Opinião
Ano do alargamento (IV)
Que esperança existe de alterar a situação em que nos encontramos neste campo num horizonte não muito distante e o que foi feito recentemente em termos de política de educação pelas autoridades competentes para mudar este panorama?
Quando apresentei, no texto de há quinze dias, um retrato muito sumário sobre a tristemente pobre qualificação/educação dos recursos humanos em Portugal, terminei a prosa formulando as duas seguintes perguntas:
Que esperança existe de alterar a situação em que nos encontramos neste campo num horizonte não muito distante?
O que foi feito recentemente em termos de política de educação pelas autoridades competentes para mudar este panorama?
É destas questões que tratarei nas linhas que se seguem, procurando perspectivar o que nos espera nesta área que, recordo, a vasta literatura de carácter científico existente sobre a matéria aponta como um dos factores primordiais para garantir um crescimento económico robusto e um desenvolvimento sustentado de médio/ /longo prazo.
Apesar do confrangedor lugar que Portugal ocupa em termos de qualificação de recursos humanos, seja em indicadores do ensino primário, secundário ou superior, ou em literacia em literatura (língua materna), matemática ou conhecimento científico (sempre próximo do último lugar - se não mesmo lá - em comparação quer com os países que pertencem à União Europeia, quer com os candidatos) existe, contudo, uma área em que os resultados de Portugal são de molde a fornecer-nos alguma esperança quanto a uma possível inversão da situação corrente.
Refiro-me ao campo das tecnologias de informação, no qual o nosso país apresenta indicadores quer negativos, quer positivos.
De entre os primeiros, conta-se, por exemplo, os rácios de professores por computador e alunos por computador, ambos no ensino secundário, em que Portugal se situa pior do que a média de países analisados pela OCDE e longe (para pior) de países como a Hungria ou a Coreia do Sul (em que cada professor do ensino secundário dispõe do seu computador...).
Neste capítulo, permito-me recordar o facto positivo de ainda recentemente o primeiro-ministro ter anunciado que até Março de 2004 mais de 20 mil salas de aula do ensino primário serão equipadas com um computador multimédia e ligação à Internet.
Ao mesmo tempo, é ainda possível constatar que é alta a percentagem de professores nacionais do ensino secundário que revelam pouco interesse/vontade na utilização de computadores e baixa a percentagem dos que utilizam aplicações informáticas (como os programas Word ou Excel, por exemplo), sendo que pior só mesmo o México e a Irlanda.
Também no caso da utilização de Internet ou correio electrónico (e-mail) com fins educativos pelo menos uma vez por mês a situação se mantém desfavorável a Portugal.
Mas ainda nas tecnologias de informação a OCDE mostra que, ao nível de algumas actividades educativas em que o computador é utilizado no ensino secundário, o nosso país aparece a par ou mesmo acima da média do conjunto dos países analisados.
Por exemplo, os alunos portugueses estão ao mesmo nível na utilização de um computador em tarefas básicas (como gravar ou imprimir documentos) ou no processamento de texto.
Já os nossos alunos do ensino secundário ultrapassam visivelmente o valor médio dos países na utilização de "software" educacional - isto é, na realização de testes e exercícios em suporte informático, por exemplo -, na produção de ilustrações com programas gráficos, no cálculo baseado em programas do tipo Excel, ou na programação informática.
Aliás, de todos os indicadores do quadro 2, os alunos portugueses só aparecem abaixo do valor médio na comunicação via "e-mail" com professores e outros estudantes.
Finalmente, deve reparar-se que em alguns destes indicadores, Portugal ultrapassa mesmo países como a Hungria ou a Coreia do Sul (considerados como referências de entre os chamados "emergentes") e, em todos (!) , a Espanha e a Irlanda, que pertencem à União Europeia.
