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Deixemos que os países em desenvolvimento governem

A crise actual está longe de se tornar numa desvantagem para as nações em desenvolvimento, pois estas passarão a ter uma participação muito maior nas instituições que regem a globalização económica. Assim que a poeira assente, a China, a Índia, o Brasil, a Coreia do Sul e mais uma mão cheia de outras nações "emergentes" estarão aptas a exercer uma maior influência na forma como são geridas as instituições económicas multilaterais e estarão numa melhor posição para impulsionar reformas que reflectem os seus interesses.

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Existem duas razões para isto – e estão interligadas. Em primeiro lugar, a crise financeira enfraqueceu os Estados Unidos e a Europa. Eles não quererão, ou não poderão, continuar a assumir o tipo de liderança que sustentou o multilateralismo nas décadas que se seguiram à Segunda Guerra Mundial. As nações em desenvolvimento terão que dar um passo em frente para colmatarem esta lacuna.

Em segundo lugar, o peso e a importância relativos das nações em desenvolvimento na economia global aumentaram ainda mais. Muitas das principais instituições financeiras ocidentais – as que não foram nacionalizadas –, bem como algumas importantes empresas do sector industrial, vão continuar à mercê do capital da China e dos Estados do Golfo. Em termos comerciais, a actual ronda de negociações globais demonstrou que se as nações ricas quiserem que as nações em desenvolvimento cooperem, terão de as deixar reformular as regras do jogo.

Para tirarem o melhor partido deste novo cenário, as nações em desenvolvimento terão de ter bem claros os seus interesses e prioridades. Assim sendo, o que devem procurar?

Em primeiro lugar, deveriam pressionar para que se implementem novas regras que tornem menos prováveis as crises financeiras e menos severas as suas consequências. Quando deixados entregues aos seus próprios mecanismos, os mercados financeiros globais concedem demasiado crédito a um preço excessivamente barato nos períodos faustos e muito pouco crédito nos períodos difíceis. A única resposta eficaz reside na gestão dos capitais de forma contra-cíclica: desencorajar os empréstimos estrangeiros nas fases de expansão económica e evitar a fuga de capitais nas fases de depressão económica.

Assim, em vez de franzir o sobrolho à ideia do controlo de capitais e de apelar à abertura financeira, o Fundo Monetário Internacional (FMI) deveria ajudar activamente estes países a implementarem essas políticas. Deveria também ampliar as suas linhas de crédito de emergência para agir mais na qualidade de credor de último recurso junto das nações em desenvolvimento atingidas pela crise financeira.

A crise é uma oportunidade para alcançar uma maior transparência em todas as frentes, incluindo ao nível das práticas bancárias em países ricos que facilitam a evasão fiscal nas nações em desenvolvimento. Os cidadãos abastados do mundo em desenvolvimento praticam anualmente uma evasão fiscal superior a 100 mil milhões de dólares nos seus próprios países, graças a contas bancárias em Zurique, em Miami, em Londres e noutros lugares. Os governos dos países em desenvolvimento deveriam solicitar e receber informação sobre as contas dos seus cidadãos.

As nações em desenvolvimento também deveriam impulsionar um imposto Tobin – um imposto sobre as transacções globais em moeda estrangeira. Fixado num nível suficientemente modesto – digamos, 0,25% –, um imposto com estas características teria poucos efeitos adversos sobre a economia global e poderia mesmo ser uma fonte considerável de receitas. No pior dos casos, os custos de ineficiência seriam mínimos; no melhor dos casos, o imposto desencorajaria a excessiva especulação de curto prazo.

As receitas obtidas – que facilmente ascenderiam a centenas de milhares de milhões de dólares por ano – poderiam ser investidas em bens públicos globais, como o apoio ao desenvolvimento, vacinas contra doenças tropicais e o uso de tecnologias mais ecológicas no mundo em desenvolvimento. As dificuldades administrativas associadas à implementação de um imposto Tobin não são insuperáveis, desde que todos os grandes países avançados estejam de acordo. Seria então possível conseguir que os centros financeiros "offshore" cooperassem, sob a ameaça de serem isolados.

Os países em desenvolvimento também precisam de garantir a noção de "espaço de planeamento de políticas" na Organização Mundial do Comércio (OMC). O objectivo seria assegurar que as nações em desenvolvimento conseguem empregar o tipo de políticas comerciais e industriais necessárias para reestruturarem e diversificarem as suas economias e dotarem-se de um quadro propício ao crescimento económico. Todos os países que se globalizaram de forma bem sucedida recorreram a esse tipo de políticas, muitas das quais (como os subsídios, regras de conteúdos em produtos de origem nacional, engenharia inversa de produtos patenteados) não são actualmente permitidas nos termos das normas da OMC.

O espaço de planeamento de políticas também é necessário para garantir que os importantes objectivos sociais e políticos – tais como a segurança alimentar – são compatíveis com as normas internacionais do comércio. O argumento das nações em desenvolvimento deveria ser que o reconhecimento destas realidades económicas e políticas não debilita o regime comercial global nem o torna mais susceptível ao proteccionismo, mas sim mais saudável e mais sustentável.

Contudo, com o aumento de poder vem o aumento de responsabilidades. As nações em desenvolvimento deverão mostrar-se mais abertas e mais receptivas às preocupações legítimas existentes nos países ricos e mais dispostas a contribuir para o pagamento das despesas de alguns bens públicos globais. Os países em desenvolvimento que exportam capitais deveriam estar dispostos a aceitar uma maior transparência no funcionamento dos fundos de riqueza soberanos e comprometerem-se a não os usarem para fins políticos. As maiores nações em desenvolvimento – China, Índia e Rússia – vão ter de assumir parte da responsabilidade da redução das emissões de gases com efeito de estufa.

Da mesma forma, as nações em desenvolvimento têm de compreender que o espaço para o planeamento de políticas é uma via com dois sentidos. Em países como os Estados Unidos, onde a classe média recolheu poucos benefícios da globalização nos últimos 25 anos, a política comercial estará submetida a uma forte pressão para que esta situação seja, de alguma maneira, revertida. O presidente recém-eleito, Barack Obama, fez da luta da classe média um dos temas centrais da sua bem sucedida campanha eleitoral. Nos últimos tempos, o seu principal conselheiro económico, Larry Summers, tem evocado os efeitos nefastos da globalização sobre os trabalhadores.

Não é muito proveitoso para os países em desenvolvimento agitarem o espectro do proteccionismo cada vez que for expressado este tipo de preocupações. A realidade política e económica requer uma abordagem mais cooperativa e com mais "nuances". Os países em desenvolvimento deveriam recusar o óbvio proteccionismo comercial, mas deveriam também estar dispostos a negociar para evitarem disputas regulatórias em áreas como padrões laborais e tributação corporativa. Isto é do seu próprio interesse no longo prazo. Sem o apoio das classes médias das nações ricas, será difícil manter um regime comercial internacional tão aberto como aquele que temos tido nos últimos anos.

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