Opinião
Arte portuguesa
O Estado, gastando sempre pouco, mesmo assim tem aplicado generosamente dinheiros e políticas na miragem da internacionalização, seguindo os conselhos dos próprios ineressados.
A natureza de um projecto pessoal, o dos robôs pintores, levou-me a participar este ano na Arte Lisboa, a nossa Feira de Arte. Como os pequenos artistas, embora autónomos na sua criatividade, precisam da minha atenção constante, em particular para os alimentar com baterias, passei cinco dias na FIL. Foi estafante mas muito esclarecedor. Pois para além da divulgação do projecto e do reencontro com velhos amigos, confirmei uma dura realidade. A arte portuguesa não tem público, não tem mercado, não tem inovação.
A Feira, tal como acontece noutros países, é o único evento nacional dedicado à arte contemporânea que se dirige simultaneamente ao grande público e a um mercado especializado e restrito. Ora o público não apareceu e o coleccionismo, nesta área, é muito limitado e bastante provinciano. Em consequência viram-se corredores vazios e pequenos negócios que se podiam fazer em qualquer outro local.
Perante isto culpa-se a organização da Feira. Fala-se da fraca ou inadequada promoção, do desinteresse da própria FIL numa feira deste tipo, da falta de dinamismo da organização. Mas embora seja possível fazer muito mais e de outro modo, a verdade é que as razões do evidente fracasso da Feira de Arte de Lisboa se devem procurar noutro lugar. Isto é, na própria natureza do nosso meio artístico. Muito fechado, auto-referencial e dominado por um pequeno núcleo de artistas e seus promotores, a arte portuguesa é ela mesma pouco dinâmica e asfixiada por uma espécie de corporativismo que impede o aparecimento de novos valores e novas formas de expressão artística. Basta ver que desde finais dos anos 80 a renovação geracional é quase nula, os lugares institucionais e de decisão são ocupados sempre pelas mesmas pessoas em regime de rotatividade, a crítica é inexistente tendo sido substituída por meros agentes publicitários e o debate não acontece.
A chamada formação de novos públicos encontra-se na realidade reduzida à formatação de novos compradores, a que se apelida com pompa e objectivo exagero coleccionadores.
Tal como acontece noutros sectores da actividade em Portugal, a nossa arte é afectada por fenómenos de pequena corrupção, de jogos de interesse, de manipulação das instituições públicas. Neste contexto, de uma Feira de Arte ou em geral de qualquer outra forma de divulgação pública, nada mais se pode esperar do que a afirmação de uma menor idade cultural, ainda que sempre adornada por grandes epítetos e ilusórias grandezas.
Um outro aspecto que, como artista, sempre considerei profundamente provinciano, refere essa necessidade de acentuar a propósito e quase sempre a despropósito a componente internacionalização. De artistas, necessariamente, e dos próprios eventos. Esta Feira que é efectivamente local, pretende-se internacional. Como se bastasse colocar a palavra no título.
Este ano destacou-se, pelo aspecto caricato, a grande operação África. Um comissário nomeado para o efeito conseguiu a proeza de trazer a Lisboa, duas, é verdade, duas, Galerias de Moçambique. Uma tão parca representação do continente africano deu lugar a acalorados discursos sobre a nossa vocação de «placa giratória» fazendo a ponte entre África e a Europa, sem que ninguém aparentemente se risse. Do Brasil marcaram presença quatro Galerias. Eis ao que se resume o novo grande Mundo português...
Nestes últimos anos afastei-me do meio artístico nacional por imperativos de trabalho, já que penso que não se pode inovar em contextos fechados, e embora não esperasse muito, devo reconhecer que fiquei surpreendido por ver a arte portuguesa num tal estado de decrepitude. Duas décadas de domínio absoluto de um pequeno núcleo de artistas e seus apaniguados, não conseguiu fazer-nos sair da condição de pobre periferia da Espanha. É um parco resultado para o investimento do Estado que embora gastando sempre pouco, mesmo assim tem aplicado generosamente dinheiros e políticas na miragem da internacionalização, seguindo os conselhos dos próprios interessados.
Daí que mais do que criticar a organização da Arte Lisboa, que pode ter todos os defeitos, talvez fosse melhor começar por discutir o que vai mal na arte portuguesa.