Opinião
20 de Junho de 2012 às 23:30
Boletim de notas da cimeira do Rio
As universidades são a casa de legiões de estudantes e académicos dispostos a solucionar problemas práticos nas suas comunidades e países. As empresas, pelo menos as boas, sabem que não podem prosperar e motivar os seus trabalhadores e consumidores a não ser que sejam parte da solução.
Uma das mais importantes revistas científicas do mundo, Nature, publicou, ainda antes do início da Cimeira Rio 20, um boletim de notas sobre a implementação dos três grandes tratados assinados na Cimeira da Terra de 1992: alterações climáticas: reprovado; diversidade biológica: reprovado; e combate à desertificação: reprovado. Pode a humanidade evitar continuar a ser chumbada?
Há pelo menos uma geração que sabemos que o mundo precisa de mudar de rumo. Em vez de alimentar a economia mundial com combustíveis fósseis, é necessário impulsionar o uso de energias alternativas, como a energia eólica, solar e geotermal. Em vez de caçar, pescar e desbravar terras sem ter em conta o impacto nas outras espécies, devemos adaptar o ritmo da nossa produção agrícola, pesqueira e florestal às capacidades do meio-ambiente. Em vez de deixar as pessoas mais vulneráveis do planeta sem acesso a planeamento familiar, educação e cuidados de saúde básicos, precisamos de acabar com a pobreza extrema e reduzir as altas taxas de fertilidade que persistem nas zonas mais pobres do planeta.
Em resumo, precisamos de reconhecer que com sete mil milhões de habitantes, e nove mil milhões em meados do século, todos interligados numa economia global que usa de forma intensiva a energia e as altas tecnologias, a nossa capacidade de destruir os sistemas do planeta que suportam a vida atingiu um nível sem precedentes. Ainda assim, as consequências das nossas acções individuais estão tão afastadas da nossa consciência diária que podemos estar a caminhar em direcção ao precipício sem darmos conta.
Quando acendemos os nossos computadores e luzes, não temos consciência das emissões de dióxido de carbono que isso provoca. Quando comemos as nossas refeições, não temos consciência da desflorestação provocada pela agricultura insustentável. E quando milhões das nossas acções se combinam para criar fomes e cheias, afectando as populações mais pobres do Mali ou do Quénia, poucos de nós temos a noção do perigo da interligação global.
Há vinte anos que o mundo tenta fazer frente a estas realidades através de tratados e do direito internacional. Os acordos que surgiram, em 1992, na primeira cimeira do Rio eram bons: completos, com visão de futuro, espírito público e centrados nas prioridades globais. Ainda assim não nos salvaram.
Esses tratados viveram na sombra da nossa política diária, imaginação e ciclos dos meios de comunicação social. Anos após anos os diplomatas partiam para as conferências com o objectivo de os implementar, mas os principais resultados foram negligenciados, atrasados e alvo de querelas legais. Vinte anos depois, os nossos esforços resumem-se apenas em três notas negativas.
Existe alternativa? O caminho do direito internacional envolve advogados e diplomatas, mas não engenheiros, cientistas e líderes comunitários que estão na primeira linha do desenvolvimento sustentável. Está cheio de termos técnicos sobre a monitorização, as obrigações vinculativas, os países do anexo I e os países que não pertencem ao anexo I, e milhares de outras legalidades, mas não conseguiu dar à humanidade a linguagem para falar sobre a nossa própria sobrevivência.
Temos milhares de documentos, mas não conseguimos falar uns com os outros com clareza? Queremos salvar-nos? Salvar as nossas crianças? Porque não o dizemos?
Na cimeira do Rio 20 teremos que dizê-lo com clareza, com firmeza e de uma forma que conduza a uma atitude activa e não a disputas. Tendo em conta que os políticos seguem a opinião pública, em vez de a guiarem, deve ser a opinião pública – e não funcionários eleitos - a exigir a sua própria sobrevivência. Há poucos heróis na política. Esperar pelos políticos é esperar demasiado tempo.
Assim, o resultado mais importante do Rio 20 não é um novo tratado, legalmente vinculativo, mas sim um apelo mundial à acção. Por todo o mundo, eleva-se o grito que pede que o desenvolvimento sustentável seja colocado no centro da acção e do pensamento global, em especial para ajudar os mais jovens a resolver o triplo desafio - bem-estar económico, sustentabilidade ambiental e inclusão social – que define a nossa época. O Rio 20 pode ajudá-los a fazer isso.
Em vez de um novo tratado, adoptemos na cimeira do Rio 20, um conjunto de Objectivo de Desenvolvimento Sustentável (SDG, sigla original) que inspire uma geração. Tal como os Objectivo de Desenvolvimento do Milénio abriram os nossos olhos para a pobreza extrema e promoveram uma luta global sem precedentes contra a SIDA, a tuberculose e a malária, os SDG podem abrir os olhos dos nossos jovens para as alterações climáticas, perda de biodiversidade e o desastre da desertificação. Além disso, podemos cumprir os três tratados do Rio, se colocarmos as pessoas à frente destas iniciativas.
Os SGD para acabar com a pobreza extrema; descarbonizar os sistemas de energia; abrandar o crescimento da população; promover uma oferta alimentar sustentável; proteger os oceanos, as florestas e as terras secas; e corrigir as desigualdades do nosso tempo podem ajudar a solucionar os problemas de toda uma geração. Os engenheiros e especialistas tecnológicos de Silicon Valley, São Paulo, Bangalore e Xangai têm ideias que podem salvar o mundo.
