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14 de Julho de 2011 às 15:16

Contribuição sobre o sector bancário

A nova contribuição do sector bancário sofre dos males de outras alterações fiscais. Fica a ideia de que a procura constante de receita fiscal, leva a opções que colidem com princípios fiscais fundamentais.

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Passadas duas semanas sobre a data limite de pagamento da nova contribuição sobre o sector bancário (CSB), importa analisar algumas questões fiscais que ainda permanecem.

O Orçamento de Estado para 2011 (OE 2011) criou o regime da CSB, que teve como duplo propósito reforçar o esforço fiscal do sector financeiro e mitigar os riscos sistémicos que lhe estão associados.

Esta lei foi criada em moldes semelhantes aos que já existiam noutros Estados membros da União Europeia (UE) e teve a sua origem em vários aspectos discutidos na Cimeira de Pittsburg de Setembro de 2009 e no conselho ECOFIN de 18 de Maio de 2010, onde se afirmou que deveria ser o sector financeiro a "pagar" os encargos por ele próprio gerados, através da criação de um "imposto sobre bancos". Alguns estados da UE, como sejam a Alemanha e Suécia, decidiram, inclusivamente, que as receitas provenientes da CSB seriam afectas a Fundos de Resolução de Crises administradas por organismos independentes. Em Portugal, as receitas geradas pela CSB destinam-se ao orçamento geral do Estado, não sendo objecto de alocação específica.

A nova lei estabeleceu que são sujeitos passivos da CSB os bancos e as instituições de crédito sedeados em Portugal, bem como as sucursais em Portugal de bancos e instituições de crédito com sede fora da UE. Não foi criado qualquer regime de crédito de imposto para bancos nacionais que tenham de pagar contribuição semelhante noutros países, nomeadamente por aí possuírem sucursais.

Esta lei determinou que a taxa da contribuição extraordinária deveria variar entre 0,01% e 0.05% do passivo apurado, deduzido de fundos próprios de base ou complementares e dos depósitos abrangidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos. E, por outro lado, seria devida a taxa entre 0.0001% e 0.0002% dos valores nacionais dos instrumentos financeiros derivados fora de balanço.

No entanto a lei, determinou que a base de incidência, bem como as taxas a aplicar, as regras de liquidação, cobrança e liquidação seriam fixadas em Portaria do Ministro das Finanças, ouvido o Banco de Portugal.

O Governo de então justificou o facto de ser remetido para portaria a regulamentação deste regime, por aguardar a definição por parte da UE dos moldes do novo imposto sobre a banca, passando claramente a ideia de que as bases essenciais do imposto estariam por definir.

De acordo com a Constituição, os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes. O princípio constitucional da reserva de lei traduz a limitação ao exercício das actividades administrativas e jurisdicionais do Estado, vedando nas matérias a ela sujeitas, quaisquer intervenções normativas, a título primário, de órgãos estatais não legislativos (Governo).

Ora, ao remeter para Portaria a regulamentação da base de incidência e das taxas a aplicar a este novo regime, o Governo parece ter reservado para si o poder de legislar sobre aspectos essenciais deste novo imposto, nomeadamente quanto à definição exacta da sua base de incidência, bem como as taxas a aplicar, embora, neste caso, as respectivas balizas tivessem sido definidas pelo OE 2011.

Adicionalmente, muitas dúvidas têm surgido quanto ao respeito pelo princípio, também constitucional, da não retroactividade dos impostos, dado que, sendo a CSB um imposto anual, esperava-se que o mesmo entrasse em vigor a 1 de Janeiro de 2011, ou seja que fosse aplicado aos passivos contraídos ou existentes no exercício de 2011.

De facto, a referida portaria veio estabelecer no seu artigo 6.º nº 2 que a "base de incidência…é calculada por referência à média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas aprovadas no próprio ano em que é devida a contribuição". Ora, se a contribuição se destina a ser paga já em 2011, como na prática sucedeu, então as contas aprovadas neste ano são as que se referem ao ano de 2010. Assim, importa apurar se o referido princípio constitucional proíbe, ou não, a criação de um imposto que tributa passivos contraídos em exercícios anteriores.

De notar ainda que o espírito que presidiu esta contribuição adicional foi o de criar um imposto incidente sobre os passivos contraídos no âmbito da actividade bancária.

Porém, de acordo com o artigo 3.º da Portaria, a CSB incide sobre "o passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos…". Adicionalmente, o artigo 4.º concretiza a quantificação da base de incidência, determinando que "…entende-se por passivo o conjunto de elementos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representem dívidas para com terceiros…".

Ou seja, parece que a CSB incide sobre todos os passivos existentes no balanço dos bancos que representem dívidas para com terceiros, independentemente da natureza a que se reportem. Assim, passivos por impostos, fornecedores, encargos com pessoal, parecem constituir base de incidência para a CSB, ficando assim por explicar a conexão com o risco sistémico que se pretende acautelar.

Outra dificuldade que se coloca respeita ao próprio reconhecimento contabilístico da CSB. Deverão os sujeitos passivos reconhecer dois encargos de imposto em 2011 associado à CSB? Um referente à CSB paga em 2011 sobre os passivos de 2010, e outro sobre a estimativa da CSB a pagar em 2012 referente aos passivos de 2011?

Em todo o caso, e pese embora estas dúvidas quanto à conformidade com a Constituição, o sector bancário procedeu ao respectivo pagamento da CSB no passado mês de Junho, o que, naturalmente, não inibe os direitos de contestação previstos na lei.

Concluindo, a nova CSB sofre dos males de outras alterações fiscais recentes, ficando a ideia de que, nos dias que correm, a situação de crise que o país atravessa, a procura constante por parte da Administração Tributária do aumento de receita fiscal, leva a opções legislativas que colidem com princípios fiscais fundamentais e que, muitas vezes, implicam que as matérias sejam discutidas pelos contribuintes na barra dos tribunais.

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