Opinião
Coordenação económica precisa-se
Portugal tem fraquezas reconhecidas em qualquer destas áreas, mas dispõe actualmente de um nível de rendimento que o situa entre os países desenvolvidos.
O investimento público tem uma velha tradição entre nós de ser visto como um instrumento de política conjuntural, com timings e, por vezes, conteúdos mais ligados às conveniências do ciclo político que à resolução dos problemas económicos, sejam eles estruturais ou conjunturais. É, por isso, muito escassa a credibilidade de um plano de investimentos públicos como mecanismo de relançamento da economia, sobretudo quando ela sofre de problemas estruturais sérios e quando esses investimentos suscitam dúvidas a respeito da sua capacidade para os resolver. De resto, o próprio governo tinha criado expectativas de uma nova visão do crescimento, assente num «plano tecnológico», que rapidamente se arrisca a transformar-se em mais um nariz de cera da nossa cena político-mediática.
Não faço parte daqueles que acreditam que todas as despesas públicas apenas servem para tirar o lugar a gastos privados mais eficientes. Infelizmente, a experiência portuguesa confirma amplamente que o sector privado, quando protegido da concorrência, é tão ineficiente quanto o público. O que fará crescer a economia não é, por isso, simplesmente a transformação de gastos públicos em privados, que se limite a redistribuir algumas das muitas rendas existentes, mas a exposição efectiva à concorrência das diversas actividades que têm conseguido evitá-la.
Este princípio ajuda a perceber a importância do redireccionamento do investimento público e não só no que respeita à prioridade ao plano tecnológico. Na verdade, o que importa é redireccionar a economia - implicando todo o investimento, público e privado - no sentido de a tornar apta a concorrer num mercado global em que as actividades menos exigentes em capital físico e, sobretudo, humano vão deslocar-se para os países em desenvolvimento. Neste contexto, cabe aos países desenvolvidos um papel fundamental não só em matéria de investigação científica e inovação, mas também em termos de logística e de coordenação de actividades produtivas e de captação de mercados espalhados por todo o mundo.
Portugal tem fraquezas reconhecidas em qualquer destas áreas, mas dispõe actualmente de um nível de rendimento que o situa entre os países desenvolvidos. Está, por isso, perante uma escolha que não pode mais iludir: ou melhora as suas capacidades, ou recua (muito) no seu nível de rendimento. O aumento do proteccionismo corresponderia à forma mais dramática de concretizar a segunda alternativa. Para optar pela primeira tem, todavia, que rapidamente coordenar os seus esforços nesse sentido - get its act together, no feliz coloquialismo inglês. Essa é uma característica que claramente tem faltado à actuação do governo e que a eficácia comunicativa do primeiro ministro não consegue suprir.
Uma primeira manifestação dessa falha surgiu com o Programa de Estabilidade, a que faltou qualquer esboço de política económica de médio prazo capaz de fundamentar a retoma, não obstante ser esta essencial à própria lógica da estabilização financeira programada. Depois dele, o programa de investimentos públicos apenas conseguiu reforçar a ideia de que, não obstante os progressos noutras áreas da governação (educação, saúde, justiça, administração interna), falta, nas áreas económicas (finanças, economia, obras públicas e, cada vez mais, trabalho e ambiente), um esforço de coordenação que lhes garanta enfoque, credibilidade e eficácia.
Um ponto essencial desse enfoque teria de consistir em dedicar - e não apenas por palavras - as finanças e o investimento públicos a incentivar a eficiência, tanto do sector público como do privado.
Em termos concretos, isso implicaria por exemplo, a nível das finanças públicas, compromissos muito bem definidos quanto a metas para as despesas públicas e para a evolução da fiscalidade. O efeito combinado da ausência de definição de uma política económica de médio prazo com a perspectiva de medidas adicionais de pura restrição orçamental, caso o cenário optimista do Programa de Estabilidade não se concretize, levaram já a que o debate parlamentar se desviasse para a possibilidade de novas subidas de impostos. Em vez de sublinhar o compromisso do governo com a estabilização orçamental, a criação dessa expectativa dissuade o investimento privado e compromete o crescimento.
O plano de investimentos públicos não consegue, pelo seu lado, atenuar esse efeito e tende até a acentuá-lo. Também aqui há exemplos concretos: o eclipse do plano tecnológico é um deles; o outro é o renascer do TGV e da Ota, sem estarem integrados naquilo que realmente importa nesta área e que é o desenvolvimento de uma capacidade logística da economia portuguesa que permita aos seus sectores transaccionáveis integrarem-se eficientemente na economia europeia e global. O confronto nestas matérias com países como a Espanha ou a Irlanda é elucidativo do que continua a faltar-nos em matéria de capacidade estratégica, eternizando a discussão estéril dos ajustamentos conjunturais e dos expedientes orçamentais.
Um programa estratégico do tipo do que a economia portuguesa exige não é trabalho para três ou quatro meses. Mas a opinião pública tem, pelo menos, que perceber que o governo tem consciência dessa necessidade e é capaz de se coordenar para lhe dar resposta. Até agora, não só essa percepção não foi criada, mas até alguma expectativa que chegou a existir, começa a esfumar-se.