As universidades são a casa de legiões de estudantes e académicos dispostos a solucionar problemas práticos nas suas comunidades e países. As empresas, pelo menos as boas, sabem que não podem prosperar e motivar os seus trabalhadores e consumidores a não ser que sejam parte da solução.
O mundo está pronto. O Rio 20 pode ajudar a libertar toda uma geração para a acção. Ainda há tempo, apesar de não ser muito, para passar das más para as boas notas e aprovar no exame final da humanidade.
Project Syndicate, 2012.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Luísa Marques
Há pelo menos uma geração que sabemos que o mundo precisa de mudar de rumo. Em vez de alimentar a economia mundial com combustíveis fósseis, é necessário impulsionar o uso de energias alternativas, como a energia eólica, solar e geotermal. Em vez de caçar, pescar e desbravar terras sem ter em conta o impacto nas outras espécies, devemos adaptar o ritmo da nossa produção agrícola, pesqueira e florestal às capacidades do meio-ambiente. Em vez de deixar as pessoas mais vulneráveis do planeta sem acesso a planeamento familiar, educação e cuidados de saúde básicos, precisamos de acabar com a pobreza extrema e reduzir as altas taxas de fertilidade que persistem nas zonas mais pobres do planeta.
Quando acendemos os nossos computadores e luzes, não temos consciência das emissões de dióxido de carbono que isso provoca. Quando comemos as nossas refeições, não temos consciência da desflorestação provocada pela agricultura insustentável. E quando milhões das nossas acções se combinam para criar fomes e cheias, afectando as populações mais pobres do Mali ou do Quénia, poucos de nós temos a noção do perigo da interligação global.
Há vinte anos que o mundo tenta fazer frente a estas realidades através de tratados e do direito internacional. Os acordos que surgiram, em 1992, na primeira cimeira do Rio eram bons: completos, com visão de futuro, espírito público e centrados nas prioridades globais. Ainda assim não nos salvaram.
Esses tratados viveram na sombra da nossa política diária, imaginação e ciclos dos meios de comunicação social. Anos após anos os diplomatas partiam para as conferências com o objectivo de os implementar, mas os principais resultados foram negligenciados, atrasados e alvo de querelas legais. Vinte anos depois, os nossos esforços resumem-se apenas em três notas negativas.
Existe alternativa? O caminho do direito internacional envolve advogados e diplomatas, mas não engenheiros, cientistas e líderes comunitários que estão na primeira linha do desenvolvimento sustentável. Está cheio de termos técnicos sobre a monitorização, as obrigações vinculativas, os países do anexo I e os países que não pertencem ao anexo I, e milhares de outras legalidades, mas não conseguiu dar à humanidade a linguagem para falar sobre a nossa própria sobrevivência.
Temos milhares de documentos, mas não conseguimos falar uns com os outros com clareza? Queremos salvar-nos? Salvar as nossas crianças? Porque não o dizemos?
Na cimeira do Rio 20 teremos que dizê-lo com clareza, com firmeza e de uma forma que conduza a uma atitude activa e não a disputas. Tendo em conta que os políticos seguem a opinião pública, em vez de a guiarem, deve ser a opinião pública – e não funcionários eleitos - a exigir a sua própria sobrevivência. Há poucos heróis na política. Esperar pelos políticos é esperar demasiado tempo.
Assim, o resultado mais importante do Rio 20 não é um novo tratado, legalmente vinculativo, mas sim um apelo mundial à acção. Por todo o mundo, eleva-se o grito que pede que o desenvolvimento sustentável seja colocado no centro da acção e do pensamento global, em especial para ajudar os mais jovens a resolver o triplo desafio - bem-estar económico, sustentabilidade ambiental e inclusão social – que define a nossa época. O Rio 20 pode ajudá-los a fazer isso.
Em vez de um novo tratado, adoptemos na cimeira do Rio 20, um conjunto de Objectivo de Desenvolvimento Sustentável (SDG, sigla original) que inspire uma geração. Tal como os Objectivo de Desenvolvimento do Milénio abriram os nossos olhos para a pobreza extrema e promoveram uma luta global sem precedentes contra a SIDA, a tuberculose e a malária, os SDG podem abrir os olhos dos nossos jovens para as alterações climáticas, perda de biodiversidade e o desastre da desertificação. Além disso, podemos cumprir os três tratados do Rio, se colocarmos as pessoas à frente destas iniciativas.
Os SGD para acabar com a pobreza extrema; descarbonizar os sistemas de energia; abrandar o crescimento da população; promover uma oferta alimentar sustentável; proteger os oceanos, as florestas e as terras secas; e corrigir as desigualdades do nosso tempo podem ajudar a solucionar os problemas de toda uma geração. Os engenheiros e especialistas tecnológicos de Silicon Valley, São Paulo, Bangalore e Xangai têm ideias que podem salvar o mundo.
As universidades são a casa de legiões de estudantes e académicos dispostos a solucionar problemas práticos nas suas comunidades e países. As empresas, pelo menos as boas, sabem que não podem prosperar e motivar os seus trabalhadores e consumidores a não ser que sejam parte da solução.
O mundo está pronto. O Rio 20 pode ajudar a libertar toda uma geração para a acção. Ainda há tempo, apesar de não ser muito, para passar das más para as boas notas e aprovar no exame final da humanidade.
Project Syndicate, 2012.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Luísa Marques
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