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30 de Novembro de 2004 às 14:50

Como desmantelar uma bomba atómica

Tinha pressa para governar e depressa se desgovernou. É inédito ver, ao fim de tão pouco tempo, tantos sinais de desgaste. Ao fim de quatro meses temos ministros a falarem de perseguição pela imprensa, cartas e comunicados acintosos, remodelações, ruptura

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Tinha pressa para governar e depressa se desgovernou. É inédito ver, ao fim de tão pouco tempo, tantos sinais de desgaste. Ao fim de quatro meses temos ministros a falarem de perseguição pela imprensa, cartas e comunicados acintosos, remodelações, rupturas, falta de harmonia, de solidariedade, de coordenação.

Estes quatro meses foram um concentrado de governação, com mais fases que luas: começou pelas baixas expectativas, passou brevemente pela surpresa das decisões corajosas, degenerou para a inabilidade comunicacional, esmoreceu na fase de vitimização e chegou à fase da pena. De ter pena dele. Já nem dá para fazer humor, só dá para ter pena. E Santana é o primeiro a pedi-la: começou por dizer que as críticas eram sintoma de democracia, depois disse-se vítima e perseguido, agora já diz que é traição.

O Governo não está em decomposição, está em autodestruição. A falta de rumo, de estratégia, de lealdade tornou a governação um mero exercício de gestão do poder. Não é a comunicação social que é inimiga do Governo. É o PSD que é inimigo do PSD. É ele a sua própria oposição. Enquanto isso, o PS assiste tranquilo à autofagia.

Se dúvidas houvesse, elas ficaram esclarecidas no Congresso do PSD, onde o partido da oposição foi o PP. O PSD minou o campo da governação e o facto de o caminho ser percorrido a dois até parece circunstancial: se o Governo fosse unipartidário, estariam as coisas melhor? Duvido. É como a história da rã e do escorpião – está na natureza deste picar aquela, assim morrendo ambos a meio do rio que atravessam juntos.

No caso do Governo, os sequazes estão todos no mesmo barco e abrem um buraco no casco para se afundarem uns aos outros – e a si mesmos. O barco, tragicamente, chama-se Governo da República. E por isso diz respeito a todos.

Afunda Santana, faz uma amona ao país e submerge o trabalho de alguns bons ministros que têm nadado à margem do fratricídio.

É de facto pena que pelo caminho se possa perder a energia positiva de ministros como António Mexia – e há outros – que entraram como leões e não mirraram para sendeiros.

Mas há uma pena maior: a de que esta possa ter sido uma oportunidade perdida para uma nova geração de governantes que, dizia-se e esperava-se, vinha quebrar paradigmas e combater inércias. Há o risco de confundir o flop do Governo com o flop de movimentos como o Compromisso Portugal.

A verdade é que, agora, a velha geração começa a ocupar as primeiras páginas dos jornais, num orgulhoso e até ressabiado regresso à ribalta, ocupando a cadeira de mestres a falar de aprendizes. Falam dos "políticos actuais" com desdém e, como os há de facto desdenháveis, corre-se o risco de ver colada na testa de todos os da nova geração a etiqueta de fedelhos incompetentes. Porque os da velha geração falam deste Governo como se fossem garotos.

E ao anunciar a "Geração Portugal", Santana generalizou e tornou-se o seu emissário falhado. Agora, a velha geração ameaça voltar e todos estão de braços abertos para ela.

Santana não errou como governante, mas sim como líder. Como líder de um governo, como líder de uma coligação e como líder de um partido. E agora que a família está toda zangada, o primeiro-ministro gostaria de ter uma segunda oportunidade. Adoraria poder voltar ao início do jogo e recomeçar tudo. Mas em política não há muito espaço dá para aprender com os erros.

Haverá ainda espaço para evitar o colapso de um Governo que nem ao Natal chegue? Há. Mas precisa de uma solução radical, que passa por pôr ordem no partido e no Governo, persistir no trabalho que tem sido bem feito, levar-se a si mesmo a sério e deixar de governar para a imprensa – não se preocupem connosco, nós aparecemos na mesma!

O Presidente da República até será cooperante com este plano para desmantelar uma bomba atómica. Mas duvido que Santana, pelas reacções ziguezagueantes que vem tendo, saiba fazê-lo.

Esta morte lenta do Governo é, efectivamente, triste.

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