Opinião
Emoções à flor do cérebro
A imprensa escrita hoje não é apenas um espaço de transferência unilateral de informação e ideias entre quem escreve e quem lê. Com a Internet e a blogosfera os leitores são também comentadores e a imprensa tornou-se num espaço de debate. É nesse espírito
A imprensa escrita hoje não é apenas um espaço de transferência unilateral de informação e ideias entre quem escreve e quem lê. Com a Internet e a blogosfera os leitores são também comentadores e a imprensa tornou-se num espaço de debate. É nesse espírito que o artigo de hoje se insere.
O artigo de há duas semanas - "Neuroeconomia: confusão ou revolução?" - suscitou em vários leitores uma reacção comum: Não será que a neurociência foi (por mim) subvalorizada dado o artigo ser omisso quanto ao impacto da neurociência, por exemplo, no marketing?
O objectivo do artigo foi questionar a importância da neurociência na ciência económica enquanto ciência positiva, ou seja, enquanto ciência que descreve e explica fenómenos económicos, recorre à modelização dos mesmos, e testa teorias. Neste sentido, sugeri que a neurociência poderia contribuir para a construção de melhores modelos económicos, sem com isso pôr em causa os fundamentos de racionalidade que são o pilar da ciência económica. Assumo a omissão no artigo da importância da neurociência para uma ciência económica normativa, ou seja, para uma ciência onde imperam julgamentos normativos sobre o que deve ser feito ou que políticas deverão ser implementadas para atingir certos objectivos. A não referência da importância da dimensão normativa da neurociência justifica que tenha relegado para posteriores artigos uma discussão da relevância do chamado neuromarketing. Vejamos no presente artigo alguns exemplos das implicações da neurociência na área financeira e no marketing.
É sabido que os investidores não seguem totalmente os princípios económicos racionais aquando do processo de tomada de decisão, sendo em grande parte influenciados por emoções. Por exemplo, a ansiedade relacionada com a possibilidade de perdas leva à escolha sub-óptima de activos financeiros de menor risco, assim como a uma compra exagerada de seguros. Por outro lado, a excitação associada a possíveis ganhos conduz, em geral, a escolhas e comportamentos de maior risco financeiro (por exemplo, jogar no casino). O estudo de Kuhnen e Knutson mostra que a antecipação de perdas e ganhos está relacionada com actividade neuronal que ocorre em diferentes regiões do cérebro e a activação destas diferentes regiões pode levar a uma alteração nas preferências quanto ao risco. Isto pode explicar o facto dos casinos rodearem clientes com pequenas lembranças, comida barata, bebidas gratuitas e potenciais jackpots. A antecipação de ganhos leva a uma actividade neuronal que pode conduzir a um aumento na probabilidade dos indivíduos optarem por escolhas de maior risco. A mesma lógica, embora inversa, aplica-se as estratégias de marketing das companhias de seguro. Estas procuram potenciar comportamentos de aversão ao risco.
E hoje, é também sabido que imagens positivas, nomeadamente imagens eróticas estimulam a região cerebral relacionada com os ganhos. Sendo assim, não é de estranhar que estas imagens sejam associadas à venda de diversos produtos, como automóveis ou que estejam também presentes em casinos.
Num outro estudo, aos indivíduos é pedido que escolham entre produtos que se diferenciam no preço. Imagens da actividade cerebral destes mesmos indivíduos mostram uma correlação elevada entre as diferentes áreas de actividade neuronal e os diferentes produtos escolhidos. A observação da actividade cerebral permitiu prever de forma mais precisa as escolhas efectuadas, comparativamente ao uso de escolhas expressas por questionários.
Não é de todo negligenciável a importância da neurociência no marketing. Mais do que a construção de modelos que permitem uma melhor compreensão do processo de decisão económica, o que está aqui em jogo é uma utilização da neurociência para o aumento de lucros das empresas através de estratégias de publicidade mais eficazes. Mas certamente que utilização de imagens da actividade cerebral para a construção de uma publicidade potencialmente manipulativa suscita certamente questões éticas.
Knutson, B., Rick, S., Wimmer, G. E., Prelec, D., Loewenstein, G. (2007). Neural predictors of purchases. Neuron, 53, 147-157.
Kuhnen, C. M., & Knutson, B. (2005). The neural basis of financial risk-taking. Neuron, 47, 763-770.