozy estava a par da manobra de Villepin, mas jogou no contra-ataque aproveitando-se da situação para passar por vítima e comprometer o então primeiro-ministro.
Na Grand Chambre do Palácio da Justiça, onde Maria Antonieta foi condenada à guilhotina em 1793, o julgamento assume todas as características de um processo político e Villepin defende-se, dizendo que agiu de boa-fé e negando qualquer envolvimento nas falsificações.
O rival de Sarkozy contesta ainda que um presidente em exercício se possa apresentar como queixoso dado que como chefe de estado preside ao Supremo Conselho da Magistratura, além de gozar de imunidade.
Sarkozy afirma, por sua vez, que, tal como outros 40 queixosos no processo, tem direito ao bom-nome e que não está acima, nem abaixo da lei.
O processo Clearstream, pode, em boa verdade, ser tido como um curso para alunos avançados em matéria de calúnia e manobra de baixa política e bem merece ser esmiuçado em Portugal pelos estados maiores partidários, Governo e Presidente, além, naturalmente, de humoristas inspirados.
Jornalista
barradas.joaocarlos@gmail.com
Assina esta coluna semanalmente à quarta-feira
Dominique de Villepin arrisca até cinco anos de prisão e uma multa de 45 mil euros se o julgamento que começou esta semana der como provado que foi cúmplice com outros quatro acusados de envolvimento numa escabrosa cabala datada dos idos de 2004, quando a sua rivalidade com Nicolas Sarkozy estava ao rubro.
Uma lista suspeita
O vice-presidente da European Aeronautic Defence and Space Company, Jean-Louis Gregorian, envolvido em disputas com outros dirigentes da empresa, aproveitou ou inspirou na ocasião a falsificação de documentos sobre um velho escândalo: as comissões e luvas pagas pela venda de fragatas francesas a Taiwan no longínquo ano de 1991.
O escândalo das fragatas fez época, contribuiu para a derrocada do governo nacionalista de Taipé e gerou inquéritos diversos sempre limitados pela invocação do segredo de estado em França.
No rescaldo 13 pessoas foram presas em Taipé, três envolvidos suicidaram-se em circunstâncias dúbias e um oficial da marinha de Taiwan foi assassinado por desconhecidos, mas em França as investigações revelaram-se inconclusivas.
Sobrou, no entanto, o apuro de que mais de 450 milhões de euros tinham sido pagos a intermediários desconhecidos.
No início de 2004 chegou às mãos de Villepin, por cortesia de Gregorian, uma lista com nomes de alegados beneficiários das luvas das fragatas. Tudo gente da alta roda, da actriz Laetitia Casta ao traficante de armas Arkady Gaydamak, passando pelo antigo presidente da Thomson Alain Gomez e políticos como Dominique Strauss-Khan e Laurent Fabius, que alegadamente figurava num rol da sociedade financeira do Luxemburgo Clearstream.
Sarkozy era um dos visados e Villepin incumbiu um antigo responsável dos serviços secretos, o general Phillippe Rondot, de abrir uma investigação ao mesmo tempo que fazia chegar à praça pública através de bem calculadas fugas de informação os nomes dos alegados abusadores do escândalo das fragatas.
A lista era uma falsificação, e um tortuoso inquérito da procuradoria acabou por acusar Villepin de ter ordenado investigações e fugas de informação, tendo conhecimento de se tratarem de documentos falsos, para comprometer Sarkozy com o intuito de conseguir a nomeação a candidato presidencial pela "União Para Um Movimento Popular" na eleição de 2007.
O açougue e o matador
Em Janeiro de 2006, quando era ainda ministro do Interior, Sarkozy constituiu-se em parte civil e fez saber de forma lapidar que queria ver pendurados num gancho de talhante os responsáveis pelas calúnias. Alegações diversas indiciam, por seu turno, que Sarkozy estava a par da manobra de Villepin, mas jogou no contra-ataque aproveitando-se da situação para passar por vítima e comprometer o então primeiro-ministro.
Na Grand Chambre do Palácio da Justiça, onde Maria Antonieta foi condenada à guilhotina em 1793, o julgamento assume todas as características de um processo político e Villepin defende-se, dizendo que agiu de boa-fé e negando qualquer envolvimento nas falsificações.
O rival de Sarkozy contesta ainda que um presidente em exercício se possa apresentar como queixoso dado que como chefe de estado preside ao Supremo Conselho da Magistratura, além de gozar de imunidade.
Sarkozy afirma, por sua vez, que, tal como outros 40 queixosos no processo, tem direito ao bom-nome e que não está acima, nem abaixo da lei.
O processo Clearstream, pode, em boa verdade, ser tido como um curso para alunos avançados em matéria de calúnia e manobra de baixa política e bem merece ser esmiuçado em Portugal pelos estados maiores partidários, Governo e Presidente, além, naturalmente, de humoristas inspirados.
Jornalista
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