Opinião
Cinzas de demagogia na crise aérea
Na resposta à crise aérea europeia prevaleceu uma resposta inicial marcada pela extrema cautela que está a ser criticada de forma demagógica. As autoridades nacionais seguiram as directivas da Organização Internacional da Aviação Civil (ICAO) e...
Na resposta à crise aérea europeia prevaleceu uma resposta inicial marcada pela extrema cautela que está a ser criticada de forma demagógica.
As autoridades nacionais seguiram as directivas da Organização Internacional da Aviação Civil (ICAO) e interditaram voos em áreas onde fossem detectadas nuvens de cinza vulcânica.
O Volcanic Ash Advisory Center de Londres integrado nos serviços meteorológicos do Reino Unido, que monitoriza a área inicialmente atingida pela erupção do Eyjafjallajokull, cumpriu as suas funções e alertou para o risco o Eurocontrol de Bruxelas, a entidade intergovernamental que agrega 38 estados do continente.
As decisões de interdição dos espaços aéreos são, por sua vez, responsabilidade das diversas autoridades nacionais.
O centro de Londres, que é um dos nove pólos de observação criados pela ICAO nos anos 90 para localizar e seguir o movimento de cinzas de cinzas vulcânicas na sequência de avarias graves ocorridas com aviões comerciais atingidos por partículas, recorreu para o efeito aos dados disponibilizados por observações via satélite e vulcanólogos e através de modelos matemáticos definiu áreas de risco.
As indicações do centro de Londres referem apenas a localização e previsível movimento das nuvens de cinza, sendo omissas quanto à concentração de partículas.
Risco grave sem especificação precisa
A ICAO não define qual a densidade de partículas vulcânicas na atmosfera consideradas perigosas para a aviação, classificando apenas a sua mera presença como "risco grave", mas todos os fabricantes especificam uma exposição zero de concentração para segurança dos motores, estruturas e sistemas dos aparelhos que não dispõem, aliás, de dispositivos para detectar nuvens de cinza.
Voos de teste, medições através de laser são outras formas de medição das concentrações de cinzas que estão a ser utilizadas para determinar com a maior precisão possível o risco para a aviação, mas, a imponderabilidade da pluma de cinza da erupção da Islândia, a presença de partículas vulcânicas a diversas altitudes e a variabilidade dos ventos obrigam a impor restrições de voo.
As declarações do director-geral da Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA) Giovanni Bisignani ao criticar os governos europeus pelo recurso a "um modelo teórico" para decidirem interditar o tráfego em vez de se "basearem em factos e na ponderação de risco" são consequentemente infundadas.
Numa situação de catástrofe súbita, diferente, portanto, da pandemia de gripe A/H1N1 de 2009 cuja potencial gravidade levou ao recurso à vacinação generalizada que se veio a revelar eficaz, mas porventura desproporcionada face ao riscos reais de infecção que redundaram em pouco mais de 14 mil mortes confirmadas pela Organização Mundial de Saúde, a crise aérea europeia implicou uma reacção imediata que só poderia orientar-se pelas regras da ICAO, privilegiando imperativos de segurança.
Imperativos de segurança
O agravamento da crise no fim-de-semana e os protestos das companhias de aviação ante uma situação economicamente insustentável obrigaram a União Europeia a definir na segunda-feira uma regra comum que apenas obriga os 27: uma zona interdita, outra de segurança com avaliações de seis em seis horas e uma terceira de tráfego normal.
Os chefes-executivos de algumas companhias, como, por exemplo, Willie Walsh da British Airways defendem, contudo, que a decisão de autorização de voo seja da responsabilidade de cada empresa, seguindo o modelo norte-americano.
Na ausência de uma autoridade aérea única no espaço europeu, nem sequer agregando a UE, é inviável adoptar tal modelo, mas desta crise constata-se que, conforme reconhece a ICAO, apesar de existir um sistema de alarme eficaz para riscos de voo falta um plano efectivo e compreensivo de contingência que tenha em conta imperativos de segurança e os prejuízos económicos inerentes à interdição do espaço aéreo.
Tal carência é, aliás, extensiva a outros riscos de catástrofe súbita, designadamente nas áreas de cibersegurança e fluidez de tráfego na internet, e nesta crise evidencia-se desde logo a necessidade de maior coordenação na totalidade do espaço europeu, a começar pelos estados da UE.
A decisão da maior parte dos estados europeus de interditarem total ou parcialmente os seus espaços aéreos ante riscos significativos para a aviação civil dificilmente determináveis com precisão face aos meios existentes é, portanto, justificada e as críticas de boa parte das companhias aéreas e da IATA denotam precipitação e evidenciam desconsideração pelas advertências de segurança da ICAO.
