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13 de Setembro de 2006 às 13:59

Bush e as oportunidades da propaganda

Num tortuoso passe de propaganda George Bush tenta fazer do «combate ao terrorismo» o tema político central da campanha eleitoral para o Congresso, mas, ...

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Num tortuoso passe de propaganda George Bush tenta fazer do «combate ao terrorismo» o tema político central da campanha eleitoral para o Congresso, mas, independentemente dos problemas que possa colocar à oposição democrática, a Casa Branca persiste numa estratégia nefasta que sapa a legitimidade dos Estados Unidos e compromete os aliados.

A campanha engendrada pelo estratego Karl Rove traz à ribalta a ameaça do «islamo-fascismo» e exalta a luta contra as «trevas da tirania e terror» que jura subordinar-se ao estrito respeito pela lei e a Constituição em prol da liberdade e segurança.

Como mensagem simplista para fitos eleitorais é, desde logo, um artifício portentoso para amarrar à Casa Branca os congressistas republicanos em apuros e ansiosos de se distanciarem da desaprovação recorde do presidente nas vésperas da votação de Novembro.

Os democratas apostados na exploração do impasse iraquiano, das memórias de Katrina, da alta da gasolina, dos escândalos do antigo líder da Câmara Tom DeLay, enquanto avivam os receios das mortgage moms e reivindicam o aumento do salário mínimo federal num contexto de crescimento económico, acabam, de novo, obrigados a um debate sobre a ameaça do terrorismo e a segurança nacional.

Uma matéria que as sondagens deste Verão indicavam ter vindo a cair na hierarquia das preocupações do eleitorado ante as apreensões quanto à economia e à guerra no Iraque (cada vez menos vista como frente da luta antiterrorista apesar do presidente afirmar que a segurança da nação depende do desfecho da «batalha nas ruas de Bagdad») é assim puxada para a primeira linha graças ao privilégio presidencial de marcar a agenda política.

A manobra é inteligente, perversa e arriscada, mas chega, provavelmente, demasiado tarde para salvar a maioria republicana na Câmara de Representantes - mesmo que talvez seja possível garantir o controlo do Senado - e poupar a Casa Branca a dois anos de desgaste num confronto com um Congresso hostil.

Um debate arriscado

O Congresso de Washington começou assim esta semana a discussão do compromisso possível com a Casa Branca que possa levar à criação de tribunais militares para julgar os «combatentes inimigos» detidos em Guantánamo na sequência do acórdão do Supremo Tribunal do passado mês de Junho.

Na agenda os congressistas têm, ainda, o eventual alargamento de poderes de monitorização e escuta de chamadas telefónicas de cidadãos norte-americanos para o estrangeiro no âmbito da vigilância antiterrorista da Agência Nacional de Segurança, igualmente condenado por um tribunal federal em Agosto.

Finalmente, está em análise a proposta de lei concedendo à CIA poderes para interrogatório coercivo de suspeitos de terrorismo, garantindo, ainda, imunidade retroactiva a responsáveis por eventual uso de tortura na luta anti-terrorista desde 2001.

Potenciais candidatos presidenciais como o senador republicano John McCain propõem desde já que os tribunais militares que venham a julgar suspeitos de terrorismo recusem, como defende a Casa Branca, testemunhos não juramentados e obtidos sob coacção e que os réus tenham acesso a todas as provas apresentadas pela acusação.

Outras propostas subscritas por republicanos e democratas admitem que sejam presentes a julgamento testemunhos não juramentados e obtidos sob coacção, desde que não tenha implicado actos de tortura, e que provas tidas como classificadas pela acusação sejam apenas divulgadas aos advogados de defesa sob compromisso de confidencialidade.

O estatuto dos tribunais a aprovar pelo Congresso para julgar os detidos de Guantánamo, conforme requerido pelo Supremo Tribunal, dificilmente se conformará aos desejos da administração Bush. Politica e legalmente esgotou-se, assim, o tempo em que a Casa Branca podia pretender manter detidos por tempo indefinido e sem assistência legal os suspeitos de terrorismo acantonados em Guantánamo e nas prisões secretas da CIA no estrangeiro.

