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25 de Fevereiro de 2009 às 13:00

De repente, lá longe, enquanto a Europa dormia...

O Irão colocou em xeque europeus, russos e chineses ao assinar um acordo para aumentar as suas compras de gás natural ao Turquemenistão e ao fornecer assistência para a exploração de jazidas na Ásia Central.

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O Irão colocou em xeque europeus, russos e chineses ao assinar um acordo para aumentar as suas compras de gás natural ao Turquemenistão e ao fornecer assistência para a exploração de jazidas na Ásia Central.

O acordo, anunciado durante uma visita do presidente Gurbanguly Berdymukhamedov a Teerão no último fim-de-semana, contempla o fornecimento de 10 mil milhões de metros cúbicos de gás ao Irão, elevando para 18 mil milhões de metros cúbicos as compras anuais iranianas.

O preço de compra não foi divulgado, mas deverá rondar os 340 dólares por mil metros cúbicos - ao nível dos contratos feitos entre a Rússia e os clientes europeus - aceites no ano passado pela Gazprom russa para aquisições ao Turquemenistão e ao Cazaquistão.

Teerão irá igualmente participar na exploração das jazidas de Yolotan-Osman Sul no leste do Turquemenistão e, neste particular, a relevância do acordo é ainda maior.


O ascendente do Turquemenistão
Os resultados da primeira prospecção desta jazida por uma consultora ocidental, a britânica Gaffney Cline & Associates Ltd., foram divulgados em Outubro e indiciam a existência de reservas de 6 triliões de metros cúbicos (considerando mínimos de 4 triliões a máximos de 14 triliões de metros cúbicos), o equivalente às reservas provadas dos Estados Unidos, as sextas maiores do mundo.

O Turquemenistão ascenderá, assim, ao topo da lista de produtores, tornando-se na quarta maior potência do gás natural, numa altura em que os contratos celebrados para vendas à Rússia, China e Irão absorvem 150 mil milhões de metros cúbicos da sua produção.

O Irão, que possui as terceiras maiores reservas provadas a seguir à Rússia e praticamente a par do Qatar, importa directamente gás de Ashgabat desde a abertura em 1997 do gasoduto Korpezhe - Kurt Kui.

Devido às necessidades de consumo interno e às dificuldades em financiar a exploração das jazidas de Pars Sul, no Golfo Pérsico, as maiores do mundo, estimadas em cerca de 33 triliões de metros cúbicos e partilhadas com o Qatar, a capacidade de exportação do Irão é limitada.
Teerão ganha neste contrato com Ashgabat mais argumentos para fazer valer o projecto de exploração de Pars e a sua possível rota de fornecimentos à Europa, via Golfo Pérsico, através da Turquia.


O trunfo do Irão
O Irão conseguiu, ainda, limitar a importância dos gasodutos Turquemenistão-Afeganistão-Paquistão-Índia, e, sobretudo, condiciona a viabilidade do adiado projecto Nabucco (via Turquia e assente, essencialmente, em fornecimentos do Azerbeijão e Turquemenistão), além de pôr em causa o gasoduto de inspiração russa South Stream no Mar Negro.

O ganhador absoluto no xadrez do gás natural é o Turquemenistão (72,3 mil milhões de metros cúbicos produzidos em 2007), que se torna num fornecedor incontornável capaz de prover o cliente chinês e as insuficiências de produção da Rússia e do Irão.

Para a União Europeia, dependente da Rússia em 40% das suas importações de gás natural, e para os Estados Unidos, outro mentor do projecto Nabucco, a importância acrescida do Turquemenistão e do seu parceiro iraniano representa um dilema considerável.

A aprovação do Acordo Interino de Comércio com Ashgabat, bloqueado desde 2006 pelo Parlamento Europeu devido a violações de direitos humanos, tornou-se uma questão urgente para a União Europeia, que, conforme defende a Comissão em Bruxelas, terá de reforçar os contactos com o Turquemenistão para diversificar as suas fontes de abastecimento energético.
Para portugueses e espanhóis, a argumentação em prol de uma base europeia de depósitos de gás natural liquefeito ganha mais pontos, mas de pouco vale num contexto global em que os principais trunfos moram na Ásia Central. Enquanto a Europa dormia, a geopolítica deu uma reviravolta.


Jornalista
barradas.joaocarlos@gmail.com
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