Ora, é sabido pela experiência dos últimos anos (sobretudo nos EUA) que a utilização crescente de tecnologias de informação é favorável a uma produtividade mais elevada e, portanto, aumentando a riqueza produzida; logo, a relativamente boa posição em que aparece, a nível internacional, a geração de estudantes portugueses que hoje frequenta o ensino secundário, deixa-nos com alguma esperança de que, pelo menos nesta área - que tem uma importância crescente no desempenho das economias -, e num futuro não muito longínquo (5 a 10 anos), a qualificação da população activa nacional possa melhorar, contribuindo assim, como já se viu, para aumentar mais rapidamente o nível de bem-estar da população.
Mas também no que diz respeito à actuação das autoridades na área da educação, a recentemente apresentada nova Lei de Bases da Educação poderá contribuir para mudar o panorama negativo geral da qualificação dos recursos humanos portugueses. Resumidamente - e para não maçar o leitor, que o texto já vai longo -, esta Lei de Bases da Educação tem cinco grandes objectivos directores:
i) aumento progressivo da escolaridade obrigatória até 12 anos, que representa um investimento forte na formação da população estudantil;
ii) integração efectiva entre as políticas de educação e formação, com aposta decisiva na via profissionalizante (em alternativa à prossecução dos estudos) com um conjunto mínimo de competências profissionais, para o que se exigirá uma certificação específica;
iii) aposta na formação contínua ao longo da vida, devido às rápidas e profundas mutações científicas e tecnológicas que hoje são uma realidade, potencialmente geradora de situações de analfabetismo funcional;
iv) profissionalizar progressivamente a gestão dos estabelecimentos de ensino, no pressuposto de que a vocação primordial dos professores não deve ser gerir, mas sim ensinar, actividade para que deve ser focada toda a sua atenção;
v) Ensino superior de qualidade, assente em duas ideias chave: aposta na exigência e no rigor das instituições de ensino superior; preocupação reforçada no que diz respeito ao aproveitamento escolar e ao mérito por parte dos estudantes.
É evidente que todos estes objectivos foram, para já, apenas enunciados, mas o que daqui ressalta, em minha opinião, é a existência de uma vontade clara de alterar a situação em que a qualificação/educação dos portugueses se encontra.
Por exemplo, recordo que a aposta no ensino técnico (via profissionalizante) foi uma das directrizes da reforma que a Irlanda levou a cabo no seu sistema de ensino nos anos 60 (há mais de três décadas!), com os (bons) resultados que, a partir dos anos 80 se conhecem.
Cá está a "tal" geração que é preciso esperar para colher os frutos de uma reforma na educação... Também a progressiva profissionalização da gestão de estabelecimentos de ensino me parece ir no caminho certo, a exemplo do que já se passa noutros sectores de actividade.
Tal como a aposta na formação contínua ao longo da vida, num mundo em que a velocidade da mudança não tem nada a ver com a "lentidão" de há apenas uma década e tem tendência para acelerar ainda mais...
Enfim, há que esperar para ver a realidade, pelo que é agora necessário passar da teoria à prática. E que, ao contrário do que ocorreu no passado recente, se dê tempo ao tempo, para que a implementação possa ser realmente efectivada e os resultados possam ser visíveis (quem não se lembra de ver surgir leis de base da educação diferentes consoante a "cor política" do governo ou mesmo quando mudavam os responsáveis desta área no mesmo executivo?).
As respostas às duas perguntas formuladas no texto anterior são pois, caro leitor, de molde a permitir-nos ter esperanças que a confrangedora qualificação que actualmente os recursos humanos portugueses registam, em média, poderá ser alterada para melhor num futuro não muito longínquo.
O que sempre funciona como uma luz ao fundo do túnel para uma situação que, repito, dificilmente poderia ser pior e é um dos mais poderosos (senão mesmo o pior) "handicaps" para o atraso português face ao nível de vida médio europeu.
Economista
Miguel Frasquilho
miguelfrasquilho@yahoo.com