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18 de Março de 2009 às 12:03

E Portugal irá a Durban?

Pelo título poderia ser uma peroração sobre as hipótese de Portugal chegar às meias-finais do Mundial de Futebol e calhar-lhe em sorte jogar a 7 de Julho de 2010 no estádio Moses Mabhiba, em Durban, mas, lamentavelmente...

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Pelo título poderia ser uma peroração sobre as hipótese de Portugal chegar às meias-finais do Mundial de Futebol e calhar-lhe em sorte jogar a 7 de Julho de 2010 no estádio Moses Mabhiba, em Durban, mas, lamentavelmente, envolve uma questão mais pedestre que tem a ver com racismo e questões de princípio.

Na ausência de debate em Portugal sobre a matéria, convém começar por lembrar que a Segunda Conferência da ONU Contra o Racismo está agendada para 20/24 de Abril em Genebra, no seguimento do conclave de 2001 na África do Sul, na capital do KwaZulu-Natal.

Perseguições e discriminações
A ONU visa fazer neste encontro, dito Durban II, o ponto da situação sobre formas de combate a actos de racismo, discriminação racial, xenofobia e formas diversas de intolerância.

O Comité que organiza a conferência emana do Conselho de Direitos Humanos da ONU, criado em 2006 em substituição da Comissão do mesmo nome, e é presidido por uma representante da Líbia.

Na qualidade de entidade subsidiária da assembleia-geral da ONU, o Conselho, que integra 47 representantes nacionais, apresenta recomendações e avaliza o respeito pelos Direitos Humanos nos 192 Estados da organização.

Da actual composição do Conselho sobressaem Estados como Angola e Madagáscar, China e Arábia Saudita, Rússia e Eslovénia, Cuba e Brasil, Canadá e Alemanha, num quadro heterogéneo que compreende, ainda, a África do Sul, a Índia, o Chile e a França.

Um consenso entre Estados tão distintos sobre matérias de princípio é dificilmente concebível, mas o problema com a conferência de Genebra é que ela venha a replicar e ampliar o ocorrido há oito anos em Durban quando as condenações retóricas de práticas históricas de colonialismo e racismo se transformaram numa denúncia sumária das políticas seguidas por Israel, ignorando outros Estados responsáveis por idênticos abusos. Durban II ameaça seguir pelo mesmo caminho. A documentação encontra-se disponível no "site" do evento http://www.un.org/durbanreview2009/index.shtml e conviria lê-la com atenção, sobretudo por cá, onde se opina só porque sim.

Israel e outros maus
O último documento preparatório da Declaração Final, datado de 23 de Janeiro, apresenta pontos altamente controversos e discriminatórios.

Em matéria de "difamação religiosa" são expressamente destacados os preconceitos contra o Islão e omitidas ocorrências de perseguições a demais crenças.

A condenação do extermínio nazi dos judeus, tida como elemento crítico para a prevenção de actos de genocídio, tem o destaque devido, a par de outras referências à discriminação racial de povos indígenas ou a advertência quanto a práticas ofensivas dos direitos humanos relativas a emigrantes ou minorias como os ciganos e, nestes declarações genéricas, será possível definir um consenso.

Como acontece com qualquer declaração genérica, descontando o dito napoleónico de que compromissos sobre princípios são sempre aceitáveis já que não obrigam ninguém, o problema de fundo tem a ver com o seu aproveitamento político.

Por vezes, aspectos aparentemente pouco relevantes de magnos documentos internacionais, como aconteceu em Helsínquia em 1975, podem vir a revelar-se politicamente explosivos.

Na Declaração de Helsínquia o articulado sobre o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais, considerado aspecto menor do Acordo que reconhecia as fronteiras europeias advindas da II Guerra, acabou por ser utilizado por dissidentes na zona soviética, com apoio dos Estados ocidentais, para subverter a legitimidade dos regimes comunistas.

No caso de Durban II a questão está centrado em torno da proposta de texto sobre os parágrafos relativos ao "Médio Oriente", a única região a merecer destaque particular.

Apenas as políticas israelitas nos territórios ocupados são objecto de extensa condenação, sem que qualquer outra vertente regional de abusos e opressões seja tida em consideração.


Boicote-se!

Independentemente da justificação para condenar as políticas de Israel em relação aos palestinianos, a ausência de parágrafos semelhantes quanto a outros conflitos e discriminações de contornos similares, no Sri Lanka ou na Birmânia, sem referir curdos ou uigurs, inquina, no mínimo, a lógica e a economia de texto da Declaração.

Razões políticas, invocando a questão israelo-palestiniana, tornaram-se pretextos mais do que suficientes para alguns Estados decidirem boicotar Durban II.

Os Estados Unidos vão faltar à conferência, tal como o Canadá, a Itália e, inevitavelmente, Israel. A Austrália e a Alemanha admitem boicotar o encontro caso não ocorram alterações substanciais ao texto de resolução.

Uma nova proposta não-oficial em discussão foi entretanto apresentada pelo representante russo e, segundo indica o jornal parisiense "Le Monde", opta por eliminar referências expressas a Israel e à "difamação de religiões" que passa a ser enquadrada em termos genéricos como "incitação à discriminação" seja através de apelos ao ódio nacional, racial ou religioso.

Em contrapartida, tal como no documento aprovado em 2001, desapareceria a condenação de formas de discriminação ligadas à "orientação sexual".

Estes são dos dados da polémica que corre ainda o seu curso até que entre 15 e 17 do próximo mês, quando reunir pela última vez o Comité Preparatório da Conferência, seja definida a proposta final de Declaração.

Seria interessante saber o que se pensa em Portugal pelas bandas da governação e das oposições sobre a matéria.

Uma Declaração que venha a estatuir princípios genéricos sem enquadramento jurídico, como a "difamação de religiões", ignorando a discriminação por "orientação sexual" e referindo expressamente de forma condenatória responsáveis por determinados conflitos, ao mesmo tempo que exclui demais intervenientes e ignora situações similares, não merece nem credibilidade, nem apoio político.

Seria, pois, sensato que o Estado português não se comprometesse com uma Declaração da ONU politicamente inquinada.

Jornalista
barradas.joaocarlos@gmail.com
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