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Opinião
23 de Dezembro de 2004 às 13:59

Assim vai a pátria

Para fim de festa, Santana Lopes meteu-se em nova encrenca. O Eurostat vetou a manobra de Bagão Félix (vender património que faz falta ao Estado!) a fim de cumprir o défice. A artimanha aumentou o descrédito do Governo e empurrou Portugal para as ruas da

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Agora, é preciso juntar 750 milhões de euros para que Bruxelas não nos dê com a palmatória, e estanque vultosas somas que nos estavam destinadas.

Depois do escândalo, o ministro Félix engastou, num discurso que tentava ser explicativo, as suas habituais locuções barrocas, concorrendo para o aumento da confusão. Grave, acabrunhado, rosto inesperadamente obscurecido para as glórias da vida, Santana realçou, com pobre eloquência, o que o ministro Félix tartamudeara. Este ainda brandiu, esbaforido, o «Finantial Times», acusando, com rude avocação cristã, o governo alemão de ser renitente prevaricador. A excruciante cena foi transmitida, e retransmitida, por tudo o que é televisão, na hora em que os portugueses almoçavam. Registaram-se algumas convulsões digestivas. E ninguém percebeu o que a singular parelha fora fazer, fora dizer, fora esclarecer.

Por outro lado, a Casa da Música, um dos baluartes do Porto redivivo, continua a suscitar árduas polémicas. O Governo travestiu-se de Pilatos, lavou as mãos, indiferente aos compromissos assumidos, e sustentou a designação que traz colada: minguado de ética, quanto inchado de incoerência. Rui Rio, expondo no olhar uma fadiga mortificada, acusou o Executivo de agredir os acordos e de escapar aos ajustes. O Executivo, atrapalhado, emendou a mão, disse que sim ao que, horas antes, negara.

Entretanto, o imanente Sócrates, em vez de zurzir os fúnebres protagonistas desta cegada, reacendeu o fogo da co-incineração, e soprou as labaredas da cólera popular em Souselas e arredores. Carlos Encarnação, mordido nos brios de governador, desferiu o engenheiro a navalhada do insulto e, com mimoso eufemismo, chamou-o de «ultrapassado» e «ignorante dos dossiês». A Quercus, ofendidíssima, obsequiou-o com florescentes adjectivos. Quanto ao povo, esse, impulsionado por sagrada ira, ameaça fazer tremer o céu e a terra.

Nada se sabe do que José Sócrates projecta para o País, além das banalidades proferidas durante as deslocações geométricas que realiza, cultivadas em instrutivas refeições. Ao que se murmura, António Vitorino, no remanso do escritório, estuda, reflecte e escreve, a fim de tirar da sombra para a luz refulgente do nosso entendimento o texto impetuoso, categórico, claro e definitivo que constituirá o programa do PS, e removerá a nossa alma do alçapão do tédio e do desespero.

Porém, Santana está atento. E, enquanto todo o mundo e arrabaldes mostram e demonstram o valor negativo das actividades por ele exercidas, nada nem ninguém o demove do propósito de reincidir no empreendimento de sistemática destruição do que ainda resta de pé. É uma cruzada de obstinação religiosa, pelo que se entende nos permanentes «Graças a Deus!» e «Se Deus quiser!» - piedosas exclamações súplices, dirigidas ao Senhor. Tenhamos, no entanto, esperança de que, na sua divina e ampla bondade, o Crucificado impeça que nos façam aquilo que n’Ele cruelmente perpetraram, e castigue os que, ignominiosamente invocam o Santo nome. Acaso entenda de justificação, que repita a límpida atitude tomada contra os vendilhões do Templo: corra-os a azorrague e a pontapé.

APOSTILA - Meu Dilecto: apresso-me a sugerir-lhe a leitura de um belíssimo livro de crónicas, «Dentada em Orelha de Cão», de um excelente jornalista, Miguel Carvalho, editado por uma casa de prestígio, Campo das Letras. Eis a ternura e o humor, a tragédia e a farsa dos dias, a esperança vermelha e o riso álacre da careta humana numa prosa soberba, encantatória. Um autor a reter, que se faz porta-voz dos sem-voz, Miguel Carvalho, prosador de mão feliz, que não tropeça no advérbio e não receia o adjectivo - porque ele também sabe que as palavras possuem cor e perfume, são o retrato de quem as ama, e têm, sempre e sempre, de tomar partido. Não há palavras indolores e incolores. Isso queriam «eles»?

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