Opinião
Bonés vermelhos vs. gorros cor-de-rosa
A crónica de Frederico Moreno, o enviado da Antena 1 a Washington para acompanhar a tomada de posse de Donald Trump.
Washington transformou-se num campo de batalha política. Não na Câmara dos Representantes ou no Senado, como seria de esperar. Mas, sim, nas ruas e avenidas da capital norte-americana.
Primeiro, os republicanos. Viajaram até à casa do inimigo, D.C., um distrito que deu apenas 4,1% dos votos a Donald Trump. Vieram assistir à consagração do novo presidente: "conduzi 14 horas para chegar até aqui. Viemos de longe, do Missouri", afirma, sorridente, Kellyanne, de boné na cabeça. "Se Washington não quiser festejar connosco, então será uma vergonha para eles". A cidade encheu-se de automóveis com matrículas dos chamados 'estados vermelhos': Carolina do Sul, Kentucky, Tennessee… Uma procissão para ver o milagre da vitória de Trump.
Muitos portugueses também vibraram. Na pequena cidade de Manassas, a 50 quilómetros de Washington, também conhecida como 'Little Portugal', existe uma comunidade lusa, com aproximadamente mil emigrantes. "A maioria está com Trump", refere Rui, o dono do 'Expresso', um restaurante português, onde não falta o café, o bacalhau e a cerveja, que nos transportam imediatamente para o outro lado do Atlântico. Alguns dos portugueses até conseguiram convite para a cerimónia de juramento, no Capitólio. O empresário da construção, Carlos Simões, nos Estados Unidos há mais de 40 anos, assume a preferência: "acho que vai ser como quando tivemos o Reagan. Trump é um homem que percebe do negócio. Quem está contra ele, é quem tem andado a viver à custa do Governo".
Será que as aptidões empresariais vão ser determinantes para o sucesso de Donald Trump? O administrador do Banco Mundial, Nuno Mota Pinto, tem dúvidas. Este português, que diariamente percorre os corredores do edifício-sede do Banco Mundial, no coração de Washington, considera que fazer política não é a mesma coisa que fechar negócios. "O mundo da política interna, da política internacional e da economia global não é uma mera transacção de soma zero. Há outros factores, assim como princípios e valores que limitam as acções dos políticos." A estratégia da Administração Trump para a área económica parece assentar em duas ideias: a redução dos impostos pagos pelas empresas e o lançamento de um plano de infraestruturas. "É um bocado como colocar a economia americana em esteróides", refere Nuno Mota Pinto. "Se, a curto prazo, aumenta o potencial de crescimento, a médio, longo prazo, pode criar um problema de défice", admite.
Mas o grande problema de Donald Trump são outros números: os quase 66 milhões de eleitores que não votaram nele, em Novembro passado. Em particular, as mulheres. Depois do famoso 'grab them by the pussy', quase 500 mil manifestantes encheram as ruas de Washington para, como referiram algumas, 'grab him by the balls' (agarrar Trump pelos… colarinhos). O sentimento foi de descompressão. Um protesto que acabou por reunir crianças, muçulmanos, LGBT, negros, entre outros, e que serviu para deitar cá para fora todo o desânimo acumulado deste a noite eleitoral. Elas contra ele. As vaias tornaram-se quase ensurdecedoras, no momento em que a manifestação passou mesmo em frente ao Trump International Hotel, na famosa Avenida Pensilvânia. A polícia formou um cordão de segurança para impedir o acesso às portas douradas do luxuoso edifício. Marcia, uma das manifestantes, lembrou: "Trump pode ser milionário, dono de um império. Mas agora trabalha para nós, para o povo norte-americano. Agora existem formas de ser despedido".
Quer fique na Casa Branca 8 anos, 4 anos, ou menos do que isso, Donald Trump já conquistou um lugar num dos clubes mais exclusivos do planeta. Na National Portrait Gallery, localizada no Museu de Arte Smithsonian, estão expostos os retratos de todos os antigos presidentes dos Estados Unidos. Desde o velhinho George Washington, de cabelo branco, num quadro a óleo de 1795, até George W. Bush, sentado num sofá, camisa azul e sorriso nos lábios. "Custa a crer que, um dia, Trump também fará parte desta colecção de quadros", lamenta o jovem afro-americano Joe, encolhendo os ombros. "Para mim, será um desperdício de tinta, mas temos de aceitar: é a democracia".