Como evitar que julgamentos públicos sob inevitável escrutínio internacional descambem em fiascos judiciais, manipulações legais ou plataformas de propaganda radical islamita, é uma questão essencial que a urgência do calendário eleitoral pode comprometer.

As questões que levantam os «procedimentos alternativos» de interrogatório por parte da CIA, classificados sumariamente pelo presidente como «duros», mas «seguros, legais e necessários», revelam-se ainda mais delicadas.

Se o Exército acaba de excluir expressamente na última versão do seu «Manual de Interrogatório» a «tortura» e «tratamentos cruéis e degradantes» nos termos das Convenções de Genebra, independentemente do estatuto legal do prisioneiro, a Casa Branca pretende garantir à CIA o privilégio de recorrer a métodos «duros».

A definição explícita dos métodos «duros» porá necessariamente em causa a argumentação teorizada por Alberto Gonzales, o mentor legal de Bush, nomeado Procurador-Geral em Fevereiro de 2005. O Congresso de Washington não admitirá a tese aventada por Gonzales de que «prisoneiros não-combatentes» de nacionalidade estrangeira possam ser sujeitos a técnicas de interrogatório «não-letais» proibidas pela legislação nacional e internacional desde que se encontrem fora de território norte-americano.

Depois dos abusos de Abu Ghraib, reconhecidos pelo Pentágono, torna-se igualmente claro que Bush nunca poderá levar avante o seu objectivo de conseguir que o Congresso legisle no sentido de interditar a «terroristas capturados» o direito de processarem judicialmente nos Estados Unidos militares e funcionários civis norte-americanos com base nas Convenções de Genebra.

O tema é demasiado sensível e a formulação da Casa Branca por demais ambígua para que eventuais abusos possam ser sumariamente ignorados. As crescentes fugas de informação oriundas de responsáveis e agentes da CIA e do FBI sobre alegadas objecções operacionais e de princípio quanto ao recurso à tortura em operações clandestinas são sinal de preocupação institucional e ecoam as resistências que Rumsfeld encontrou no Pentágono levando-o a ceder quanto à aplicação das tradicionais leis da guerra.
 
O fim da presidência abusiva

O sistema judicial norte-americano foi pondo em causa a pretensão da Casa Branca de colocar fora da jurisdição dos tribunais os chamados «combatentes inimigos» e a directiva presidencial de Janeiro de 2002 de que as Convenções de Genebra não se aplicam na luta anti-terrorista.

Os poderes extraordinários que se arrogou o presidente em matéria de segurança nacional estão a ser gradualmente contestados (como é exemplo a polémica sobre o carácter obrigatório de autorizações de tribunais especiais para monitorizações e escutas telefónicas nos Estados Unidos de cidadãos norte-americanos suspeitos de terrorismo) e as consequências fazem-se sentir.

Bush viu-se obrigado a reconhecer os programas secretos de detenções da CIA, ainda que continuem no escuro as «extradições extraordinárias», ou seja a entrega de suspeitos às autoridades de estados que aplicam a tortura para obtenção de informações sob orientação de agentes norte-americanos.

Obrigada a ceder às pressões do sistema judicial, dos altos comandos militares e a um número crescente de responsáveis das agências de segurança e informação a Casa Branca tenta transformar concessões inevitáveis em trunfo eleitoral, mas é muito possível que o debate político lhe possa vir a correr de forma desfavorável.

Para grande número de governos e largos sectores da opinião pública de países democráticos aliados de Washington persiste o desconcerto ante os argumentos de que práticas ao arrepio da lei internacional e contrárias à própria Constituição norte-americana são o aríete necessário na «longa guerra contra o terrorismo» que continua a confundir perigos distintos em nome da «luta pela civilização».

Ao eleitorado norte-americano calha em sorte dois meses de propaganda orquestrada por Karl Rove, sob o mote «Só Nós Fazemos Frente Ao Terror», para tentar ultrapassar o desencanto com Bush e alentar as esperanças dos candidatos republicanos fiéis ao presidente.

Os imponderáveis da guerra no Iraque, as consequências imprevisíveis de atentados terroristas e o eventual acerto ou desacerto do Partido Democrático em argumentar no Congresso e em campanha sobre direitos constitucionais e política de segurança vão pôr à prova o passe de propaganda do «cérebro de Bush» que dificilmente repetirá os triunfos de 2002 e 2004.

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