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12 de Fevereiro de 2009 às 11:44

Ensino superior: a reforma e a poluição sonora

Não parece questionável que, no essencial, se procedeu a uma reforma da legislação que regula o sistema de ensino superior, excepção feita aos estatutos da carreira docente, peça essencial do processo de reforma.

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Não parece questionável que, no essencial, se procedeu a uma reforma da legislação que regula o sistema de ensino superior, excepção feita aos estatutos da carreira docente, peça essencial do processo de reforma. Outra questão é saber se efectivamente se procedeu à reforma do sistema de ensino superior, já que a reforma da legislação não foi antecedida, como devia, da definição de uma estratégia nacional para a educação superior a exemplo do que sucedeu em Espanha.

Seja como for, produzida a legislação, é evidente que a sua implementação não é imediata. Vai-se concretizando a diferentes velocidades, de instituição para instituição. Exemplo disso é o facto de em algumas instituições decorrerem já os processos para eleição dos novos titulares dos órgãos enquanto outras ainda não viram os seus estatutos homologados, pese embora haver já decorrido cerca de um ano e meio desde a aprovação do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES).

Em todo o caso, a reforma do sistema de ensino superior há-de passar, essencialmente, pela reforma das instituições: modelo de governo, de organização e de responsabilização; pela reforma das carreiras docentes: modelo de ingresso na carreira, progressão e avaliação; pela reforma do sistema nacional de avaliação: modelo de avaliação de instituições e cursos e respectivas consequências.

A reforma há-de passar, porém e primeiro que tudo, pela interiorização por parte do sistema de ensino (instituições, enquanto colectivo de pessoas, docentes, alunos e funcionários não docentes, individualmente consideradas) de que os fins subjacentes à sua criação pelo Estado foram os da satisfação de necessidades públicas e não o de interesses próprios das corporações.

Digo isto a propósito do ressurgir do discurso fundamentalista sobre a distinção entre ensino universitário e ensino politécnico e a defesa de que este seja reconduzido à filosofia que presidiu à sua criação no início dos anos 70, do século passado.

Recordemos, por isso, as circunstâncias em que surgiu, em Portugal, o ensino superior politécnico.

Em 15 de Janeiro de 1970, no discurso de tomada de posse como ministro da Educação, Veiga Simão apontou como tarefa principal do seu ministério a reforma do sistema educativo. No quadro que então traçou, Veiga Simão afirmou que o nível de ensino mais carecido de reforma era o universitário porque "o sistema vigente atingiu o ponto de ruptura, e não queremos assistir, como principal responsável, à sua total desagregação". Como refere Rómulo de Carvalho, em História do Ensino em Portugal, "a sua existência, tal como se apresentava, afigurava-se-lhe inútil, pois para o ministro, a missão da Universidade é a formação de cientistas e de técnicos".

Foi a convicção de que as universidades seriam incapazes de dar resposta às necessidades do País que criou as condições para o aparecimento do Ensino Superior Politécnico. Volvidos quase cinquenta anos, alguns responsáveis de universidades, ao invés de concentrarem as suas energias no desenvolvimento do ensino, da investigação e da transferência e valorização económica do conhecimento, justificando assim o financiamento que reclamam, exigem do poder político a demarcação de territórios de formação entre universidades e politécnicos, "catálogos" de cursos universitários e politécnicos (no preciso momento em que a Espanha, o único país do Espaço Europeu que tinha a tipificação legal dos cursos a abandonou): reserva de formações de 2º ciclo e, porque não, a manutenção originária e exclusiva do poder de conferir o grau de doutor, reúnam ou não os requisitos científicos e pedagógicos para o efeito. Trata-se de ruído para abafar a reforma.

Não nos restam dúvidas que Portugal precisa de um sistema binário de formações, o que não significa que precise de um sistema binário de instituições. Portugal precisa de instituições de ensino superior de muita qualidade que desenvolvam as actividades que tiverem competências para desenvolver, chamem-se universidades ou institutos. Não é preciso ir muito longe para o perceber. Na nossa vizinha Espanha, que partilha connosco o espaço ibérico, em 2005, a percentagem da população com idade entre os 25 e os 64 anos com um diploma de ensino superior era de 28 %, ao passo que a de Portugal era de 12%. Para obter quase o triplo dos resultados Espanha não necessitou de um sistema binário de instituições.

E de acordo com recentes projecções da OCDE, em 2025, a percentagem da população com idade entre os 25 e os 64 anos com um diploma de ensino superior estimada para Portugal é de 18 % enquanto a de Espanha é de 45 %.

Se quisermos vencer o desafio da qualificação dos cidadãos temos que encontrar novas respostas, apostar nas instituições de ensino superior mais dinâmicas, sejam elas universidades ou institutos politécnicos, apostar na sua qualificação dar-lhes as condições objectivas para que possam constituir-se numa força de mudança indiferentes à poluição sonora que tentará impedi-la.
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