Desde logo as críticas das companhias aéreas, cuja própria existência depende do acatamento máximo de imperativos de segurança reconhecidos internacionalmente, devem ser vistas como marcação de terreno para a próxima fase da crise: a negociação de subsídios estatais para compensação de prejuízos.
Jornalista
barradas.joaocarlos@gmail.com
Assina esta coluna semanalmente à quarta-feira
As autoridades nacionais seguiram as directivas da Organização Internacional da Aviação Civil (ICAO) e interditaram voos em áreas onde fossem detectadas nuvens de cinza vulcânica.
As decisões de interdição dos espaços aéreos são, por sua vez, responsabilidade das diversas autoridades nacionais.
O centro de Londres, que é um dos nove pólos de observação criados pela ICAO nos anos 90 para localizar e seguir o movimento de cinzas de cinzas vulcânicas na sequência de avarias graves ocorridas com aviões comerciais atingidos por partículas, recorreu para o efeito aos dados disponibilizados por observações via satélite e vulcanólogos e através de modelos matemáticos definiu áreas de risco.
As indicações do centro de Londres referem apenas a localização e previsível movimento das nuvens de cinza, sendo omissas quanto à concentração de partículas.
Risco grave sem especificação precisa
A ICAO não define qual a densidade de partículas vulcânicas na atmosfera consideradas perigosas para a aviação, classificando apenas a sua mera presença como "risco grave", mas todos os fabricantes especificam uma exposição zero de concentração para segurança dos motores, estruturas e sistemas dos aparelhos que não dispõem, aliás, de dispositivos para detectar nuvens de cinza.
Voos de teste, medições através de laser são outras formas de medição das concentrações de cinzas que estão a ser utilizadas para determinar com a maior precisão possível o risco para a aviação, mas, a imponderabilidade da pluma de cinza da erupção da Islândia, a presença de partículas vulcânicas a diversas altitudes e a variabilidade dos ventos obrigam a impor restrições de voo.
As declarações do director-geral da Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA) Giovanni Bisignani ao criticar os governos europeus pelo recurso a "um modelo teórico" para decidirem interditar o tráfego em vez de se "basearem em factos e na ponderação de risco" são consequentemente infundadas.
Numa situação de catástrofe súbita, diferente, portanto, da pandemia de gripe A/H1N1 de 2009 cuja potencial gravidade levou ao recurso à vacinação generalizada que se veio a revelar eficaz, mas porventura desproporcionada face ao riscos reais de infecção que redundaram em pouco mais de 14 mil mortes confirmadas pela Organização Mundial de Saúde, a crise aérea europeia implicou uma reacção imediata que só poderia orientar-se pelas regras da ICAO, privilegiando imperativos de segurança.
Imperativos de segurança
O agravamento da crise no fim-de-semana e os protestos das companhias de aviação ante uma situação economicamente insustentável obrigaram a União Europeia a definir na segunda-feira uma regra comum que apenas obriga os 27: uma zona interdita, outra de segurança com avaliações de seis em seis horas e uma terceira de tráfego normal.
Os chefes-executivos de algumas companhias, como, por exemplo, Willie Walsh da British Airways defendem, contudo, que a decisão de autorização de voo seja da responsabilidade de cada empresa, seguindo o modelo norte-americano.
Na ausência de uma autoridade aérea única no espaço europeu, nem sequer agregando a UE, é inviável adoptar tal modelo, mas desta crise constata-se que, conforme reconhece a ICAO, apesar de existir um sistema de alarme eficaz para riscos de voo falta um plano efectivo e compreensivo de contingência que tenha em conta imperativos de segurança e os prejuízos económicos inerentes à interdição do espaço aéreo.
Tal carência é, aliás, extensiva a outros riscos de catástrofe súbita, designadamente nas áreas de cibersegurança e fluidez de tráfego na internet, e nesta crise evidencia-se desde logo a necessidade de maior coordenação na totalidade do espaço europeu, a começar pelos estados da UE.
A decisão da maior parte dos estados europeus de interditarem total ou parcialmente os seus espaços aéreos ante riscos significativos para a aviação civil dificilmente determináveis com precisão face aos meios existentes é, portanto, justificada e as críticas de boa parte das companhias aéreas e da IATA denotam precipitação e evidenciam desconsideração pelas advertências de segurança da ICAO.
Desde logo as críticas das companhias aéreas, cuja própria existência depende do acatamento máximo de imperativos de segurança reconhecidos internacionalmente, devem ser vistas como marcação de terreno para a próxima fase da crise: a negociação de subsídios estatais para compensação de prejuízos.
Jornalista
barradas.joaocarlos@gmail.com
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