Opinião
Desemprego de licenciados, uma leitura para além dos números
De acordo com dados divulgados pelo INE, no quarto trimestre de 2007 o número de licenciados desempregados atingiu os 65.600. As causas que têm sido apontadas para um tão elevado número de licenciados no desemprego, seja por responsáveis políticos, seja p
Essa será, creio também, uma das causas, mas não é seguramente a única e não será, segundo julgo neste momento, a causa principal do crescimento do número de licenciados no desemprego.
A meu ver, haverá pelo menos três causas para este agravamento e esta será, apesar de tudo, a que terá menos relevância. Vejamos.
A primeira poderá ter que ver, de facto, com o desajustamento da oferta de formação em relação à procura por parte do mercado. Esta situação será particularmente sensível em relação aos jovens licenciados nos cursos de formação de professores, cursos vocacionais que formam jovens para ser professores, numa altura em que o Estado, o seu principal empregador, reduziu drasticamente a contratação de docentes sem ter regulado a oferta de vagas aos cursos de formação de professores, e tem tido uma política activa de encerramento de Escolas, nomeadamente do 1º ciclo do ensino básico e tarda em dar cumprimento ao alargamento da rede do pré-escolar.
A segunda não pode deixar de estar relacionada com as dificuldades económicas que o país atravessa, o reduzido crescimento da nossa economia e o encerramento de empresas, a que se juntam as limitações do Governo à entrada de novos funcionários da administração pública seja por via da sua proibição expressa, seja por via do aumento da idade de aposentação.
O aumento da idade da reforma, ao retardar a renovação dos funcionários actuais, tem como inevitável consequência o aumento do desemprego jovem, incluindo-se neste o aumento do desemprego dos jovens licenciados.
Uma terceira razão, previsível e prevista, mas que não foi acautelada, é consequência directa e inevitável da forma como em Portugal foi implementada a adequação ao chamado Processo de Bolonha. Aliás, fenómeno idêntico verificou-se nos países que como Portugal, que não cuidaram dos efeitos colaterais da reforma, ao contrário, por exemplo do que está a fazer a vizinha Espanha.
Como é sabido, os cursos de licenciatura em Portugal tinham até à publicação do Decreto-Lei nº 74/2006 a duração de 4 e 5 anos. Com a adequação a Bolonha passaram a ter a duração regra de 3 anos, ou seja reduziram, em regra, em 1 ou em 2 anos a sua duração. Por outro lado, nos termos em que o processo de transição foi regulado, e em que, de facto, veio a processar-se, os alunos dos então cursos de licenciatura de 4 e 5 anos viram a conclusão das suas licenciaturas ser antecipadas em um ou dois anos.
Ou seja, em período de crise económica e ao mesmo tempo que foi alargada a idade de reforma travando a renovação do emprego, por via da forma como foi implementado o Processo de Bolonha, concluíram a licenciatura duas a três vezes mais alunos do que os que a teriam concluído de outro modo. No quadro descrito, o resultado só poderia ser o aumento do número de jovens licenciados desempregados, que demorará, naturalmente, a ser absorvido pelo mercado, mas que é, em boa parte, induzido por um fenómeno conjuntural que não é replicável.
Esta reflexão parece-me útil, porque ligar o fenómeno do aumento do número de jovens licenciados no desemprego exclusivamente ou como causa principal ao desajustamento da oferta de formação por parte das instituições de ensino superior, pode levar à tomada de decisões que poderão ser gratas à opinião pública mas serão pouco rigorosas.
É uma reflexão que me parece útil partilhar em tempos propícios a decisões mediáticas, que colhem junto da opinião pública, mesmo que esse apoio resulte de erro grave sobre a realidade.